O pêndulo latino-americano de Polanyi
Por Bernardo Salgado Rodrigues
Em seu livro de 1944, “A Grande Transformação”[1], Karl Polanyi apontava para uma “regularidade variável” na história do capitalismo. Um duplo movimento pendular contraditório seria recorrente na organização da economia e da sociedade de mercado, um o “princípio do liberalismo” econômico, que propõe a globalização dos mercados através da defesa permanente do laissez faire e do livre comércio, e o outro o princípio da “autoproteção social”, uma reação defensiva em torno da defesa das “substâncias sociais ameaçadas pelos mercados” (FIORI, 2003)[2]. Assim, se teria o “pêndulo de Polanyi”, entre regulamentação e desregulamentação, entre a relação entre o Estado e o mercado, onde historicamente o pêndulo tende em certos momentos da história do capitalismo mais para o lado do liberalismo, outros mais para o lado do protecionismo.
Há uma constante disputa ideológico-dialética entre as forças do mercado e a sua resistência, no qual as disputas ocorrem tanto no âmbito nacional como global. Entretanto, de forma ainda mais acentuada se pode observar esse movimento contraditório na América Latina, no qual o exemplo mais recente consiste nas eleições presidenciais argentinas, podendo-se interpretar como uma movimentação do pêndulo em favor do mercado com a formação de um consenso de que a melhor alternativa é aumentar seu poder.
Há dez anos, ocorria o ato mais simbólico contrário ao liberalismo na região no século XXI, a refutação do projeto da ALCA em Mar del Plata, em 2005, no qual as lutas sociais antissistêmicas e anti-hegemônicas tiveram seu momento de ápice. Este ciclo do “pêndulo de autoproteção social”, no início da década de 2000, foi ancorado num crescimento econômico distributivo alavancado principalmente pelos altos preços internacionais de produtos primários oriundos da demanda chinesa. Entretanto, um novo ciclo se inicia de tendência neoliberal e mudança do pêndulo para o “princípio do liberalismo”, que possui suas sementes na região à procura de um elemento que intensifique seu poder de persuasão na América Latina: a Aliança do Pacífico[3], o TPP[4], o TISA[5][6], o TTIP[7], são os exemplos mais significativos e em discussão na atualidade. A vitoria do oposicionista Mauricio Macri nas eleições de 2015, por somente 3% dos votos, demonstra a intrínseca contradição e radicalização da sociedade argentina – e concomitantemente latino-americana.
O presidente argentino tomou posse no último dia 10/12, mas outros fatores no cenário latino-americano ratificam a tendência de modificação do “pêndulo”: os históricos governos pró-mercado de México e Colômbia; a mudança de postura do presidente Ollanta Humala no Peru (que se elegera a partir de um programa progressista que foi modificado ao longo de seu mandato); a retomada do Partido Colorado no Paraguai com Horacio Cartes após o golpe de Estado contra Fernando Lugo (cujo governo significava a interrupção de décadas do partido de direita no poder); as recentes eleições parlamentares na Venezuela, que significaram uma derrota para o chavismo e seu processo revolucionário, assim como uma vitória para a oposição (e desmistificando de vez a ideia de “ditadura bolivariana” através da aceitação do resultado eleitoral pelo próprio presidente, Nicolas Maduro); além das próprias tentativas de desestabilização democrática no Brasil através do acolhimento pela Câmera de um possível processo de impeachment da presidenta eleita, Dilma Rousseff, dentre outros.
Tomando como estudo de caso as eleições argentinas, a vitória eleitoral da direita tende a intensificar o liberalismo pró-mercado na região, uma vez que o presidente eleito defende maior abertura comercial e tratados bilaterais com União Europeia e Estados Unidos, ampara o pagamento dos Fundos Abutres[8], foi contrário as reestatizações promovidas pelo governo Cristina Kirchner e a favor da abertura de investimentos estrangeiros, no qual colocará um ex-executivo do JP Morgan e ex-presidente do Banco Central argentino (2002-2004), Alfonso Prat-Gay, como ministro da Economia e Finanças, além de diversos assessores econômicos pró-mercado[9]. É importante reafirmar um fato: é a primeira vitória eleitoral significativa da direita na América Latina desde 1999 e uma das raras vezes que um líder da direita liberal argentina chega ao poder pelas urnas em eleições livres.
Em termos de integração regional, a vitória de Macri sinaliza uma ruptura com as políticas externas progressistas sul-americanas, alinhadas em torno da Unasul e do Mercosul, pleiteando uma tentativa de suspensão da Venezuela do Mercosul alegando a cláusula democrática do Protocolo de Ushuaia – que vale frisar, necessita do consenso dos demais sócios – e questionando o regime de Nicolas Maduro em termas de política interna, o que significa uma violação da soberania nacional do pais venezuelano. Assim, promete uma virada de 180º na política externa, buscando retomar as relações com os Estados Unidos e a Europa como prioritárias, revisando a aproximação com a China e Rússia, países que Kirchner converteu em sócios estratégicos, assim como o Irã, o grande desafeto estadunidense no Oriente Médio. Outro tema bastante sensível será em relação às Ilhas Malvinas e qual a postura do novo presidente em relação a Inglaterra.
Em suma, demonstra duas tendências na região: de que o ciclo de governos progressistas de esquerda tende a se encerrar e um novo ciclo neoliberal de direita tende a se iniciar. Tomando como exemplo a Argentina em 2015, pode-se esperar que, assim como aconteceu no passado, tendo como exemplo o final da década de 80 e os tempos áureos do Consenso de Washington, o pêndulo latino-americano de Polanyi voltará a se mover, agora em favor do mercado. É papel das forças sociais opositoras uma reformulação e radicalização de seus ideais e projetos sociais, econômicos e culturais, buscando reduzir esse novo ciclo neoliberal e intensificando as transformações sociais rumo à equidade na região mais desigual do mundo.
[1] POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro, Elsevier Editora., 2011.
[2]FIORI, Jose Luis. O Duplo movimento. Carta Maior, 25/01/2003. Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Coluna/O-Duplo-movimento/20827
[3]https://alianzapacifico.net/#inicio
[4] https://ustr.gov/tpp/
[5]http://ec.europa.eu/trade/policy/in-focus/tisa/
[6]http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/tisa-a-pior-ameaca-aos-servicos-ja-vista-5750.html
[7]http://ec.europa.eu/trade/policy/in-focus/ttip/
[8]BURGUEÑOS, Carlos. Los buitres. Buenos Aires: Edhasa, 2014.
[9]http://internacional.elpais.com/internacional/2015/11/25/argentina/1448484896_491677.html