A importância da Venezuela para o Mercosul

Por Bernardo Salgado Rodrigues

No dia 18/06/2015, um grupo de senadores brasileiros foi à Venezuela, a princípio, para realizar uma visita a supostos presos políticos de oposição ao presidente Nicolás Maduro. Os parlamentares tiveram dificuldades para deixar o aeroporto e foram cercados por manifestantes em Caracas, não conseguindo realizar sua “missão” inicial.
Apesar das inúmeras ressalvas e críticas construtivas que se possa realizar do governo Maduro na Venezuela, é relevante analisar que, diferentemente dos preceitos da diplomacia brasileira – que segue a tradicional postura de não-intervenção em assuntos internos de outros países – e desconsiderando a anormalidade do fato de um grupo de senadores viajarem a outro país para supostamente defender a democracia, o ato foi uma provocação diplomática e política, cujo objetivo maior começa a ser apresentado ao público: a exclusão da Venezuela do Mercosul, alegando que o país vizinho não cumpre a cláusula democrática que afirma o compromisso do bloco com a democracia. Assim que, o objetivo desse breve texto é analisar a importância da Venezuela para o bloco, para o Brasil e para a integração regional sul-americana.
A integração latino-americana não é somente uma política do Estado brasileiro; ela está presente no artigo 4 da Constituição de 1988 e constitui, portanto, um dos princípios das suas relações internacionais. Desde o Tratado de Assunção, em 1991, a opção da integração sul-americana pelo Mercosul foi constituída a fim de dinamizar a economia regional a partir de uma política comercial. A despeito dos contratempos e dificuldades que surgem em qualquer iniciativa de integração, seu aprofundamento e alargamento devem ser concomitantemente considerados.
A importância da Venezuela para o Mercosul se justifica em múltiplos termos. Com o ingresso do país caribenho, o PIB do Mercosul passa a somar cerca de US$2,3 trilhões, alcançando 80% do total da América do Sul; (SEVERO, 2013, p.584) em termos comerciais, a estimativa é que aumente o comércio intrabloco em cerca de 20% (SEVERO, 2013, p.597); em termos populacionais, os países-membros aumentam para 272 milhões, 70% do total da região. (SEVERO, 2013, p.584) O bloco se estabelece como um dos mais importantes produtores mundiais de energia, uma vez que a Venezuela possui 90% das reservas de petróleo da América do Sul, 24,7% das reservas da OPEP[1] e 17,7% das reservas mundiais[2]As políticas sociais venezuelanas, como a Gran Misión Vivienda[3], Mi Casa Bien Equipada[4]Barrio Adentro[5], dentre outros, podem servir de exemplo para os demais países, uma vez que ajudaram a diminuir o coeficiente Gini venezuelano de 0,498 em 1999 para 0,41, em 2012, e reduzindo o índice das pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza de 62,1% em 2003 para 31,9% em 2011[6]. Em termos geográficos, o país tem uma localização especial, mais inserida nos fluxos internacionais do comércio do Hemisfério Norte (SEVERO, 2013, p.584), além de ensejar a integração entre a Bacia Amazônica e a Bacia do Orinoco, integrando-as aos demais centros econômicos e políticos da América do Sul, o que “possibilitaria o desenvolvimento e a articulação produtiva e comercial à região sul-americana mais carente em energia, transporte e comunicação, e com enorme potencial de desenvolvimento no longo prazo.” (FIORI, PADULA, VATER; 2012).
Para o Brasil em particular, a importância da entrada da Venezuela se transmite claramente em termos comerciais. Entre 2000 e 2014, a balança comercial corrente entre os países teve um crescimento total de 179,07%, com crescimento médio anual de 7,08%, saindo de 2.080.578.145 para 5.806.257.483 de dólares[7]. 
Além disso, grande parte dos Estados brasileiros limítrofes ou geograficamente próximos a Venezuela declararam seu apoio à entrada venezuelana, uma vez que as relações diretas com o país vizinho “geram impactos tanto para a realidade nacional, quanto para a estadual e a local.” (KLEIMANN, 2010, p.87)
O fato de não constituir uma democracia (liberal), como alegaram os senadores brasileiros a fim de justificar a saída da Venezuela do Mercosul, não é o equivalente proporcional a um Estado não democrático; ao contrário, assegura o direito internacional de autodeterminação dos povos, de construírem seu autogoverno sem intervenções externas e determinando seu status político, inclusive, ratificado pelo Plebiscito Constitucional na Venezuela, em 2007.
O principal objetivo da integração sul-americana é o de promover o desenvolvimento econômico conjunto desses países; ratifica-se o termo conjunto, porque o Brasil não pode ser um país próspero em meio a um conjunto de países miseráveis ou, como coloca Guimarães (2010, p.19), “o Brasil não terá possibilidade de ter o desenvolvimento econômico, político e social de longo prazo, se for cercado por países com grandes dificuldades econômicas, políticas e sociais.”
Assim, a Venezuela não consiste um dos problemas do Mercosul, e sim um elemento agregador para a solução dos mesmos. Antes de pleitearem a exclusão do mais novo membro ao bloco, os senadores poderiam avaliar os verdadeiros problemas do Mercosul – não negando seus avanços – como: as assimetrias entre os países do grupo, tanto econômico-sociais como representativas; o intenso grau de pobreza, desigualdade e concentração de renda; a necessidade de fazer avançar o processo de construção de infraestrutura, imprescindível para ampliar o comércio da região; o fortalecimento da estrutura jurídico-institucional, assim como sua concertação política, um pacto para a preservação do respaldo das instituições e sua vitalidade; maior publicização, demonstrando as suas conquistas públicas; maior promoção e cooperação em termos sociais e culturais entre os Estados. Esses seriam as verdadeiras demandas que ensejariam a construção da solidariedade crítica em instrumento de luta no Mercosul.
Referências
FIORI, José Luís (coordenador), PADULA, Raphael, VATER, Maria Claudia. A projeção do Brasil na América do Sul e na Africa Subsaariana. Relatório de pesquisa para o CGEE, 15 de dezembro de 2012.
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Uma política externa para enfrentar as vulnerabilidades e disparidades. In: JAKOBSEN, Kjeld (Org.). A nova política externa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 13-24
KLEIMANN, Alberto. A ação internacional dos governos locais e a cooperação federativa. In: JAKOBSEN, Kjeld (Org.). A nova política externa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 79-95.
SEVERO, Luciano Wexell. A importância estratégica da Venezuela no Mercosul. In: GADELHA, Regina Maria A. F. Mercosul a Unasul – avanços do processo de integração. São Paulo: Educ, 2013. p. 573-606


[1]http://www.opec.org/opec_web/en/data_graphs/330.htm
[2]Fonte: BP statistical review of world energy 2014
[3]http://www.granmisionviviendavenezuela.gob.ve/
[4]http://www.bancodevenezuela.com/?bdv=link_personas&id=681
[5]http://www.fmba.gob.ve/
[6]http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2013/03/17/politica-social-do-governo-chavez-tem-casa-de-graca-e-pagamento-de-cirurgias.htm
[7] Fonte: AliceWeb

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353