Porque Malvinas e não Falklands: geopolítica e soberania sul-americana

Autor convidado: Bernardo Salgado Rodrigues

No último dia 02 de abril completaram-se 33 anos da Guerra das Malvinas entre a Argentina e a Grã-

Bretanha. Ainda que o ponto de partida tenha sido a ocupação ilegal do território pelos britânicos em 1833 – quando quebraram a integridade territorial argentina, ocupando e desalojando ilegalmente as autoridades argentinas da Ilha nos marcos da sua expansão marítima e imperialista – o imbróglio se prolonga até a atualidade.
A Organização das Nações Unidas, em 1960, qualificou a ocupação como um caso colonial especial [i], instituindo um Comitê de Descolonização com o objetivo de impulsionar o processo de independência de territórios sujeitos à exploração colonial. O Comitê elaborou uma lista de territórios não-autônomos que incluía as Ilhas Malvinas [ii], mas a Argentina e o Reino Unido mantêm suas reivindicações sobre a ilha [iii].
Os britânicos são os responsáveis pelas relações internacionais da ilha e, dada a sua atual condição, as Malvinas estão elencadas como território ultramarino da União Europeia. Para o Reino Unido, baseando-se no direito à autodeterminação, um dos princípios da Carta das Nações Unidas, não há um problema a ser resolvido, pois não há vontade de alteração da gestão atual por parte dos ilhéus. Certamente está no horizonte britânico a permanência por quase dois século no governo da ilha (desde 1833), sem tais clamores. Como parte desse processo de disputa, em março de 2013, foi realizado um referendo sobre a questão e a possibilidade de alteração de seu domínio, mas quase a totalidade dos votos (99,8%) foram a favor da manutenção da presença britânica. [Wiki]
A despeito do pleito perdido, a Argentina não reconheceu a validade do referendo e mantém o seu não reconhecimento das “Falkland” como parceira em negociações. Duas alegações estão no cerne da reclamação. A primeira, claro, é que a região fora adquirida da Espanha em 1816 quando da proclamação da independência argentina.. A segunda é que o governo britânico do arquipélago, mesmo desde 1833, está baseado em uma ocupação ilegal, que acarretou, com ameaça do uso de força militar, a expulsão da administração argentina, das autoridades e dos colonos, com a determinação de que não mais retornassem. Esse clamor argentino pela soberania da ilha foi pacífico e baseado no direito internacional, das alegações da ONU e de seu Comitê de Descolonização até abril de 1982, quando decidiu entrar na ilha dando início à guerra, no qual o dia 3/4/82 marca o auge do esforço do país e a troca das bandeiras. A reação viria, entretanto, ao final do mês com ataques que se estenderam até 14 de junho daquele ano e fizeram os ingleses reocupá-la. [Wiki]
No tocante a América do Sul, a região é uma zona pacífica, no qual uma força extra-regional com uma presença militar, como é o caso das Malvinas – que possui um soldado para cada 2,5 civis [iv] – apresenta-se como um ponto crítico para a estabilidade regional. O apoio dos países da região a demanda argentina é reiterado pelo constante amparo da Unasul em relação a reivindicação argentina e pela CELAC em sua II Cúpula, na Declaração de Havana, em 2014. Os países do Mercosul decidiram bloquear a entrada em seus portos de navios com bandeira das ilhas Falkland, e a Argentina tenta impedir, em negociações com o Chile, a saída do único voo da LAN Chile que liga as Malvinas ao continente americano [v].
Geopoliticamente, o conflito apresenta todas as características de uma guerra de descolonização e antiimperialista. Situadas a 480 km da costa argentina e a 14 mil km do Reino Unido, as Ilhas são consideradas prolongamento do território da Argentina, que desde a conquista de sua independência reclama a soberania sobre elas, jamais aceitando a ocupação britânica. Ou seja, este enclave colonial na América do Sul é justificado não somente pela autodeterminação do povo de menor densidade demográfica do mundo, de um lado, e o direito à soberania e descolonização argentina, de outro; agregam-se, ademais, cinco razões geopolíticas:
1. Contra os resquícios imperialistas ainda presentes na América do Sul, como as bases militares na Colômbia, o território ultramarino da Guiana Francesa e a base da OTAN nas Ilhas Malvinas – contando ainda o fato da relativa inércia da ONU no caso das Malvinas sendo justificada, em parte, pela condição do Reino Unido de membro permanente do Conselho de Segurança, com direito de veto – no qual esses postos geopolíticos aparentemente desconexos apontam para toda a América do Sul e seu projeto de integração regional;
2. Ilha como ponta de lança dos interesses internacionais britânicos e de parceiros no Cone Sul, utilizando-a como justificativa britânica para investimento em gastos militares na região, inclusive com a realização de manobras militares [vi], no qual a Grã-Bretanha vai gastar £ 280 milhões nos próximos dez anos para reforçar a defesa das Ilhas [vii];
3. Base de acesso ultramarino europeu no Atlântico Sul, cuja localização a somente 300 milhas (cerca de 483 Km) do Estreito de Magalhães correspondem a uma zona estratégica em termos de circulação marítima dos ingleses, seja pelo Atlântico Sul, Pacífico Sul e Oceano Índico. Nesta discussão está situado o problema da interposição, e consequente falta de entendimento, entre a fronteira marítima argentina e as águas territoriais “britânicas”, que levam em conta a Convenção do Direito do Mar, da ONU, com sua determinação de jurisdição na distancia de 370 Km das costas.
4. Proximidade geográfica com a Antártica, onde a sua disputa territorial e a guerra de matérias-primas estratégicas tende a se acentuar nos próximos anos, uma vez que existem provadas e abundantes reservas de petróleo e de gás, assim como uma enorme riqueza mineral e ictícola. (GULLO, 2014, p.185) e;
5. Recursos naturais e biodiversidade existentes na ilha, no qual alguns estudiosos acreditam que a região pode ter aproximadamente 18 bilhões de barris de petróleo (KLARE, 2012, p.63), onde as empresas britânicas Desire Petroleum e Rockhopper Exploration realizaram prospecções geológicas promissoras na região. (KLARE, 2012, p.65) Assim, a decisão do governo britânico de explorar petróleo e gás nas Ilhas Malvinas reavive tensões entre ambos países.
A posição britânica respalda-se na lógica do imperialismo e do colonialismo. As Malvinas pertencem à Argentina e sua reivindicação é um marco de soberania não somente para os argentinos, mas para todos os sul-americanos.
 
 
Referências
KLARE, Michael. The race for what’s left: The global scramble for the world’s last resources. New York: Picador, 2012.
GULLO, Marcelo. A insubordinação fundadora: Breve história da construção do poder pelas nações. Florianópolis: Insular, 2014.
Wikipédia: Ilhas Malvinas / Guerra das Malvinas
 

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353