O ouro e o euro no território sul-americano
Volume 5 | Número 45 | Fev. 2018
Por Bernardo Salgado Rodrigues
Wikipedia/ AIGA symbol signs collection |
Historicamente, o metal e a moeda constituem elementos fundamentais na compreensão dos fenômenos econômicos. Ainda durante a Idade Média, as pessoas depositavam ouro nas ourivesarias visando a segurança de seu valioso produto. Em troca, os ourives emitiam títulos referentes ao valor do depósito. Devido a segurança e praticidade dos títulos, começou-se a utilizá-los como moeda ao invés do resgate do ouro nas transações, ensejando o início do que conhecemos atualmente como cédulas monetárias.
Desde a antiguidade, o ouro foi utilizado como símbolo de pureza e valor, como “materialização social absoluta da riqueza” (MARX, 1988, p.119-120), cujas primeiras ligas metálicas utilizavam o ouro na fabricação de moedas, justificado por seu difícil acesso, seu brilho, a durabilidade de seu material e sua vinculação com padrões culturais e religiosos. Ainda, o ouro possui importância significativa na economia internacional até o século XX, tendo sido utilizado como padrão monetário internacional desde o século XIX até colapso do sistema de Bretton Woods, em 1971.
Da mesma forma, a moeda, que surge a partir do estabelecimento de uma economia baseada na troca direta (maça-banana) para outra baseada na troca indireta (maça-dinheiro-banana), funciona como meio geral de pagamento e compra, ou seja, como meio de troca (aceito como pagamento de bens e serviços), reserva de valor (preservação do poder de compra com o passar do tempo) e unidade de conta (base de medição de todos os bens). Historicamente, a “‘moeda internacional’ sempre foi a moeda do ‘Estado-economia nacional’ mais poderoso, numa determinada região e durante um determinado tempo” (FIORI, 2007, p.29-30), que, concomitantemente, é a moeda mais valorizada em termos monetários e comerciais.
Ao realizar uma análise geopolítica da América do Sul baseada na disputa tanto do ouro como da moeda, percebe-se um fato interessante referente a única unidade política não independente da região: a Guiana Francesa.
A Guiana Francesa[1] constituiu um território ultramarino francês na América do Sul, sendo o menor território sul-americano. Apesar de constituir-se como um espaço europeu, seus dados gerais divergem com a média européia: possui uma população de 276.000 pessoas (2016), taxa de desemprego (% da força de trabalho) de 22,7% (2014)[2], taxa de pobreza de 44,3% (2014), taxa de homicídio de 17,2 (por 100 mil habitantes)[3].
Os fluxos migratórios consistem em outro dado interessante: atraídos pelas fronteiras diluídas, pelo garimpo do ouro e pelo mercado de alto poder aquisitivo da moeda local (euro), imigrantes − em grande medida brasileiros clandestinos[4] − buscam melhores condições de vida neste departamento francês. A população da Guiana francesa é oficialmente composta por 40 % de estrangeiros[5], cujos brasileiros são – sem considerar os garimpeiros ilegais, estimados pela “Gendarmerie de Guyane” em mais de 10.000 homens, mulheres e crianças – respondem pelo terceiro maior fluxo imigratório – cerca de 30% dos estrangeiros na Guiana, em seguida ao Suriname e Haiti.
Como exemplo, em março de 2017, diversos protestos ocorreram na Guiana Francesa, durando mais de uma semana e gerando transtornos para a população. Dentre os principais motivos, os protestos centravam-se contra o aumento da violência, a pesca ilegal por brasileiros e surinameses em águas francesas, e a mineração de ouro ilegal por brasileiros e surinameses em território francês[6].
O imaginário do “Eldorado”, tão presente na história da própria Amazônia, impulsiona um fluxo migratório contínuo que gera conflitos na região. Os brasileiros se sujeitam ao trabalho informal e ilegal, principalmente nos garimpos clandestinos, enquanto para as mulheres, há o trabalho na casa de famílias guianenses e, no pior dos casos, a prostituição[7]. Em outros termos, o “fetiche por empregos[8]” na área da mineração do ouro tem levado a imigração ilegal de brasileiros (que vem enfrentando uma profunda crise econômica na década de 2010) na Guiana Francesa, basicamente atraídos por dois bens: o ouro, na busca de trabalho em garimpos ilegais de ouro, retornando ao Brasil com a mercadoria para ser vendida, e o euro, que possui um valor monetário substancialmente mais elevado se comparado ao real.
Uma contenda que, aparentemente, não possui demasiada atenção dos meios de comunicação, pesquisadores e políticos em geral, possui uma multiplicidade de enfoques a serem abordados e estudados, como segurança e defesa internacional, violência, fluxos migratórios, desemprego, dentre outros. É a geopolítica e a geoeconomia, um exemplo clássico entre a acumulação de poder e riqueza na América do Sul com traços ainda presentes da colonização.
Referência
FIORI, José Luís. O poder global: e a nova geopolítica das nações. São Paulo: Boitempo, 2007.
Marx, Karl. O capital. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
[1] http://www.guyane.gouv.fr/
[2] http://data.un.org/CountryProfile.aspx?crName=French%20Guiana
[3] http://www.defesanet.com.br/br_fr/noticia/25418/Guiana-Francesa—A-crise-politica-e-social/
[4] http://www.jornalbeiradorio.ufpa.br/novo/index.php/2013/143-edicao-111–marco-e-abril/1429-processos-migratorios-de-brasileiros-para-a-guiana-francesa-instigam-pesquisa
[5] http://confins.revues.org/5003?lang=PT
[6] http://www.pautanews.com.br/2017/03/27/protestos-em-cayenne-violencia-saques-a-lojas-e-toque-de-recolher-na-vizinha-guiana-francesa/
[7] https://estrategiaempresarial.wordpress.com/2008/02/17/guiana-francesa-brasileiros-atravessam-a-fronteira-em-busca-de-euros/
[8] https://www.diariodoamapa.com.br/2017/02/18/a-guiana-e-um-sonho-realizado-de-poucos-e-uma-grande-ilusao-para-muitos/