Sobre a falta de rumo – momento de questionamento e reflexão…
O mesmo tempo de hoje que passa apressado tem demandado momentos de reflexão mais aprofundada e demorada. Paradoxo.
O termo desilusão também é interessante, pois significa a não realização de uma ilusão. Iludidos sofrem desilusão. Descrentes não sofrem. Não projetam.
Pressa iludida ou desilusão aprofundada. A escolha é do freguês.
O sentimento confuso que hoje se chama “crise” é culpa de quase tudo, desde o preço do pão ao celular, ambos estratosféricos. Passa ainda pela gasolina, pelo furacão, pela violência… Ou seja, a famosa bengala, desculpa que chamaríamos de “esfarrapada”… Sabe aquele farrapo de pano, gasto e transparente, sem fios íntegros e com tramas que se desfazem ao toque… esse é o nosso cenário de crise…
Contraditório até.
Há crise ou ela é uma desculpa? As duas coisas. Sempre houve. Sempre haverá. Relembrem que o solucionar das crises numa história narrativa é o início do fim. Depois de tudo resolvido não pode ter história, não há mais graça ou interesse.
Ou seja, a crise não é o fim. A crise nem mesmo é o início. A nossa crise se parece muito com as novelas da maior emissora de televisão… É muito interessante, bem produzida, tem efeitos especiais, tem cobertura 24hrs, os atores são muito bem pagos, as tramas envolventes, a história bem escrita, todo mundo acompanha para saber o que vai acontecer, alguns torcem até para o vilão reproduzir a banana do Marco Aurélio… e é o que em geral acontece.
Sim, a crise tem complicações imediatas no nosso cotidiano, sobretudo na influência da razão. Dá medo. Medo da incerteza, da escassez, do futuro…
Os abastados têm medo de perder o lucro do investimento, ou seja, perder o que não existe, mas era certo existir… o famoso topo da cadeia rentista… de resto… não importa muito o resto…
O remediado e o pobre tem os mesmos medos, por motivações diferentes.
O primeiro tem medo de pagar mais imposto e diz não ter de volta em bens e serviços o valor pago. Não pergunte que serviços exatamente ele usa, pois não sabe. Luz, água, telefonia, internet, plano de saúde, cartório de registro de imóveis, creche, escola, transporte… tudo isso são serviços pagos ou concessões para setores privados. O ar continua público e gratuito… por enquanto.
O remediado tem medo do dólar inviabilizar a ida pela 13ª vez na Disney e, claro, fazer compras em Miami, que é muito mais barato!!!
O remediado reclama de pagar os direitos das empregadas domésticas e dão 5 vezes o FGTS delas em mesadas para seus filhos comerem no McDonalds.
O remediado reclama do bolsa família do PT, bradando que sustenta vagabundo, mas quando o PSDB reivindica que os auxílios dados são a unificação de pagamentos que já eram dados, batem palma.
O remediado reclama do governo e vota para cada esfera em um partido diferente.
O remediado não reflete. Não reflete porque “compra a comida pronta no supermercado”, ou seja, aceita o que ouve, vê e lê, sem fazer uma autocrítica, sem pensar na própria participação na sociedade que muitos preferem ver pelas costas. “Se pudesse, me mudaria desse país infernal”, eu escuto… Podem de fato… mas não percebo que estão se mudando… quem sabe essa não seja a hora…
O pobre tem medo do imposto também… de que se aumentar o imposto, o patrão pode não conseguir ganhar tanto dinheiro quanto gostaria e pode demiti-lo para perfazer o lucro pretendido.
Medo do dólar subir e a patroa ter que demiti-lo para ir a tal da 13ª vez para a Disney.
Medo de aumentar o preço dos alimentos, com isso do BigMac, e o patrão ter que demiti-lo para
conseguir dar o mesmo dinheiro para o filho lanchar.
Medo de aumentar a inflação, de reduzir o salário, de perder benefícios.
O pobre também tem reclamado do governo… do partido do governo… uma pena a memória não retroceder à década de noventa.
A necessidade do pobre é a mesma, juntar dinheiro para um plano de vida tal como o patrão. Com ele pensa-se em lazer, como a patroa. Com ele se dá de comer aos filhos, que agora podem também estudar e sonhar (por outras razões levadas a cabo pelo tal governo abominável). Em outras palavras, que poderão um dia consumir como o rico consome… o que parece ser o objetivo final…
Sim. Há um problema (há MUITOS, vocês me corrigirão) eu diria que o maior deles é a desigualdade. Não só de dinheiro/renda, como de oportunidade. Não só de razão, como de sentimento. Não só de sabedoria, como de reflexão.
A verdade, se houver, porém, é uma só. Ninguém ainda descobriu como, eficientemente, conduzir um processo reverso de saneamento das desigualdades. Ninguém ainda teve a coragem de enfrentar a fundo a causa. De levar a sério um programa de mobilização eficiente de recursos de forma completa. Não, desculpa, ninguém. Nem quem teve a oportunidade.
Economistas, sociólogos, historiadores, juristas e afins vão continuar século após século vendo seus lados do dodecaedro (moeda tem dois lados só… muito pouco)… talvez o mote seja continuar assim, talvez seja para isso que estamos aqui… outra coisa que ninguém conseguiu responder (os gregos ao menos se perguntavam).
Hoje a maioria das pessoas não pergunta mais… uma pena…
Sugestão gratuita 1: procure quem questione e questione criticamente… quem sabe surge uma resposta…
Sugestão gratuita 2: ler os ótimos artigos do livro “Brasil, sociedade em movimento”, recém- editado pelo Centro Celso Furtado, em comemoração aos 10 anos de atividades, e pela Paz e Terra.
(Não é um texto pessimista… o autor crê que é possível, claro que não sabe como, mas acha infame e hipócrita nos mantermos nas mesmas discussões acríticas)