Por Larissa Rosevics
Desde a redemocratização, no início dos anos 1990, há um número crescente de estudos sobre política externa que procuram demonstrar a presença de outros atores, além do Itamaraty, na formulação e execução da política externa brasileira. Para Leticia Pinheiro e Carlos Milani (2013), a perda gradual de autonomia do Itamaraty sobre a PEB acontece em um contexto de maior participação de outros Ministérios em negociações internacionais, movimento este acompanhado pela presença cada vez maior de funcionários do Itamaraty designados a atuar em outras agencias governamentais. Tais teses corroboram com a perspectiva contemporânea de que a política externa deve ser entendida como uma política pública, conforme o texto de Victor Tibau publicado aqui no Blog.
Um exemplo deste tipo de atuação ministerial está presente no Mercosul com as Reuniões Ministeriais, criadas ao longo das duas últimas décadas em diversas áreas com o objetivo de realizar negociações específicas que viabilizem o processo de integração regional vislumbrado pelos países do bloco.
Desde 1991 o Conselho Mercado Comum, órgão superior do bloco formado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia (ou seu equivalente nacional) dos países membros, aprovou a criação de dezesseis reuniões ministeriais, nas mais diferentes áreas, tais como: Educação, Justiça, Trabalho, Agricultura, Cultura, Saúde, Indústria, Turismo, Minas e Energia; Meio Ambiente e etc.
As Reuniões Ministeriais têm agendas de debate próprias, em que são discutidos os temas prioritários para cada área de atuação no âmbito do Mercosul. Algumas dessas reuniões já atingiram alto grau de complexidade e institucionalização, como é o caso da Reunião de Ministros da Educação, segunda reunião ministerial criada pela Decisão n.07/91 do CMC e que conta com uma estrutura orgânica, denominada de Setor Educacional do Mercosul, e com um fundo de convergência para financiamento de ações propostas pelo Setor (Pinheiro & Beshara, 2001). Outras reuniões ainda precisam avançar muito para que possam contribuir efetivamente para uma maior integração dos países do bloco.
Ao não se restringirem aos Ministérios das Relações Exteriores, as Reuniões Ministeriais do Mercosul promovem o diálogo entre os Governos dos Estados em diferentes áreas e podem contribuir para a elaboração de políticas públicas nacionais e regionais, voltadas para os problemas e para as necessidades regionais de desenvolvimento e de inserção internacional.
Contudo, o diálogo ministerial é orientado pelo tipo de integração regional vislumbrado pelos Governos dos Estados membros do bloco. A pesquisa das Reuniões Ministeriais do Mercosul deve ser orientada pelo contexto no qual as reuniões se processaram e pelas mudanças políticas e econômicas nacionais e regionais que às influenciaram ao longo do tempo. Nos seus mais de vinte anos, o Mercosul passou por diferentes fases, como apontado por Janina Onuki (2006) e Gerardo Caetano (2011), que afetaram, de alguma maneira, as suas reuniões ministeriais.
Aponto para duas hipóteses de pesquisa sobre as agendas de debate das Reuniões Ministeriais do Mercosul. A primeira hipótese é a de que, o predomínio da perspectiva neoliberal na década de 1990 restringiu as agendas a temas que envolvessem harmonização de legislações, a desregulamentação econômica e abertura comercial. A segunda hipótese é a de que, com a revisão no projeto de integração do Mercosul, a partir do ano 2000, ampliaram-se as possibilidades de diálogo entre os Ministérios, enriquecendo as agendas de debate das Reuniões Ministeriais, bem como as atuações.
O estudo das Reuniões Ministeriais do Mercosul e de suas agendas de debate é um campo profícuo para pesquisas a espera de pesquisadores interessados em compreender a política externa contemporânea e a integração regional atual.
Referências
CAETANO, Gerardo. Breve historia del MERCOSUR em sus 20 años. Coyunturas e instituiciones (1991-2011). In: __________ (org.). MERCOSUR 20 años. Montevidéu: CEFIR, 2011. p.21-71.
MILANI, Carlos R.S.; PINHEIRO, Leticia. Política externa brasileira: os desafios de sua caracterização como política pública. Contexto Internacional, vol.35, n.1, p.11-41, Rio de Janeiro, jan/jun 2013.
ONUKI, Janina. O Brasil e a construção do MERCOSUL. In: ALTEMANI, Henrique; LESSA, Antônio Carlos (orgs.). Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2006. (vol.1) p.299-320.
PINHEIRO, Leticia; BESHARA, Gregory. Política externa e educação: confluências e perspectivas no marco da integração regional. In: PINHEIRO, Leticia; MILANI, Carlos R.S. (org.). Política Externa Brasileira: a política das práticas e as práticas da política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011. p.149-180.