A nova corrida espacial: o céu é a nossa vizinhança

Volume 5  |  Número 52  |  Set. 2018

Por Ana Carolina Aguiar Simões Castilho

Pixabay

Em 17 de julho de 1975, algo inédito acontecia na órbita da Terra, uma acoplagem entre a nave estadunidense Apollo 18 e a nave soviética Soyuz 19. Concretizava-se a missão Apollo-Soyuz. O “aperto de mão orbital” se deu não só entre as naves, mas também entre seus tripulantes. Astronauta e cosmonauta[1]trocaram abraços, bandeiras, certificados, medalhas comemorativas e ainda sementes de árvores para serem plantadas em seus respectivos países, — vale ressaltar ainda que a comunicação se deu através da língua do outro. Esse evento marcou não só um grande avanço tecnológico, dado a dificuldade da docagem, até mesmo porque nenhuma das duas naves tinha sido projetada especificamente para isso, mas também simbolizou uma diminuição das tensões da Guerra Fria e uma mudança nas diretrizes da exploração espacial, a competição deu lugar à cooperação.
Apesar das tensões terem reascendido no final da década de 70, com o surgimento de projetos como o Guerra nas Estrelas[2], com o fim da Guerra Fria, intensificou-se a ideia de colaboração internacional para a exploração do espaço. Somando-se a isso a vontade de conseguir uma presença permanente no espaço, levou-se ao desenvolvimento da Estação Espacial Internacional (EEI), com participação da Rússia, Estados Unidos, Japão, Canadá e Agência Espacial Européia[3]. No entanto, de lá pra cá alguns acontecimentos parecem ter perturbado essa atmosfera cooperativa. 
Como por exemplo, o florescimento da China como potência espacial, que em 1993 lançou seu programa espacial e já em 2003 lançava o primeiro taikonauta ao espaço. O país têm planos ainda mais ambiciosos, como o envio de um satélite que deve pousar no lado mais distante da Lua — e ainda inexplorado — no final desse ano e, futuramente, o envio de uma nave tripulada à Lua, bem como o de uma missão à Marte. 
Tendo isso em vista, o governo chinês fechou um acordo com a Argentina estabelecendo uma importante base de controle para envio de satélites e missões espaciais no deserto da Patagônia.[4]O que ilustra ainda a crescente influência da China na América Latina, ocupando um lugar que tanto a política de aproximação com a Ásia do governo Obama, quanto o isolacionismo de Trump parece ter deixado vacante.
Mas o atual presidente estadunidense já mostra sinais de preocupações no que tange à exploração espacial tendo dito que“Não queremos que China e Rússia passem na nossa frente”, além de ordenar a criação de um sexto ramo das forças armadas, a força espacial.[5]Vale lembrar também que em dezembro Trump já havia manifestado o desejo de que a Nasa enviasse missões tripuladas à Lua e a Marte. [6]
Além disso, em sua declaração ao citar não só a China mas também a Rússia como possível rival na disputa pela exploração espacial, faz se necessário trazer a luz como a crise da Criméia abalou os acordos entre russos e americanos no que diz respeito a Estação Espacial Internacional[7]. Na época, em resposta às sanções impostas pelos EUA, Putin teria anunciado que não tinha intenção de renovar o apoio a EEI após 2020 — quando se encerraria o primeiro acordo— e que a Roskomos, a agência espacial russa, teria planos de montar sua própria estação. Posteriormente, a saída da Rússia dessa empreitada foi adiada para 2024, devido a crise econômica, bem como os planos para o lançamento da nova estação[8].
Mas o estremecimento das relações fez com que a NASA passasse a buscar por alternativas, caso não pudesse mais contar com o apoio dos módulos russos, como por exemplo parcerias com empresas privadas. Que atualmente figuram entre os importantes playersdesse cenário. Destacam-se a SpaceX, United Launch Alliance (ULA), Blue Origin e Stratolaunch Systems. Uma vez que os avanços tecnológicos permitiram baratear os custos da ida ao espaço, seja através da reutilização de foguetes, de sistemas alternativos de lançamento e pouso ou pela possibilidade de desenvolvimento de satélites menores e com preços mais baixos, essa jornada ao céu se tornou atrativa também aos empreendedores individuais. 
Estando, inclusive, esse âmbito comercial da exploração diretamente ligado ao mundo digital, na medida que os satélites representam um componente fundamental para o fluxo de informações. O aumento desse fluxo de dados e imagens permite a criação de um mercado para agentes capazes de processar, interpretar e lucrar com essas informações. A utilização da data science[9]têm sido apontada como um dos pilares da dita Quarta Revolução Industrial. E ainda, em uma outra esfera é tida como arma de marketing político. Sendo o exemplo mais icônico o papel da Cambridge Analyticana campanha de Trump. Ainda que seja discutível até que ponto a participação da empresa foi determinante para os resultados das eleiçõespresidenciais americanas de 2016, já é possível perceber que o uso de big data[10]é uma grande promessa enquanto instrumento para disseminação personalizada de informações.
Nesse sentido, a exploração espacial demonstra seu potencial como ferramenta para o smart power. O domínio da tecnologia por trás disso e de sua aplicação na área de comunicação são disruptivos no que diz respeito à capacidade de influência. Já sua aplicação bélica é bem conhecida desde antes da Guerra Fria. Não atoa o engenheiro alemão Wernher Von Braun cunhou a máxima que diz que “ A diferença entre um foguete que vai ao espaço e um míssil que destrói o inimigo é apenas o destino final”. Enquanto a economia se beneficia da criação das industrias por trás destas tecnologias. Portanto, um programa espacial eficiente pode ser a base para o desenvolvimento da habilidade de combinar softe hard power nos moldes descritos por Joseph S. Nye Jr.[11]
Não é de se espantar, então, que o desenvolvimento de um programa espacial esteja se tornando um passo fundamental na busca pela hegemonia. Nesse contexto, a próspera economia Asiática e as tensões fronteiriças existentes no local abrem caminho para que seus países integrem a nova disputa pela conquista do espaço. Além dos já citados Japão e China, avanços significativos na área foram apresentados pela Índia, Coréia do Sul, Coréia do Norte e Vietnã. [12]
Emúltima análise pode se dizer que a história da exploração espacial se divide em três momentos: O primeiro, que vai de 1957 à 1975, caracterizado pela rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética como consequência da corrida armamentista no pós Segunda Guerra Mundial. O maior objetivo era ser pioneiro, como forma de garantir a segurança nacional e simbolizar a superioridade tecnológica e ideológica. As grandes conquistas foram os primeiros lançamentos de satélites artificiais, voos espaciais tripulados sub-orbitais e orbitais em torno da Terra e missões tripuladas à Lua. 
O segundo momento, engloba do fim da Guerra Fria ao início dos anos 2000,e espelhava o otimismo que marcavaa política internacional na década de 90. A colaboração entre as potências espaciais possibilitou o envio do telescópio Hubble ao espaço, numa ação conjunta da NASA e agência espacial europeia, permitindo que se observasse pela primeira vez para além das estrelas da nossa galáxia. Bem como, assegurar uma estação permanente de pesquisa espacial. Primeiramente, com o projeto soviético da Estação Espacial MIR (‘мир’ que pode ser traduzido como ‘paz’), onde foram recebidos astronautas de diversas nacionalidades. A MIR foi sucedida pela Estação Espacial Internacional, que herdou de sua antecessora seu módulo principal e várias das suas tecnologias de docagem, e os demais componentes tendo sido enviados por vários países. 
Já o terceiro momento é o que vivenciamos atualmente, onde ganha forma uma nova corrida espacial. A retomada de tensões geopolíticas reflete na dinâmica da exploração espacial. A possibilidade do desmonte da EEI, a proibição pela NASA de que seus cientistas trabalhem com os chineses e o interesse comercial no espaço que traz as empresas privadas para o primeiro plano dessa disputa são exemplos de que a rivalidade volta a ser o combustível para os avanços tecnológicos na área. Entre as façanhas já conquistados nesse período destacam-se: A China se consagrando como o terceiro país a colocar um homem no espaço de forma completamente autônoma; O bem-sucedido cultivo de alface na EEI; O desenvolvimento de foguetes reutilizáveis; O lançamento do Falcon Heavy pela SpaceX, que além de ser reutilizável, é capaz de transportar 64 toneladas num voo sub-orbital, sendo classificado como o foguete mais poderoso da atualidade. Enquanto para os novos objetivos podemos citar: o envio do telescópio James Webb, o maior telescópio espacial já construído e que substituirá o Hubble; A expedição de mais missões tripuladas à Lua; Mineração de asteróides; Viagens espaciais de cunho turístico; E aquele que parece ser a nova linha de chegada, a ida do homem à Marte. Sem esquecer que o sonho da colonização espacial parece cada vez mais viável, ainda que falte-se percorrer um longo caminho.
Evidencia-se, portanto, que entender as diretrizes que regem a exploração espacial é um excelente termômetro para medir as tensões do cenário político internacional. Há 43 anos, quando a missão Apollo-Soyuz se concretizava o astronauta Tom Stafford, comandante da nave americana, teve a ideia de preparar ainda mais uma surpresa cultural pra os soviéticos e para o restante do mundo que assistia extasiado o “cumprimento” entre as naves. Pediu ao aclamado cantor Conway Twitty que gravasse uma versão em russo de “Hello, Darlin”, a música que versa sobre um reencontro saudoso entre velhos conhecidos parecia se encaixar perfeitamente com o momento. Hoje, o sucesso “The Sky is a Neighborhood” do Foo Fightersparece umatrilha sonora mais adequada para a nova era da exploração espacial. O céu nunca pareceu tão próximo, por outro lado, de forma análoga ao descrito na letra, a esperança da lugar à apreensão quando nos damos conta das novas luzes e barulhos que invadem o cosmos. 
Referências
WILSON, Jim. Apollo-Soyuz: An Orbital Partnership Begins. 2015.Disponível em: <https://www.nasa.gov/topics/history/features/astp.html>. Acesso em: 21 ago. 2018.
LONDOÑO, Ernesto. From a Space Station in Argentina, China Expands Its Reach in Latin America. 2018. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/07/28/world/americas/china-latin-america.html>. Acesso em: 22 ago. 2018.
EFE. Trump determina criação de força militar destinada a operações no espaço. 2018. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/ciencia/trump-determina-criacao-de-forca-militar-destinada-a-operacoes-no-espaco/>. Acesso em: 22 ago. 2018
GLOBO, O. Trump autoriza Nasa a mandar astronautas à Lua e a Marte. 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/trump-autoriza-nasa-mandar-astronautas-lua-a-marte-22178283>. Acesso em: 22 ago. 2018.
FIGUEIREDO, Filipe; OLIVEIRA, Rodrigo. A UCRÂNIA FOI PARA O ESPAÇO. 2014. Disponível em: <https://xadrezverbal.com/2014/05/21/a-ucrania-foi-para-o-espaco/>. Acesso em: 23 ago. 2018.
PRESSE, France. Rússia diz que vai explorar a Estação Espacial com os EUA até 2024. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/02/russia-diz-que-vai-explorar-estacao-espacial-com-os-eua-ate-2024.html>.Acesso em: 23 ago. 2018.
NYE JR., Joseph S. Think Again: SoftPower. [S.l.: s.n.], 2006. 
RAJAGOPALAN, Rajeswari Pillai. A new space race in Asia. 2018. Disponível em: <http://www.eastasiaforum.org/2018/05/18/a-new-space-race-in-asia/>. Acesso em: 23 ago. 2018.
[1]Apesar dos termos serem essencialmente sinônimos, EUA e URSS referiam-se de forma diferente aos seus viajantes espaciais — astronauta e cosmonauta, respectivamente — como forma de reafirmação da identidade cultural.
[2]Apelido dado à Iniciativa Estratégica de Defesa, proposta pelo Presidente Reagan, para a construção de um sistema defensivo de armas espaciais que conseguiriam proteger os Estados Unidos de um ataque nuclear. 
[3]O Brasil era signatário de um acordo com a NASA que previa sua participação na produção de hardwares que comporiam a EEI, mas foi afastado do projeto por não ter conseguido cumprir com os prazos estabelecidos. Ainda sim, em 2006, Marcos Pontes visitou a Estação Espacial Internacional e se tornou o primeiro astronauta brasileiro. 
[4]LONDOÑO, Ernesto. From a Space Station in Argentina, China Expands Its Reach in Latin America. 2018. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/07/28/world/americas/china-latin-america.html>. Acesso em: 22 ago. 2018.
[5]EFE. Trump determina criação de força militar destinada a operações no espaço. 2018. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/ciencia/trump-determina-criacao-de-forca-militar-destinada-a-operacoes-no-espaco/>. Acesso em: 22 ago. 2018.
[6]GLOBO, O. Trump autoriza Nasa a mandar astronautas à Lua e a Marte. 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/trump-autoriza-nasa-mandar-astronautas-lua-a-marte-22178283>. Acesso em: 22 ago. 2018.
[7]FIGUEIREDO, Filipe; OLIVEIRA, Rodrigo. A UCRÂNIA FOI PARA O ESPAÇO. 2014. Disponível em: <https://xadrezverbal.com/2014/05/21/a-ucrania-foi-para-o-espaco/>. Acesso em: 23 ago. 2018.
[8]PRESSE, France. Rússia diz que vai explorar a Estação Espacial com os EUA até 2024. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/02/russia-diz-que-vai-explorar-estacao-espacial-com-os-eua-ate-2024.html>. Acesso em: 23 ago. 2018.
[9]Ramo interdisciplinar da ciência que estuda e analisa dados, estruturados ou não, para gerar conhecimento e auxiliar nas tomadas de decisão.
[10]Termo utilizado para se referir a um grande ou complexo de dados armazenados.
[11]NYE JR., Joseph S. Think Again: SoftPower. [S.l.: s.n.], 2006. 
[12]RAJAGOPALAN, Rajeswari Pillai. A new space race in Asia. 2018. Disponível em: <http://www.eastasiaforum.org/2018/05/18/a-new-space-race-in-asia/>. Acesso em: 23 ago. 2018.

Ana Carolina Aguiar Simões Castilho é graduanda de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353