Batman e Foucault
Volume 5 | Número 48 | Mai. 2018
Por Jessika Cardoso de Medeiros
Pode parecer um pouco estranho a primeira vista, mas Batman, o herói criado pela DC Comics em 1939, é um personagem interessante para compreender a obra “Vigiar e Punir” de Michel Foucault. Batman se enquadra e dialoga com alguns dos conceitos presentes no livro, uma vez que o personagem trabalha com a ideia de punir quem está errado, ao mesmo tempo em que espalha o medo por está constantemente vigiando as ações desses criminosos, fazendo com que os mesmos possam refletir antes de agir, temendo possíveis consequências.
Tendo como referência o filme “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, lançado em 2008, é possível perceber que nele o personagem é colocado em cheque por uma mente criminosa doentia, conhecida como Coringa, que tem o objetivo fazer da cidade de Gotham uma anarquia dominada pelo medo. O Batman é, acima de tudo, um símbolo dúbio que, ao mesmo tempo em que carrega consigo a ideia de segurança, porque protege as ruas da cidade do crime, também arca com o estigma de justiceiro mascarado, o que poderia ser interpretado como um criminoso.
Na obra de Foucault, a disciplina e a normatização vêm de três estágios: examinar, vigiar e punir. E o personagem do filme realiza esses estágios, às vezes de forma organizada, com o seguimento das três etapas, em outras somente se utilizando as duas última.
O primeiro estágio, o exame, por sua vez é divido em três partes. Na primeira, o exame inverte a economia da visibilidade no exercício do poder. Isso quer dizer que, ao contrário do que é entendido tradicionalmente por poder, como algo que se vê, se manifesta, o poder é entendido como algo que se esconde, que só entra em foco quando é de seu interesse. E essa é a premissa do Batman, ele tem o poder de punir, de vigiar e controlar a vida dos bandidos na cidade de Gotham, contudo ele não se mostra, atua durante a noite para que a escuridão o omita, e, consequentemente, não divulga sua verdadeira identidade. Desse modo, ele sempre está presente na cidade, mas nunca as vistas de todos e a consequência disso é ter o poder do medo a seu favor.
A segunda parte é que o exame também se baseia em estudo escrito, com anotações, documentação sobre o que se deseja. Com relação a isso não há muita relação com o filme, já que a análise de Bruce Wayne com o Coringa é mais no campo visual, com uso de vídeos feitos pelo mesmo. E a terceira e última parte, junto com as duas primeiras, faz de cada individuo um caso. O indivíduo no filme é o Coringa, ele é o “caso individual” do Batman, é ele quem tem que ser, de acordo com Foucault, classificado, normalizado e excluído, ou seja, é ele que depois de estudado e controlado, deve ser vigiado e punido, para que seus atos não sejam repetidos.
O segundo estágio é o “panoptismo”, que é o ato de vigiar constantemente e, ao mesmo tempo a consciência do vigiado de que ele está sendo observado e de que, se for contra a ordem vigente, será punido. Batman é um exemplo de “panoptico” que tem meios de vigiar e faz uso desses meios, seja patrulhando pessoalmente as ruas ou usando das tecnologias modernas da Wayne Enterprise para isso. No filme “Cavaleiro das Trevas”, para localizar o Coringa, ele ativa uma tecnologia fruto de pesquisas de sua empresa, que transforma os celulares de toda a cidade de Gotham em sonares, fazendo com que ele tenha controle de tudo o que acontece. Em prol da segurança coletiva, o Batman invade a privacidade de todos, controlando a vida de milhares de pessoas a partir da tela de seu computador, através de uma espécie de “Big Brother”, tal como no livro “1984” de George Orwell. Entretanto, conseguindo localizar o Coringa e lhe aplicando a punição, tal equipamento é destruído.
Além do uso desse equipamento, a própria figura do Batman é um panoptico que está constantemente vigilante em Gotham, à espera do momento exato de agir, seja por intenção própria, ou pelo chamado do Comissário Gordon utilizando-se do refletor localizado no topo do prédio, que, quando ligado, projeta o símbolo do morcego no céu da cidade. Assim, os criminosos têm a consciência de que estão sendo vigiados e o medo da punição, conforme destacado em uma das cena do filme, retratando a reunião da máfia realizada durante o dia, visto que a possibilidade do Batman aparecer seria menor.
Por fim, o último estágio é a punição, aplicada de várias maneiras, dependendo do ponto de vista do filme. Por exemplo, se for do Batman, em teoria o herói, a punição é feita com a prisão, como aconteceu com o Coringa que foi deixado preso para a equipe da S.W.A.T. Já no caso da punição executada pelo vilão, como o Coringa, a morte ou a tortura são os meios utilizados.
Esses são pequenos devaneios de uma acadêmica nerd. De qualquer forma, essa análise procura abstrair a visão séria de Foucault (Why so serious?) ao colocar um objeto, digamos fora do comum, para dialogar com as ideias o autor, demonstrando também a sua atemporalidade.
Referência
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 42. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.
FILME. BATMAN o cavaleiro das trevas. Direção Christopher Nolan, 152 min. 2008.
Excelente Jéssika!! Tava doido atrás de algum texto que problematizasse as relações de poder nos quadrinhos do Batman. Vou levar essa discussão para o planejamento de aula de literatura de língua inglesa da Educação Básica. Outras questões importantes a se pensar em Batman são as relações de gênero e sexualidade, muitas vezes interditadas (para utilizar Foucault), ou até mesmo pensar no perfil dos "vilões"do Batman. Gratidão!!