Opinião pública e a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial

Por Jessika Cardoso de Medeiros
Wikipedia: DesconhecidoArquivo Plínio Doyle. Fotografia reproduzida em Venceslau Brás, 9º presidente do Brasil. Séria Os Presidentes de Hélio Silva.

A política externa brasileira da Primeira República é marcada pela atuação impar do Barão do Rio Branco como Ministro das Relações Exteriores, fato esse que tende a ofuscar outros momentos importantes que marcaram as relações internacionais do país, tais como a decisão do governo brasileiro em contribuir com os esforços de guerra dos Aliados durante a Primeira Guerra Mundial. Wenceslau Braz, em seu primeiro pronunciamento como presidente da República ao Congresso Nacional, em 1915, reafirmou o compromisso de seu governo com a neutralidade no conflito internacional (BRAZ, 1915, p.8-9).

A Primeira Guerra Mundial, ocorrida de 1914 a 1918, foi o primeiro marco significativo na História do século XX. Mesmo com suas batalhas ocorrendo em sua maioria no território europeu, o conflito teve a participação de países como o Brasil, único país sul-americano a entrar na guerra. A entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial envolveu questões de interesses econômicos, políticos e também por ter uma relação de “dependência” comercial com os países europeus e o mercado norte-americano.

A literatura tradicional de política externa brasileira trata a entrada do país na Primeira Guerra Mundial a partir de três razões principais: a pressão da sociedade brasileira por respostas aos ataques a embarcações nacionais; a garantia dos interesses econômicos dos cafeicultores; e a manutenção da posição de prestigio da política externa brasileira no sistema internacional. O objetivo do post é abordar a partir do papel da mídia na decisão da política externa brasileira, destacando a necessidade do governo brasileiro em dar uma resposta à sociedade em relação aos ataques alemães as embarcações nacionais.

O Brasil conseguiu manter-se neutro até 1917, apesar das pressões exercidas pelos Estados Unidos e países europeus, como Reino Unido e França, com os quais o país mantinha estreita relações comerciais. Entretanto, em 1917, a pressão externa e fatores de origem interna, levaram o país sul-americano a escolher pelo lado da Entente na guerra.

Com o avanço do conflito, o país começou sentir as suas consequências, iniciando pela economia e posteriormente gerando insatisfação da sociedade. No âmbito econômico, os países beligerantes já não realizavam tantas compras de sacas de café como antes e o Brasil estava sofrendo com a diminuição da importação de manufaturados. Assim, ocorre a diminuição de arrecadação das vendas, os preços de manufaturados e dos combustíveis aumentaram e a sociedade sofria com essas oscilações econômicas.

Os problemas orçamentários foram alvo de explicações por parte do presidente Wenceslau Braz, em sua mensagem ao Congresso Nacional no ano de 1916:

Sí ainda é elevado o orçamento da despesa deste anno, deve ser o facto levado á conta da inclusão no orçamento das verbas para todos os serviços (o que anteriormente não se fazia) e do grande augmento do serviço de juros, determinado pelas emissões de títulos para a liquidação dos exercícios anteriores a 1915 e resgate da metade dos títulos-ouro tambem emittidos para os fins acima indicados. (BRAZ, 1916)

Um dos fatores determinantes para que a população dos grandes centros urbanos tomasse algum posicionamento quanto à causa aliada foi a forte influência europeia, principalmente francesa, e a atuação da imprensa fluminense, como propagandista de qual lado dos países beligerantes o Brasil deveria apoiar e formador da opinião pública.

A imprensa fluminense atuava como um “Quarto Poder” dentro da sociedade, tal expressão surge devido à existência dos outros três poderes inerentes à sociedade (Poder Legislativo, Executivo e Judiciário). As mídias foram atribuídas o poder de influenciar as decisões de eleitores, ajudar ou prejudicar os candidatos e influir na opinião pública em momentos decisivos. Na medida em que os procedimentos influenciam a percepção e a compreensão do público, provocando reações tanto de apoio ou estimulando a rejeição a determinadas propostas ou atividades políticas (CUNHA e FIGUEIRAS, 2012, p. 140).

Em março de 1915, foi fundada no Rio de Janeiro, a “Liga Brasileira pelos Aliados” (PIRES, 2011: 2012), uma associação que reunia entre seus membros importantes figuras do cenário político-cultural da capital federal, contava com o apoio das nações Aliadas, que por meio de cartas mantinham contato e enviavam correspondentes para auxiliar os membros da Liga. Essa tinha por objetivo apoiar a causa aliada no Brasil, atuou até o ano de 1919, quando foi dissolvida.

Essa Liga contava com a participação de importantes nomes da intelectualidade brasileira, como Rui Barbosa, Graça Aranha, Antônio Azeredo, Pedro Lessa, Olavo Bilac, entre outros. Como esses, em sua maioria, possuíam um acesso livre ou facilitado aos meios de comunicação, principalmente jornais, faziam circular com muita agilidade seus ideais e criticas aos não adeptos da causa aliada. Além disso, foram feitos festas e concertos com o intuito de arrecadar fundos para os soldados que estavam no front e contribuições para a Cruz Vermelha auxiliar os franceses, palestras gratuitas para a população foram ministradas por franceses, no qual, esses expunham as perversidades dos alemães.

O Jornal do Commércio e o Jornal do Brasil eram os dois principais jornais da capital e, segundo Lívia Pires (2012) ambos traziam boletins sobre manifestações e atividades desenvolvidas pela Liga. Além dessa função de alerta sobre o que acontecia dentro da Liga, a propaganda em favor dos aliados era um ponto chave nas publicações dos jornais fluminenses, ou seja, eles foram moldando a opinião pública com relação à guerra. Como disse Winston Churchill: “Não existe opinião pública, existe opinião publicada”. Essa citação se encaixa perfeitamente, pois de tanto que a população recebeu criticas negativas com relação aos alemães, noticias sobre a Guerra em curso, que esse virou assunto comum na sociedade brasileira.

Contudo a Liga também recebeu críticas, algumas publicadas no Jornal do Commércio, como respostas aos boletins. Essas críticas exaltavam o caráter contraditório entre a “Liga Brasileira pelos Aliados” e o posicionamento neutro do Brasil no conflito. Entretanto ela já tinha construído sua influência dentro da sociedade, a mesma chegou a fazer um documento e enviou ao Congresso Nacional, pedindo um maior controle na imigração e nas colônias alemãs existentes em território brasileiro.

No começo do ano de 1917, começou uma série de acontecimentos que culminaram na declaração do estado de guerra contra a Alemanha, satisfação por parte dos integrantes da Liga e da população, que a cada navio afundado cobrava uma postura mais agressiva do governo brasileiro. No dia 31 de Janeiro, o governo alemão notificou o Brasil, por meio de um representante em Berlim, do bloquei naval da Grã-Bretanha, França, Itália e Mediterrâneo Oriental, e que atuaria sem aviso prévio ou restrições, ou seja, qualquer navio que entrasse em território do bloqueio seria afundado.

Esse aviso alemão obrigou o presidente brasileiro a se pronunciar mais energicamente, como está registrado na Mensagem ao Congresso Nacional no ano de 1917 em que diz “Poucos dias depois notificamos ao Governo Allemão que o torpedeamento de navio brasileiro em qualquer mar e sob qualquer pretexto importaria na ruptura de nossas relações.” (BRAZ, 1917)

No início do mês de Abril, o paquete Paraná, que navegava perto da França em mar largo, foi torpedeado por um submarino alemão, que não prestou qualquer socorro às vítimas. Esse afundamento teve uma ampla repercussão na opinião pública brasileira, tanto que no dia 11 de Abril, o Brasil rompe suas relações comerciais e diplomáticas com a Alemanha. Mais dois navios brasileiros são afundados, o que leva o Brasil no dia 1° de Junho a revogar seu estado de neutralidade em relação aos países beligerantes.

Mais uma vez, o presidente Wenceslau Braz se vê forçado a reagir, dessa vez com uma medida mais radical e com total apoio da população, como deixa claro em outra parte da Mensagem ao Congresso Nacional no ano de 1917:

Dado o torpedeamento do vapor brasileiro “Paraná”, só esperamos que em inquérito regularmente feito fosse apurado o facto para declararmos, como declaramos a ruptura de relações com o Império Allemão. Diz-me a consciencia que nesta delicada conjuctura o Governo, sem precipitações e sem excessos, procurou cumprir leal e dignamente o seu dever; e as manifestações francas e inequívocas que recebeu da grande maioria da opinião nacional são uma eloquente demonstração de que a nação não lhe recusou o seu apoio e solidariedade. (BRAZ, 1917)

A declaração do estado de guerra contra a Alemanha ocorre após o torpedeamento e prisão do comandante de um vapor mercante, em 25 de Outubro do mesmo ano. O presidente Wenceslau Braz sancionou o reconhecimento do Brasil em estado de guerra, e assim o país foi o único sul-americano a entrar na Guerra.
 
Referências
BONOW, Stefan Chamorro. As Listas Negras e a Grande Guerra: Repercussões sobre Capital e Trabalho Germânicos em Porto Alegre. Revista Mundos do Trabalho. Vol. 2, n° 4. Santa Catarina, ago/dez 2010. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/download/1984-9222.2010v2n4p280/17237 > Acessado em 16 set. 2015.

BUENO, Clodoaldo. Política externa da Primeira República: os anos de apogeu (1902 a 1918). São Paulo: Paz e Terra, 2003.

CERVO, Amado; BUENO, Clodoaldo. História da política externa brasileira. 3.ed.amp. Brasília: UNB, 2010.

CUNHA, Isabel Ferin; FIGUEIRAS, Rita. Eleições e comunicação política nas democracias ocidentais. In: CIMJ (Org.). Pesquisa em Media e Jornalismo: Homenagem a Nelson Traquina. Portugal: Labcom, 2012. p. 140-157.

MENDONÇA, Valterian Braga. A experiência estratégica brasileira na Primeira Guerra Mundial, 1914-1918. Dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, UFF, Niterói, 2008, 137 p.

MOTTA, Márcia Maria. A Primeira Guerra Mundial. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (org). O século XX: o tempo das incertezas, da formação do capitalismo à Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 231-252.

PIRES, Lívia Claro. Pela nação e civilização: a Liga Brasileira pelos Aliados e o Brasil na Primeira Guerra Mundial. Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH-Rio. Rio de Janeiro, jul. 2012. Disponível em: < http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resource s/anais/15/1338430475_ARQUIVO_Texto.pdf > Acessado em 07 ago. 2013.

VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira. O Brasil e a Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1990.


Fontes

BRAZ, Wenceslau. Mensagem Presidencial apresentada ao Congresso Nacional em 1915. Disponível em: < http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/wenceslau-braz/mensagens-ao-congresso/mensagem-ao-congresso-nacional-na-abertura-da-primeira-sessao-da-nona-legislatura-1915 > Acessado em 07 de agosto de 2013.

BRAZ, Wenceslau. Mensagem Presidencial apresentada ao Congresso Nacional em 1916. Disponível em: < http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/wenceslau-braz/mensagens-ao-congresso/mensagem-ao-congresso-nacional-na-abertura-da-segunda-sessao-da-nona-legislatura-1916 > Acessado em 07 de agosto de 2013.

BRAZ, Wenceslau. Mensagem Presidencial apresentada ao Congresso Nacional em 1917. Disponível em: < http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/wenceslau-braz/mensagens-ao-congresso/mensagem-ao-congresso-nacional-na-abertura-da-terceira-sessao-da-nona-legislatura-1917 > Acessado em 07 de agosto de 2013.

BRAZ, Wenceslau. Mensagem Presidencial apresentada ao Congresso Nacional em 1918. Disponível em: < http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/wenceslau-braz/mensagens-ao-congresso/mensagem-ao-congresso-nacional-na-abertura-da-primeira-sessao-da-decima-legislatura-1918 > Acessado em 07 de agosto de 2013.

O IMPARCIAL. O café considerado contrabando de guerra!. N°892,Rio de Janeiro: 1915, pp. 2.

O IMPARCIAL. Importante nota dirigida pelo ministro plenipotenciário do Brasil na Inglaterra sir Edward Grey,sobre as restricções impostas pelo governo inglez ao commercio de café. N ° 907, Rio de Janeiro: 1915, pp. 4.

Jessika Cardoso de Medeiros é granduanda do curso de Defesa e  Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realiza pesquisas na área da Comunicação Social e Segurança Internacional.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353