O que os candidatos à presidência programaram para a área internacional? Parte 3

Volume 1 | Número 4 | Set. 2014
Por: Glauber Cardoso Carvalho e Larissa Rosevics
Caros leitores, no início de nossa empreitada, havíamos prometido que faríamos 3 posts sobre os Programas de Governo dos candidatos melhores colocados na campanha presidencial brasileira (Aécio Neves, Dilma Rousseff e Marina Silva). No entanto, a riqueza de informações encontradas nos fez repensar o número de postagens e, por receio de deixar nossos textos longos demais ou acabar suprimindo alguma questão importante, resolvemos ampliar a quantidade de posts. Esta semana, trataremos das propostas dos candidatos para as relações com os EUA, Europa e Japão. Na próxima semana, trabalharemos como serão conduzidas as relações com o Sul do Mundo e no dia 03 de outubro, as vésperas da eleição, abordaremos como se dará o relacionamento do país no âmbito multilateral e de governança global.Para relembrar algumas características principais que rondam os programas. A coligação do PSDB tem por base o retorno a uma situação anterior da política e da economia brasileira, que em sua visão seria mais adequada, ou como dissemos uma nova “correção de rumos”, parafraseando os professores Cervo e Bueno. Para a coligação do PT importa mais a defesa do que já aconteceu do que a explicação do que pode vir a acontecer. O plano destes traçam linhas gerais, sem uma preocupação maior em aprofundar algumas questões. No plano da coligação do PSB há a incorporação do discurso do “novo”, inserido, porém, em velhas fórmulas, mas há também uma explicação mais prolongada de cada item, ainda que pouco se some em termos de atitudes concretas.

Voltamos também a lembrar aos interessados na leitura dos Programas aqui referidos, que acessem o site do TSE, no qual se encontram todos os dados da disputa eleitoral e os Programas de Governo de todos os candidatos, ou ainda o site oficial das campanhas.

Relações com EUA, Europa e Japão

Uma das principais preocupações do Governo Lula da Silva em relação ao comércio exterior brasileiro foi encontrar meios para diminuir a vulnerabilidade comercial do país às possíveis crises econômicas do sistema internacional. Naquele momento, o principal destino das exportações brasileiras (em volume e valores) eram os EUA, país com o qual o Brasil e seus vizinhos vinham tendo atritos por conta do projeto ALCA.

Seguindo a lógica de que não se devem colocar todos os ovos na mesma cesta, ao longo de seu governo, a política externa de Lula da Silva buscou diversificar os parceiros econômicos do país, procurando novos mercados consumidores, principalmente entre os países emergentes e em desenvolvimento. A estratégia ocorreu em um momento de grande expansão da economia chinesa o que tornou a China o principal país consumidor de bens primários brasileiros em 2009, seguida dos EUA e da Argentina, principal país consumidor de manufaturas nacionais.

Hoje é inegável a importância tanto da China para a economia brasileira, quanto do projeto de diversificação de parceiros econômicos. Quanto maior a relação do Brasil com um determinado parceiro econômico, maior a sua vulnerabilidade em caso de mudança de estratégia do mesmo ou de crise sistêmica. Dentro dessa lógica, as questões que se impõem aos programas são: Qual a posição e o foco dos candidatos sobre a busca por novas parcerias comerciais? Seria no mundo emergente e em desenvolvimento ou entre as grandes potências internacionais?

Começaremos com o que cada programa planeja para o relacionamento com as grandes potências, para na próxima semana analisaremos o que eles pensam sobre as relações com o Sul do Mundo:

Aécio Neves:

“Reavaliação das prioridades estratégicas à luz das transformações do cenário internacional no século XXI. Devem merecer atenção especial a Ásia, em função de seu peso crescente, os EUA e outros países desenvolvidos, pelo acesso à inovação e tecnologia, ao mesmo tempo em que deverá ser ampliada e diversificada a relação com os países em desenvolvimento.”

 “Conclusão das negociações comerciais, em curso, com a União Européia, sendo o bloco o principal mercado para as exportações brasileiras. Além disso, lançaremos as bases para um acordo preferencial com os Estados Unidos, mercado tradicionalmente relevante para as exportações de manufaturados brasileiros.”

O foco de Aécio é claro: é preciso “retomar as relações com as grandes potências. Ao entender que o momento atual é de volta do crescimento da Europa e dos EUA, o projeto de Aécio prevê o reestabelecimento das negociações do Mercosul com o bloco europeu, bem como a busca por acordos preferenciais com os norte-americanos.

Há algumas implicações nesta estratégia. A primeira é que as negociações entre os dois blocos regionais (Mercosul e UE) precisam avançar em relação a questão agrícola, caso contrário, os acordos comerciais que delas surgirem não serão economicamente vantajosos para os países sul-americanos. Essas negociações abrirão invariavelmente o caminho para a retomada das negociações comerciais com os EUA.

Durante o governo FHC, um dos principais instrumentos de negociação da ALCA foi o Mercosul. A dúvida em relação a Aécio é se ele seguirá o modelo de negociação em bloco com os norte-americanos, ou se abrirá mão do Mercosul em prol de acordos preferenciais bilaterais.

Finalmente, a coligação de Aécio não pareceu muito preocupada com a revisão e manteve a grafia antiga da União “Européia” com acento, talvez para se manter na demonstração do “retorno” às origens (esquecendo que o acordo ortográfico é de 1990).

Dilma Rousseff

“[…] é de grande relevância nosso relacionamento com os Estados Unidos, por sua importância econômica, política científica e tecnológica, sem falar no volume de nosso comércio bilateral. Critério semelhante é válido para nossas relações com a União Europeia e com o Japão.”

No programa de Dilma não há nenhum indicativo de mudança no relacionamento do Brasil com as grandes potências. Sua política externa aponta para a continuidade nas relações “sadias” e “equilibradas” com Estados Unidos, Japão e União Europeia, sem apresentar interesse e/ou inovação para as negociações comerciais. A prioridade do governo de Dilma seguirá sendo as relações Sul-Sul, especialmente com a América do Sul e com os países do Brics, como será observado no item seguinte.
Marina Silva

“Os Estados Unidos dão sinais de reativação de sua capacidade produtiva, reorientando gradualmente a matriz energética. […] Afastado o risco de colapso de sua franja mediterrânea, a União Europeia vê-se defrontada com o árduo desafio da integração fiscal. O Japão persiste na busca de fórmulas para romper uma década e meia de estagnação com vultosos pacotes de estímulo à atividade produtiva à custa de desvalorização do iene.”

“As relações com os Estados Unidos carecem de atualização. Sofreu queda nossa participação relativa no mercado norte-americano, que tem sido, ao lado da América Latina, um dos principais destinos das manufaturas brasileiras. O desafio de reverter essa tendência cresce em importância com a reativação em curso do consumo e da produção nos EUA”

“É também largo o potencial para o adensamento da relação estratégica com a União Europeia. Precisamos resolver as pendências para a formalização do acordo de associação com o Mercosul.”

A crença na retomada do crescimento do Ocidente (e do Japão) vem acompanhada no programa de Marina Silva pelo descrédito nos países emergentes (como será visto na próxima semana). A saída encontrada para o crescimento brasileiro é a mesma apresentada pelo PSDB: retomar as relações com EUA, União Europeia e Japão.

Os programas dos dois candidatos de oposição são muito próximos quanto ao foco centrado nas grande potências, porém, a dúvida que paira em relação às negociações comerciais (em bloco ou individuais) de Aécio se dissipa  Marina. Em um texto contraditório e passível de muitas críticas, o programa do PSB destaca a necessidade de avanços nas negociações entre UE e Mercosul, ao mesmo tempo que desacredita a clausula mercosulina que impõe ao Brasil negociar acordos comerciais em bloco, abrindo espaço para negociações bilaterais do país, com é possível observar a seguir:

“A exigência de negociação conjunta − em bloco − consta apenas de uma resolução do Conselho de Ministros de Relações Exteriores, não sujeita a ratificação pelos parlamentos nacionais e, dessa forma, passível de pronta revogação. A negociação em ‘dupla velocidade’ − que permite a um país fechar acordo num cronograma distinto do bloco − não é vedada pelo Tratado de Assunção nem pelos acordos posteriores”

Como aponta o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em entrevista a Carta Maior (06/09/2014), o programa de Marina pode levar ao desmantelamento definitivo do Mercosul.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353