Pan-Amazônia: riqueza, diversidade e desenvolvimento*
Por Bernardo Salgado Rodrigues
Os debates sobre a Amazônia brasileira e a Pan-Amazônia se iniciam no século XX e ainda demonstram contemporaneidade nos congressos, artigos e livros acadêmicos no Brasil, na América do Sul e no mundo. Com uma área que corresponde a 6% da superfície do planeta, possui 20% de toda a água doce vertida aos oceanos e a maior reserva de água doce do planeta (Aquífero Amazônia), recursos minerais (petróleo, gás, bauxita, nióbio, silvinita, casterita, entre outros), maior floresta tropical e biodiversidade do mundo e uma população de 40 milhões de habitantes com saberes locais ancestrais, e que no Brasil corresponde a 60% do território nacional (9 Estados), 71% do estoque de água doce, 70% das fronteiras brasileiras e 64% da bacia hidrográfica da Pan-Amazônia, essa região requer um modelo próprio de desenvolvimento e, atualmente, não possui o reconhecimento e atenção adequada condizente com sua importância geopolítica e para o desenvolvimento da América do Sul.
Esta revalorização da região é pautada, principalmente, pela sua posição geoestratégica e pelos recursos naturais estratégicos, ratificados pela diversidade/quantidade de reservas e para os futuros processos e ciclos científicos, tecnológicos e de inovação. Com a ascensão do que os estudiosos costumam denominar de 4ª Revolução Industrial, a Amazônia se apresenta como um dos principais pólos dessa nova etapa. Entretanto, há a necessidade de se investir em indústria de produção de conhecimento, parte substancial na próxima revolução industrial; a região deve estar preparada, investindo em conhecimento, em pesquisa e desenvolvimento, entendendo-se que a academia deve estar acoplada com a indústria e serviços, que possuem maior conhecimento do mercado e de suas demandas. Os centros de excelência e pesquisa Pan-Amazônicos (como o INPA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia[1], que atua profundamente ao longo de anos) e os projetos de integração regionais (como a OTCA, Organização do Tratado de Cooperação Amazônica[2]), devem ser valorizados, investidos e disseminados, a fim de que se tornem modelos de importância científica para compreensão e conservação ambiental, ensejem tecnologias de fins produtivos e de modo sustentável e promovam o desenvolvimento sustentável na Pan-Amazônia.
A mudança de foco principal para o desenvolvimento amazônico enseja o debate acerca do desenvolvimento sustentável – com o equilíbrio de pilares econômico, social e ambiental (e até mesmo cultural) – que busque o respeito aos condicionantes ecológicos e avanços na qualidade de vida da população local, visando a geração de riqueza em cooperação e integração de todos os países da Pan-Amazônia; ou até mesmo do ecodesenvolvimento, que considera as especificidades, a estrutura produtiva, a relação com a natureza, as relações sociais, o saber-fazer, a natureza do território, as motivações e as dificuldades e seus valores culturais; um desenvolvimento com base ambiental e no conhecimento local, como fundamento do controle endógeno do processo.
Entretanto, o ponto mais importante é a criação de um modelo próprio de desenvolvimento, que não existe no Brasil, na América do Sul e em nenhum lugar do mundo, um debate que deve ser Pan-Amazônico, um modelo de desenvolvimento que: 1 – abarque as tradições e saberes locais, com centros de estudos locais; 2 – tenha sentido preservacionista, em total sintonia com a prevenção do maior patrimônio; 3 – não seja um desenvolvimento do mercado, e sim uma política de Estado(s); 4 – seja fundado numa ciência própria, uma ciência de conhecimentos específicos da região, de energia, da biodiversidade, das ciências regionais, agregando de forma sustentável os recursos naturais presentes na região; 5 – modificação da forma com que os recursos naturais amazônicos são utilizados, repensando-os em bases sustentáveis, tanto em termos econômicos como ambientais; 6 – crie uma ciência amazônica, fundada na biotecnologia, nas questões da saúde; 7 – defenda as questões jurídicas sobre temas latentes na região amazônica, como a biotecnologia, direito ambiental e questão fundiária; 8 – almeje a segurança da Pan-Amazônia, a proteção e as implicações para a soberania regional. Assim, criar-se-ia um projeto de cooperação para o desenvolvimento em novas bases, comprometidas com a geração e uso do conhecimento e dos saberes locais correlacionados com processos fundamentados na ciência, tecnologia e inovação.
A valorização da Amazônia é diretamente proporcional ao aumento da importância dos recursos estratégicos para a economia global, cuja expansão de interesses estrangeiros na América do Sul é um determinante real e que se intensifica no século XXI. Esta expansão, analisada sob uma perspectiva crítica da geopolítica, do desenvolvimento e da integração, afim de que se possa pensar na construção de um modelo para a Pan-Amazônia com cooperação dos países amazônicos, pode vir a engendrar uma autonomia estratégica dos recursos naturais amazônicos como um dos pilares da política externa sul-americana, ensejando o fomento de um desenvolvimento soberano para a região através de um planejamento estratégico. Este debate envolve a soberania e integração sul-americana, cuja necessidade de trazer a Pan-Amazônia para as agendas nacionais e para a agenda regional é imprescindível.
*Este artigo foi fruto dos debates realizados no 3º Congresso Internacional do Centro Celso Furtado: Amazônia Brasileira e Pan-Amazônia: riqueza, diversidade e desenvolvimento humano, realizado em Manaus-AM, na Universidade Federal do Amazonas – UFAM, nos dias 15 e 16 de setembro.
[1] O INPA é o instituto de estudos científicos do meio físico e das condições de vida da região amazônica para promover o bem-estar humano e o desenvolvimento sócio-econômico regional, referência mundial em Biologia Tropical.
[2] A OTCA É O mais importante bloco socioambiental da região, fórum permanente de cooperação, intercâmbio e conhecimento, que busca promover o desenvolvimento sustentável com inclusão social e harmonia com a natureza. É um instrumento de cooperação Sul-Sul, focada nas oportunidades e desafios da região amazônica. Assim, a OTCA poderia ser uma das possibilidades mais concretas de realizar projetos de integração na região amazônica.