Os dilemas da (in)segurança no norte asiático: um olhar para além da Coreia do Norte
Volume 5 | Número 48 | Mai. 2018
Por Alana Camoça Gonçalves de Oliveira
Map of East Asia for use on Wikivoyage, English version |
O Nordeste Asiático é uma região de importância fulcral. De um lado temos, uma potência em contínua ascensão – a China. Do outro lado há uma potência econômica que visa se tornar um “Estado Normal” se (re)militarizando – o Japão. Ainda sim, temos uma nação com altos gastos militares e que partilha de receios históricos profundos na relação com seus vizinhos – a Coreia do Sul – e, como sua vizinha, uma nação que constantemente faz testes de força com o objetivo de demonstrar seu poder no cenário internacional e garantir a manutenção do regime – a Coreia do Norte. Outro ator nesse cenário é Taiwan, uma comunidade política que busca ser considerada soberana e que barganha para conseguir a flexibilização de algumas leis, por exemplo. Por fim, ainda há uma potência que afeta diretamente a configuração de poder global e o equilíbrio regional – os Estados Unidos (EUA) (BUZAN, 2010; IKENBERRY, 2004).
Recentemente, a atual situação geopolítica do Nordeste Asiático fez com que os holofotes fossem apontados para a região. Disputas territoriais, tensões nucleares e trocas de insultos entre líderes regionais, são alguns dos acontecimentos que vêm chamando a atenção de mídias transnacionais. No dia 27 de Abril de 2018, um evento histórico, uma reunião entre os líderes da península coreana, Kim Jong Un e Moon Jae In, aumentou ainda mais a visibilidade e a importância dos acontecimentos no cenário regional asiático para o mundo. A Declaração de Panmunjeon, assinada durante o evento, foi o documento que simbolizou e representou uma primeira “vitória” ao trazer grandes promessas e projetos de futuro. Dentre eles temos: a busca pela assinatura de um acordo de paz para dar fim à Guerra da Coréia, a promessa de uma visita de Moon Jae In à Pyongyang ainda em 2018 e o interesse da desnuclearização da península coreana.
Diante do escalonamento das tensões no Nordeste asiático desde 2016, seria curioso pensar que há 2 anos um evento como esse seria possível[1], não é mesmo? Até 2018, podemos descrever a situação do Nordeste asiático como uma região com altos níveis de tensão e ameaças. Então, a Coréia do Norte não deve ser considerado o único ator beligerante da região. Ao contrário, outros atores regionais contribuiram e ainda continuam a influenciar a (in)segurança na região. A China com sua expansão marítima e seus avanços para o Mar do Leste, desafiando seu rival japonês e disputando a soberania pelas Ilhas Senkaku/Diaoyu; o Japão do século XXI, o país que leva em sua Constituição cláusulas e o discurso pacifista, com interesses, sobretudo durante o governo de Shinzo Abe (2012-atual), em favor de um recrudescimento das políticas de segurança; e os EUA com sua presença no Nordeste Asiático consolidada desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) através da manutenção e da realização de treinamentos de forças militares na Coréia do Sul, no Japão e nos mares.
Nesse sentido, a Coreia do Norte sozinha não faz do Nordeste Asiático uma região conflituosa, apesar de ser o ator com maior capacidade de desencadear um conflito militar na atualidade, devido à imprevisibilidade de suas ações e o desconhecimento dos interesses do líder norte-coreano. A falta de accountability, os lançamentos de mísseis e o programa nuclear norte-coreano faziam e continuam a engendrar do país uma ameaça para seus vizinhos e tal questão pode ser vista em discursos e em livros de defesa norte-americanos, sul-coreanos[2] e japoneses[3].
Um símbolo de esperança ocorreu por meio de uma possível desnuclearização da península coreana. A promessa da desnuclearização teve destaque e especulações não faltam sobre o assunto, mas ainda não podemos definir isso como uma “vitória” ou não. A política internacional e suas relações diplomáticas, por vezes, são imprevisíveis e neste caso, a Coreia do Norte ainda pode trazer muitas surpresas (desagradáveis ou não). É necessário mencionar que o poder nuclear norte-coreano é uma importante parte de sua identidade nacional e, ao mesmo tempo, é de onde vem parte do seu poder de barganha no cenário internacional. Não é novidade que a Coreia do Norte tem um programa nuclear, mas sua relevância e sua securitização por parte dos EUA pode ser explicada pelos Mísseis Intercontinentais desenvolvidos recentemente. Em média, eles são capazes de alcançar cidades como Los Angeles e Nova Iorque.
A Coreia do Norte tem uma íntima relação com seu poder nuclear e, por isso, é preciso ainda ter cautela com relação às suas promessas de desnuclearização, visto que não sabemos ao certo o que a Coreia do Norte entende por desnuclearização, não foram mencionados os procedimentos que serão adotados e nem o tempo que esse projeto de desnuclearização levará e, por fim, não temos nenhum acordo assinado pelo líder norte-coreano dando início ao processo desnuclearização de fato.
Mísseis Intercontinentais e poder nuclear dão poder de barganha aos países, eles passam a pertencer à uma elite pequenas de países no sistema internacional e, como todos os países buscam sobreviver, o caso norte-coreano não é diferente. Direcionar a insegurança da região do Nordeste Asiático somente nos coreanos é desconsiderar os diversos outros atores do cenário, suas relações diplomáticas e suas disputas.
O Nordeste Asiático deve ser refletido a partir de multiníveis, em que compreender a busca pela paz na região não se restringe à estabilização do conflito na península coreana. Nesse sentido, é preciso enfatizar que a Coreia do Norte busca sobreviver na arquitetura do sistema internacional, por esse motivo, é um país que “as vezes joga” com suas próprias regras e, por vezes, tem que se adaptar às regras do tabuleiro internacional, tentando persistir sua existência em uma região de gigantes.
Referências
BUZAN, Barry. (2010) China in International Society: is “Peaceful Rise” Possible? The Chinese Journal of International Politics. Vol. 3.
IKENBERRY, John. (2004) American hegemony and East Asian order. Australian Journal of International Affairs, Vol. 58, No. 3, pp. 353–367, September.
PANMUNJEON DECLARATION. (2018). Disponível em: http://m.koreatimes.co.kr/phone/news/view.jsp?req_newsidx=248077 Acesso em: 27 de abril de 2018.
US DEPARTAMENT OF DEFENSE. (2016) Department of Defense (DoD) Releases Fiscal Year 2017 President’s Budget Proposal. Disponível em: https://www.defense.gov/News/News-Releases/News-Release-View/Article/652687/department-of-defense-dod-releases-fiscal-year-2017-presidents-budget-proposal/
US-Japan SECURITY TREATY. Us-Japan Mutual Cooperation Treaty, 1960. Disponível em: http://www.mofa.go.jp/region/n-america/us/q&a/ref/2.html
[1] Basta ver como os discursos mudaram. Acesse: http://home.bt.com/news/world-news/how-trump-kim-and-moons-words-changed-in-a-year-11364267201685
[2] Korea Defense White Paper. 2016 Acesso: http://www.mnd.go.kr/user/mndEN/upload/pblictn/PBLICTNEBOOK_201705180357180050.pdf
[3] Japan Defense White Paper. 2017. Acesso: http://www.mod.go.jp/e/publ/w_paper/2017.html