Guerra e Paz na Teoria do Imperialismo

Por: Larissa Rosevics
A transição entre os séculos XIX e XX representa um momento decisivo para a construção da agenda de debate da Economia Política Internacional, da qual a Teoria do Imperialismo é parte fundamental. Isso se deve ao fato de que, as concepções teóricas desenvolvidas, principalmente pelos marxistas, em torno da problemática do Imperialismo têm, na expansão do poder econômico europeu associada à expansão do poder político, os elementos explicativos para as relações de conflito presentes no sistema interestatal e as contradições presentes no próprio capitalismo. Em relação ao Imperialismo, as teorias desenvolvidas se propõem a dar uma explicação econômica para o expansionismo europeu dos séculos XIX e XX e para as guerras imperialistas entre os Estados.
O termo ganhou popularidade com o livro “Imperialismo: um estudo” de 1902 escrito por John Hobson, um jornalista britânico contratado por um periódico inglês para cobrir a Segunda Guerra dos Bôeres na África do Sul. Impressionado com a brutalidade do conflito e com a crise econômica pela qual passava a Inglaterra, como as altas taxas de desemprego, Hobson desenvolveu o seguinte argumento: o Imperialismo seria uma consequência de ajustes desadequados dentro do sistema capitalista, no qual, uma minoria abastada poupa demasiado enquanto uma maioria empobrecida não dispõe de poder de compra suficiente para consumir todos os frutos da industrialização moderna. O “processo civilizador” que caberia aos europeus em relação à África e a Ásia, seria desviado pela luta entre Estados por territórios e mercado para a comercialização de mercadorias advindas dos países industrializados e/ou para a reprodução do capital excedente europeu. Hobson não baseou seu trabalho na teoria marxista para explicar o Imperialismo e sim na observação empírica da conjuntura histórica que viveu. Contudo, sua obra influenciou diferentes teóricos marxistas a debater sobre o fenômeno.
Marx e Engels também não sinalizaram em suas obras o intuito de desenvolver uma teoria explicativa das relações entre os Estados, nem do sistema interestatal capitalista (termo este cunhado muitas décadas depois de suas mortes). Em seus textos, o capitalismo é apresentado como um sistema econômico em fase de desenvolvimento, de caráter expansionista e universalizante, o que significa que o seu alcance tenderia ao nível global em que, paulatinamente todas as regiões do planeta seriam integradas ao sistema, as suas formas de reprodução e as relações de poder dele derivadas.
A história dos séculos XIX e XX demonstra que esse processo de expansão e universalização do capitalismo não se deu de maneira simples e pacifica. Teóricos marxistas como Rudolf Hilferding, Karl Kautski, Rosa de Luxemburgo, Nikolai Bukhárin e Lenin buscaram explicar esse movimento expansionista do capital e as guerras dele derivadas, através da conceituação do fenômeno do Imperialismo. Marcos del Roio distingue os teóricos marxistas do Imperialismo em dois grupos: aqueles considerados como “reformistas” e aqueles considerados “revolucionários”.
Segundo Roio, para os teóricos “reformistas”, como Rudolf Hilferding e Karl Kautski, o Imperialismo é entendido como um desvio, uma deformação temporária do processo de desenvolvimento do capitalismo, ocasionado pelo excesso de produção nos países capitalistas e pela escassez de demanda por produtos. Os argumentos de ambos os autores aproximam-se bastante daqueles desenvolvidos por Hobson, em que a busca por novos mercados para os produtos e para o capital excedente, bem como por condições monopolísticas de aquisição de manufaturas e de produção levaram os países europeus as disputas por territórios na Ásia e na África entre os séculos XIX e XX. Ou seja, entre as consequências presentes no Imperialismo estão as Guerras entre as potências europeias pelos espaços “não-capitalistas”.
Esses teóricos são chamados de “reformistas” porque eram defensores da paz e da organização do capital como condição necessária para que o capitalismo pudesse seguir seu curso “natural” e “civilizador”, incorporando novos territórios até que todas as economias nacionais se tornassem capitalistas e o processo de mudança para outro sistema econômico pudesse acontecer.
Os teóricos “revolucionários”, como Rosa de Luxemburgo, Nikolai Bukhárin e Lenin, trouxeram uma perspectiva diferente da problemática imperialista. Para eles, o Imperialismo, e os conflitos dele derivados, são elementos intrínsecos ao capitalismo, ou, como destacou Lenin, “uma fase superior do desenvolvimento capitalista” que poderia levar à revolução do proletariado.
Para Rosa de Luxemburgo, por exemplo, o Imperialismo era tido como o movimento de expressão política da acumulação do capital na sua luta por resíduos de espaços considerados como “não-capitalistas”. Estes espaços que ainda não haviam sido integrados ao capitalismo, forneciam condições de lucro que se tornavam cada vez mais difíceis de serem alcançadas na Europa: a dos lucros extraordinários causados pela exploração exclusiva/monopolística dos mercados. O Imperialismo moderno, originado segundo Lenin por volta de 1880 como uma fase do desenvolvimento do capitalismo, acirra as contradições inerentes ao próprio capitalismo e as relações entre capital e Estado, causando violência e guerra. O papel do Estado, inclusive, é fundamental, pois, além dele auxiliar na acumulação de capital no mercado interno, também promove, através das armas, a defesa dos interesses do capital no mercado internacional. Os teóricos “revolucionários”, portanto, defendiam a transformação das guerras imperialistas em guerras civis revolucionárias, em que seria promovida a ascensão do proletariado ao poder. A paz só poderia existir, de fato, quando o sistema capitalista fosse superado.
A Teoria do Imperialismo do início do século XX, como tantas outras teorias que envolvem as relações internacionais, é profundamente eurocentrada. Alguns teóricos, inclusive, destacam em seus textos o caráter “civilizador” do capitalismo, ao integrar o mundo num mesmo sistema econômico. A história demonstrou que essa integração não significou dar condições dignas de vida a essas populações.
Quase cem anos após a publicação de um dos livros mais influentes sobre o assunto, o “Imperialismo: fase suprema do capitalismo” escrito por Lenin em 1916, os europeus assistem, quase inertes, a entrada de milhares de imigrantes, em busca de refugio dos conflitos nos limites da Europa e de um welfare state que, construído às custas de muitos desses povos, esfacela-se dia após dia. Há muito mais consequências sobre a Guerra, a Paz e o Imperialismo do que os seus teóricos poderiam julgar.
Referências
DOUGHERTY, James; PFALTZGRAFF, Robert. Economia política internacional. In: _____________. Relações Internacionais: as teorias em confronto. Lisboa: Gradiva, 2003. p. 529-639.
FIORI, José Luis. Globalização, hegemonia e império. In: TAVARES, Maria da Conceição; FIORI, Joé Luis (org). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p.87-147.
LENIN, Vladmir. Os princípios do socialismo e da guerra. In: BRAILLARD, Philippe. Teoria das relações internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.p. 164-176.
LENIN, Vladmir. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Ed. Centauro, 2005.
ROIO, Marcos del. Uma nota sobre a teoria do imperialismo (1902-1916). Anais do IV Colóquio Internacional Marx Engels, Campinas, 2009. Disponível em: http://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%F5es/GT3/gt3m4c6.pdf. Acesso em 10 jun.2015.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353