O papel da História nas Relações Internacionais – considerações sobre a dialética da duração braudeliana.
Volume 1 | Número 4 | Set. 2014
Por Janaína Brás
Disse que os modelos eram de duração variável: valem o tempo que vale a realidade que eles registram. E esse tempo, para o observador do social, é primordial, porque, mais significativos ainda que as estruturas profundas da vida, são seus pontos de ruptura, sua brusca ou lenta deterioração sob o efeito de pressões contraditórias[1].
Quando, em 1958, escreveu História e ciências sociais. A longa duração[2], Fernand Braudel[3] refletiu sobre angústias persistentes também entre pesquisadores das Relações Internacionais: Como indivíduo e sociedade se relacionam na construção da história? Quem é mestre dos rumos do mundo, a agência individual ou as tendências de longo prazo? Se atores e eventos são capazes de transformar as tendências históricas, como explicar as mentalidades centenárias, as grandes civilizações, a recorrência de guerras, territórios fechados e desigualdades sociais na história mundial? Se as tendências históricas têm mais força do que a agência individual, então de onde surgem as mudanças nos caminhos internacionais?
Em torno dessas questões, muito já se escreveu sobre a natureza humana, a natureza da história, as estruturas permanentes do sistema internacional e a capacidade de construção dos indivíduos. Dentro e fora da academia, o homem está às voltas com a dúvida inerente a todo aquele que se questiona sobre a sociedade atual: Mas, afinal, na história dos homens e dos movimentos globais do capitalismo, qual o papel dos indivíduos? O analista internacional tem diante de si essa pergunta sempre quando se lança na empreitada da investigação de conjuntura. Por detrás das várias linhas teóricas das RI, está a escolha de uma resposta para ela. E é a solução que aprendeu a dar ao dilema que determina quais eventos a análise destaca, quais atores cita, de onde começa a perscrutar o objeto de estudo.
Braudel, no que compete ao exercício do historiador, apontou como trilha a dialética da duração[4]. Nem tanto ao céu nem tanto ao mar, poderia dizer. Embora seja inegável o peso dos movimentos de longo prazo, o tempo está no coração dos problemas da história, e o tempo é o campo das mudanças. “Alcançá-las-ia [as profundezas da história] ainda melhor se a ampulheta fosse inclinada nos dois sentidos – do evento para a estrutura, depois das estruturas e modelos para o evento”[5]. E, no entanto, ele próprio teve dificuldades em manter a arte desse equilíbrio. Embora o historiador busque identificar rupturas e aspectos inéditos nas conjunturas estudadas, ele disse, sempre se depara com continuidades muito mais perenes do que as revoluções e do que as ações individuais[6].
Mas é preciso evitar jogar fora o bebê junto com a água suja. A provocação feita pela dialética da duração permanece pertinente e elementar. O predomínio da longue durée sobre os eventos é como uma névoa diante dos olhos de quem procura compreender as mudanças possíveis dentro dos arranjos internacionais. Seu reinado é excelente narrador dos fatos acontecidos, mas mal conselheiro daqueles que trabalham pela normatização de relações globais mais íntegras e menos desiguais. Ainda quando se trata de analisar o mundo, amenizar os câmbios constantes em favor das repetições é também um ato político de conivência. Beneficia a multiplicação de referências voltadas para a estagnação histórica e subestima a capacidade humana de transformação.
Referências
[2] Ibid, pp. 41-78.
[3] Historiador francês cujo artigo, que procurou definir o papel da história frente às ciências sociais, foi publicado pela revista dos Annales, na seção Debates e combates. Marcou assim a tomada de consciência da historiografia francesa em relação à virada estruturalista das ciências. Lévi-Strauss, o pai da antropologia estrutural, foi o interlocutor máximo do texto, e o adversário imediato à ambição de forjar para a história a liderança sobre as demais ciências humanas.
[4] Ibid.
[5] Ibid, p. 75.
[6] Ibid, pp. 41-78.
Janaína Pinto é graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, UFC, mestranda em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, e pesquisadora em Planejamento Urbano no projeto Megaeventos, uma parceria entre a Universidade Federal Fluminense, UFF, e a UFRJ. Contato: janaina.pinto@pepi.ie.ufrj.br.
Como citar:PINTO, Janaína. O papel da História nas Relações Internacionais – considerações sobre a dialética da duração braudeliana. Diálogos Internacionais, vol.1, n.4, set.2014. Disponível em:https://dialogosinternacionais.com.br/?p=1820(abrir em uma nova aba)