Desemprego na França

Volume 5 | Número 47 | Abr. 2018

Reportagem sobre desemprego na França,
 publicada no periódico “O Estado RJ”
com a participação do professor Luiz Felipe Brandão Osório.

Por Fabio Terre do “O Estado RJ”, de 15 de abril de 2018

França: “O desemprego deixa de ser conjuntural, para ser estrutural”, diz especialista
Greve no setor ferroviário da França deve durar 36 dias. O projeto reformista do governo deve eliminar 120 mil dos quase 5 milhões e meio de postos de trabalho em todo o setor público

O setor ferroviário francês entrou em greve  no começo deste mês contra as reformas trabalhistas do governo do presidente Emmanuel Macron. O protesto está programado para durar 36 dias, com alternância de 2 dias de paralisação para cada 5 de funcionamento. Os trabalhadores não querem a transformação da empresa SNCF (Sociedade Nacional de Ferrovias Francesa) em sociedade anônima e nem o fim do estatuto cherminot, que proporciona uma série de benefícios para os funcionários.
A SNCF é uma das principais empresas públicas da França e tem um prejuízo anual de 3 bilhões e já acumula uma dívida total de quase 47 bilhões. Macron quer dar mais eficiência à ela e eliminar “privilégios” de novos funcionários, como o emprego vitalício, a aposentadoria a partir dos 52 anos e viagens de trem grátis ou mais baratas. Em 2020, as regras de liberalização da União Europeia encerrarão o monopólio da empresa e a abrirão à concorrência, o que já cria a necessidade imediata de adaptação. O presidente francês  tem maioria política e também o apoio de maior parte da população.
Mas, por outro lado, o projeto reformista do governo quer eliminar 120 mil dos quase 5 milhões e meio de postos de trabalho em todo o setor público e também estabelecer um plano de demissões voluntárias, por meio da flexibilização do estatuto dos funcionários públicos, a fim de reduzir o déficit orçamentário do país.
Crise leva para o enquadramento da classe trabalhadora
Os trabalhadores ferroviários tomam os “privilégios”, como direitos adquiridos após anos de luta sindical e Guillaume Pepy, diretor geral da SNCF, afirmou que à rádio RMC, que “o custo da greve é de quase 20 milhões de euros por dia”. A paralisação está prevista para durar até maio e não há sinais de quem vencerá esta queda de braço.
O Brasil também passou pela sua reforma trabalhista e pelos protestos opositores que a acompanham. Ambas as reformas são de caráter neoliberal, conforme afirma Luiz Felipe Osório, professor e coordenador da graduação de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de janeiro (UFRRJ). Segundo o professor, a principal semelhança entre elas é que “se inserirem no contexto mais amplo de crise de acumulação no capitalismo mundial”. “O capitalismo é essencialmente crise”, prossegue ele, “e os momentos de estabilidade são suas exceções pontuais”.
“Assim, em alguns períodos a crise se acentua e a saída buscada caminha sempre no enquadramento da classe trabalhadora via desconstituição de direitos e garantias, o que é essencialmente uma maneira de diminuir o preço da força de trabalho e os custos dos capitalistas”, afirma Osório. O professor cita ainda como consequência dessa política, a privatização de empresas estatais, esvaziamento da luta sindical, a abertura das economias aos capitais estrangeiros, as modificações rumo a privatização na previdência, nas relações de trabalho e nos direitos sociais como um todo, e o redirecionamento da intervenção estatal para outras áreas que não as sociais.
Charles Pennaforte, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e diretor-geral do CENEGRI (Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais) afirma que a ideia neoliberal de que o estado é uma empresa não faz sentido e o que se vê é a tentativa de privilegiar o setor financeiro. Exemplifica que no Brasil há teses e relatórios do próprio senado, que concluem que a “previdência brasileira não dá prejuízo”. Mas, o professor alerta que a sua reforma beneficiaria o setor privado de previdência.
A taxa de desemprego na França é alta, embora Macron tenha conseguido diminuí-la, mas Pennaforte afirma que as economias no velho mundo nunca vão conseguir gerar emprego em larga escala e crescer 5%, 6% ou 7%, como a China cresce hoje, porque sua economia já está totalmente organizada, a população já se estabeleceu e tem taxa de crescimento negativo, além da crescente robotização do trabalho. “O desemprego deixa de ser conjuntural, para ser estrutural”, afirma ele.
Tanto o professor Luiz Felipe Osório, quanto o professor Charles, concordam que os movimentos sociais na França são mais fortes do que no Brasil e podem atenuar as medidas do governo francês com relação à SNCF. “A História francesa é toda baseada encima dessa luta pelos direitos humanos”, diz o especialista do Rio Grande do Sul. O coordenador da UFRRJ complementa dizendo que o modelo de bem-estar social conseguiu enraizar-se mais na França do que no Brasil, porque neste as garantias são frágeis e poucas, mais fáceis de serem solapadas, o que reflete também na organização do trabalho e das lutas. Mas conclui atribuindo a maior força dos movimento estrangeiro “à vários motivos históricos e estruturais das relações internacionais, como a posição dentro da divisão internacional, que tem o Brasil na periferia e a França no centro”.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353