Dead Aid #1 – Dando o peixe

Por Julia Monteath de França

Nascida e crescida em Lusaka, Zambia, Dambisa Moyo teve a oportunidade que é pouco comum e ainda menos aproveitada de sair de seu país para dar continuidade aos seus estudos nos Estados Unidos e na Inglaterra. Possui M.B.A. da American University, em Washington D.C., e M.P.A. da Kennedy School of Government, em Harvard. Já o doutorado (D.Phil.) em Economia foi feito em Oxford, na St. Antony’s College, sob orientação de Paul Collier. Além do notável currículo acadêmico, Moyo trabalhou para duas grandes instituições econômicas de nosso tempo: Banco Mundial e Goldman Sachs, como consultora.

Apesar da trajetória mainstream, por assim dizer, Moyo defende em seu livro Dead Aid – Why Aid is Not Working and How There is a Better Way For Africa uma tese pouco ortodoxa [1]. Em poucas palavras ela afirma que a ajuda internacional enviada à África nos últimos sessenta anos, pelo menos, não apenas não solucionou os problemas do continente, como, na realidade, é parte significativa das causas desses problemas.
O livro está dividido em duas partes, a apresentação aqui no blog, seguirá a mesma divisão.
Parte I:
Segundo Moyo, existe uma cultura de obrigação moral assumida pelos países do ocidente para ajudar a África, intensificada com o fim do período colonial. Ela esclarece que diferencia três tipos de ajuda internacional: (i) ajuda humanitária ou emergencial – conhecido por todos, comumente se tratam de respostas a catástrofes humanas e ambientais; (ii) ajuda baseada na caridade – aquela em que pessoas e/ou organizações encaminham montantes, normalmente voltados para uma causa específica (por exemplo, levar meninas a escolas ou enviar uma quantidade determinada de medicamento a áreas com alta incidência de certas doenças) [2]; e (iii)  ajuda internacional entre governos – configuram transferências internacionais entre governos, seja a partir de uma configuração bilateral ou multilateral, diretamente ou através de instituições financeiras. A ajuda foco de sua análise é a terceira [3], que movimenta a maior parte de todo o montante direcionado à África: nos últimos sessenta anos, a África recebeu mais de 1 trilhão de dólares desse tipo de ajuda e, segundo ela, nada melhorou. De fato, argumenta ela, ao se debruçar sobre determinados aspectos econômicos, até piorou [4].
Para explicar os diversos motivos pelos quais a ajuda internacional fracassou em cumprir suas promessas originais, ela retoma a própria origem desse modelo, em meados do século XX, quando alguns economistas preocupados com o processo de crescimento identificaram a seguinte relação causal (bastante simplificada): a poupança atrairia o investimento que, por sua vez, impulsionaria o crescimento.
Neste momento, muitos países subdesenvolvidos de maneira geral e os países africanos de maneira especial se encontravam em fase inicial do processo de desenvolvimento, muitos dos quais ainda dando os primeiros passos para se desfazer de seus laos coloniais. O argumento dos economistas para estes países era de que eles, por ainda serem muito pobres, não tinham a poupança necessária para atrair o investimento que os levaria ao crescimento econômico. Logo, encontraram na ajuda internacional uma ferramenta para substituir fazer o papel dessa poupança. Assim, a sequência lógica para esses países passaria a ser: ajuda internacional, investimento, crescimento. E, não apenas, este crescimento traria, enfim, a redução da pobreza.
Moyo segue apresentando como nas décadas subsequentes, a obrigação moral continuou e, mesmo que a ajuda ganhasse outras roupagens e justificativas teóricas por não apresentar os resultados esperados, a prática da transferência de dinheiro para os países africanos se manteve, assim como se mantém até os dias de hoje.
Acontece que, como se sabe, a alavanca do crescimento e do desenvolvimento não chegou ao continente até hoje, com a exceção de alguns países pontuais e de certos momentos de otimismo. Até hoje, os indicadores econômicos e sociais do continente são alarmantes. Ainda mais preocupante é a dificuldade que os países têm de achar uma estratégia de desenvolvimento, que não seja dependente da ajuda internacional.
Ela argumenta que esse modelo levou a uma dependência da ajuda internacional por parte dos países africano, muito pela posição confortável dos governos, recebendo dinheiro sem ter que apresentar nada em contrapartida e sem nenhuma obrigação de transparência em relação à utilização desses recursos. Esse ambiente favoreceu as práticas de corrupção e passou a funcionar como um ciclo vicioso retroalimentado.
Em poucas palavras, o argumento de Moyo é que os governos africanos ficaram mal acostumados, por assim dizer, com esse fluxo permanente de entrada de divisas, e se esforçaram pouco para buscar alternativas que os tornassem independentes dessa renda e, mais ainda, que engatasse o início do processo de crescimento e desenvolvimento. É a velha história da diferença entre dar o peixe…
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Notas:
[1] Tese esta que, por exemplo, Bill Gates discorda.
[2] Sobre esta categoria de ajuda ela chama atenção que pode ajudar a resolver uma questão pontual, mas não ajuda o país a se desenvolver.
[3] Para facilitar, será tratada aqui como ajuda internacional.
[4] Por exemplo, o número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza aumentou. Fonte: Banco Mundial.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353