Integração Regional: reflexões teóricas e práticas a partir da Europa e da América do Sul

Por Larissa Rosevics

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Do ponto de vista histórico, as integrações regionais inserem-se no que comumente denomina-se como regionalismo, característico do século XX, fortalecido no pós Guerra Fria (HURRELL, 1995) e questionado atualmente.

Dois fatos apontam para singularidade do momento contemporâneo nas integrações regionais da Europa e da América do Sul: 1) a aprovação via referendo popular da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e; 2) a decisão dos demais sócios do Mercosul de impedir a presidência pró-tempore do bloco pela Venezuela. Dada a excepcionalidade política dos dois acontecimentos e o contexto econômico de crise que persiste em ambos os projetos, diversos questionamentos surgiram quanto efetividade e o futuro da União Europeia e do Mercosul.

O objetivo aqui não é reafirmar retoricamente a importância ou a solidez da União Europeia ou do Mercosul, mas desconstruir algumas concepções que embasam as incertezas do tempo presente.


A primeira concepção é a de que os projetos de integração regional são puramente processos econômicos e que, a dificuldade no aprofundamento da integração econômica significa necessariamente o fracasso de todo o projeto.

Projetos de integração regional não se restringem ao processo de integração econômica, abarcando outros processos como a integração educacional, integração sociocultural, a cooperação em segurança, a formação de uma política externa comum e etc. (ROSEVICS, 2015; CARVALHO, 2013).

A segunda concepção é a de que, para que um projeto de integração regional seja considerado como tal, e para que seja bem sucedido, é necessária a existência de uma instituição internacional forte e com poderes supranacionais. O modelo baseado na supranacionalidade, adotado pelos europeus, não é o único possível para os arranjos integracionistas e tampouco pode ser tributário de maior ou menor sucesso dos projetos (SARTI, 2011). Avaliar o sucesso de um projeto de integração regional depende dos vários sentidos estratégicos que o abrangem e não apenas do modelo de construção da governança adotado.

A terceira concepção é a de que os projetos de integração regional são imutáveis e irreversíveis. Enquanto projetos estratégicos, as integrações regionais estão sujeitas as mudanças governamentais nos Estados e à avaliação dos processos em curso, podendo sofrer interrupções, retrocessos, ampliações ou transformações (CARVALHO, 2016).

Os projetos de integração regional da Europa e da América do Sul estão pautados em três pilares: econômico, político-social e de segurança. No caso europeu, a integração regional procurou, desde a década de 1950, dirimir as controvérsias internas e os elementos que poderiam promover a desconfiança e a insegurança entre os Estados, especialmente entre França e Alemanha, proporcionando melhores condições para a retomada da estrutura produtiva e comercial da região (OSÓRIO, 2013). No caso sul-americano, o interesse pela integração regional está historicamente vinculado ao projeto de desenvolvimento econômico e social dos Estados, mas só foi possível no Cone Sul a partir da década de 1980 com os entendimentos entre Brasil e Argentina em relação aos seus projetos nucleares (CERVO, 2013).

A consciência da importância dos fatores político-sociais e de segurança para a existência dos projetos de integração regional são, por vezes, esquecidos em relação ao destaque que o processo de integração econômica ganhou, especialmente pós Guerra Fria, bem como o papel de avaliação do projeto conferido ao modelo de integração econômica por etapas elaborado por, dentre outros, Bela Balassa (1961).

O modelo de integração econômica por etapas é um norte importante dentro de um projeto de integração regional, como é possível observar na União Europeia e no Mercosul, mas a sua operacionalidade é muito mais flexível e está vinculada a maneira como a tomada de decisões e a governança são processadas dentro dos projetos de integração regional.

No caso Europeu, a escolha do modelo supranacional permitiu maior capacidade decisória à instituição regional, com a cessão de autonomias decisórias a determinadas áreas estratégicas, conferindo assim maior capacidade de ação à instituição União Europeia. Os países do Cone Sul optaram pelo sistema intergovernamental como central no processo de tomada de decisões dentro do projeto de integração regional. Tal escolha implicou na criação de Reuniões Ministeriais para cada uma das áreas estratégicas estabelecida pelos Estados, responsáveis pelos debates, pelas regras estabelecidas e pela cessão limitada à instituição regional em relação à tomada de decisão, com foco específico na implantação de medidas (LESSA; OLIVEIRA, 2013).

Em ambos os casos é preservado o direito soberano dos Estados de deixar de participar, parcial ou plenamente, de qualquer um dos arranjos estabelecidos dentro do projeto de integração regional. A Inglaterra era, até a iniciativa de saída do Reino Unido, um exemplo de país que não participava plenamente de todos os acordos da União Europeia, como por exemplo a Zona do Euro ou a Zona Schengen (LIMA, 2009). Portanto, se é equivocada a eleição da integração econômica como balizadora da qualidade da integração regional, tampouco o é o modelo de governança supranacional, conforme destaca Sarti (2011, p.185):

(…) as contradições inerentes à integração podem atenuar a polêmica no debate entre os
modelos supranacional e intergovernamental. Basta lembrar que a supranacionalidade da UE tem sido apontada como um fator que engessa as políticas sociais (…) O que aumenta a complexidade da questão é o fato de que a integração, assim como as relações  internacionais de cooperação, não é e nunca será uma questão meramente técnica, nem  restrita aos desígnio macroeconômicos, mas está sempre sujeita às determinações das  disputas de poder e condicionada às variações das vontades políticas representadas nos governos.

Sarti (2011) conclui sua argumentação destacando a importância de instituições sólidas na integração regional sul-americana, para que elas sejam capazes de superar as mudanças proporcionadas pelo tempo e aprofundar as demandas existentes dentro do projeto de integração.

Percepção semelhante pode ser observada sob outro ângulo, a partir dos estudos da União Europeia de Ernst Haas (1961). Defensor do modelo supranacional e da operacionalidade que ele proporciona para a instituição regional, para Haas a integração regional prescinde de um processo de integração política, responsável pela constituição de uma Comunidade Política, composta por grupos de interesses, partidos políticos e governos nacionais dos Estados membros. A coesão das ideias das elites dentro da Comunidade Política proporciona a construção de crenças coletivas, institucionalizadas pela instituição regional.

A partir de Haas é possível afirmar que a legitimidade da instituição regional (seja ela supranacional ou intergovernamental) dependente da coesão social proporcionada pelo processo de integração política, que tem ao centro os Estados e as sociedades.

Os projetos de integração regional da União Europeia e do Mercosul não se restringem aos processos de união econômica e de mercado comum que nomeiam as suas instituições, e mesmo o processo de integração econômica não se limita ao modelo de “integração por etapas”, elaborado nos anos 1950. Os históricos das integrações, europeia e mercosulina, revelam os vários níveis e nuances do processo de integração econômica, que não descaracterizam todo o projeto de integração regional estabelecido pelas sociedades.

A dinâmica integracionista é mais profunda e envolve transformações estruturais de todas as sociedades. A complexidade do momento atual está na descaracterização do processo de integração político-social em prol da perspectiva econômica liberal, responsável pelo ressurgimento reativo dos nacionalismos, pela diminuição da coesão social da Comunidade Política regional e, consequente perda de legitimidade por parte da instituição regional, dando margem para que as disputas internas de poder e do capital enfraqueçam a integração.

A saída do Reino Unido, no caso europeu, e o isolamento da Venezuela, no caso mercosulino, são afrontas às propostas político-sociais estabelecidas nos Tratados de Roma (1957) e a Declaração do Iguaçu (1985), documentos fundadores de ambos os projetos de integração regional. Por outro lado, a superação dos desafios contemporâneos que assolam ambas as Comunidades Políticas, como as crises econômicas, políticas e humanitárias, necessitam de respostas coletivas que apenas a integração político-social é capaz de fornecer.

As ainda frágeis integrações regionais, que poderiam promover solo fértil para a germinação de ideias inovadoras e transformadoras, são estigmatizadas como as culpadas por todos os males que assolam as sociedades nacionais dos Estados. Sob a égide econômica liberal, a integração regional é reduzida a uma iniciativa que, por hora, é tida como ineficaz e ineficiente para a superação das contradições do mundo contemporâneo.

* Texto é parte do artigo apresentado no VII SIMPORI – UERJ/Santiago Dantas.


Referências

BALASSA, Bela. Teoria de integração econômica. Lisboa: Livraria Clássica, 1961.
CARVALHO, Glauber Cardoso. South American foreign policy: the double movement between attraction vs. detachment towards integration In: XXXIV Congress of the Latin American Studies Association, LASA 2016 CONGRESS PAPERS. New York: LASA, 2016.
CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina: de 1930 aos nossos dias. 3.ed.rev.ampl. São Paulo: Saraiva & IRBI, 2013
HAAS, Ernst. International Integrations: the European and the universal process. International Organization, vol.15, n.3, p.366-392, 1961.
HURRELL, Andrew. O ressurgimento do regionalismo na política mundial. Contexto Internacional, v.17, n.1, Rio de Janeiro, p.23-59, jan/jun. 1995.
LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, Henrique A. (coord.). Integração Regional: uma introdução. São Paulo: Saraiva, 2013
LIMA, Mário Afonso. Um fardo aceitável: A relação entre o Reino Unido e a União Europeia. Monografia, Unilassale-RJ, Niterói, 2009.
ROSEVICS, Larissa. Por uma integração via educação: o novo marco do Mercosul Educacional no século XXI. Revista NEIBA, vol.4, n.1, p.116-128, ago.2015.
SARTI, Ingrid. A arquitetura política e os desafios da institucionalidade na integração Sulamericana. In: CERQUEIRA FILHO, Gisálio. (org.). Sulamérica: comunidade imaginada, emancipação e integração. Niterói: EdUFF, 2011. p.177-191.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353