O que os candidatos à presidência programaram para a área internacional? Parte 4

Volume 1 | Número 4 | Set. 2014
Por: Glauber Cardoso Carvalho e Larissa Rosevics

Dando sequência ao post da sexta passada, nesta semana trataremos de outro tema importante para política externa brasileira: como serão conduzidas as relações com o Sul do Mundo, incluindo, claro, a China. Lembramos que os posts se baseiam exclusivamente na análise dos programas de governo dos candidatos melhores colocados na campanha presidencial brasileira, Aécio Neves (Coligação Muda Brasil), Dilma Rousseff (Coligação Com a Força do Povo) e Marina Silva (Unidos pelo Brasil), ou seja, não estamos considerando as múltiplas mudanças de discurso ou ainda o debate sobre PEB que estamos (ou não) assistindo.

Na próxima semana teremos o último post da série “Fazendo o dever de casa #5: o que os candidatos à presidência programaram para a área internacional?”, que tratará do Multilateralismo e da Governança Global (na sexta) e, finalmente, as eleições (no domingo) que prometem 2º turno. Quem sabe os candidatos debatam de forma concreta, nesse momento, o caminho que o Brasil quer para suas relações internacionais, pois, até agora, não parecem que eles fizeram o dever completo.

Relações com o Sul do Mundo

Aécio Neves:

“Reavaliação das prioridades estratégicas e atenção ampliada no que tange à China. A emergência desse país trouxe profundas transformações para a economia global e tem impactado, através do comércio e do investimento, a economia brasileira, suas exportações e sua competitividade.” – Item Comércio Exterior

“Reavaliação das prioridades estratégicas à luz das transformações do cenário internacional no século XXI. Devem merecer atenção especial a Ásia, em função de seu peso crescente […]” – Item Política Externa

“Fortalecimento da ação cultural internacional do Brasil, em especial frente aos países de língua portuguesa, mas também com programas especiais em relação à África e América Latina, reforçando o diálogo com nossas raízes.” – Item Cultura

Novamente “re” aparece nos três pontos distintos da programação de Aécio. Sendo ponto comum a citação à China, deixa embutida a crítica da “reavaliação das prioridades” do comércio exterior, na qual se queixa a oposição atual do não acordo com a Aliança do Pacífico. Continua avaliando o impacto da China sem concluir se é positivo ou negativo e retoma o discurso da competitividade, que é irmão gêmeo da fórmula que prega os benefícios do livre comércio, ou seja, abrem-se as portas, e sobrevive o mais apto.
Com o resto do Sul, leia África e América Latina – nesta sequência – basta, assim, uma ação cultural, importantíssima, sem dúvida, mas com clara incidência aqui de segundo plano.



Dilma Rousseff:

“Da mesma forma será dada ênfase a nossas relações com a África, com os países asiáticos – – a China é nosso principal parceiro comercial – e com o mundo árabe. A importância dada aos países do SUL do mundo, que têm expressão concreta nos BRICS, não significa desconsiderar os países desenvolvidos.”

Dilma que já havia dito no parágrafo anterior (citado no post da semana passada) que a prioridade continuaria sendo a América do Sul, entorno estratégico, segue mantendo sua ênfase em “relações” sem especificação, com o resto do Sul.
Pode parecer irrelevante, mas a ordem é algo que interessa: África, países asiáticos e o mundo árabe. Além disso, este tema, no programa da coligação do PT, aparece antes do tema países desenvolvidos.
Cita a China como parceiro e reafirma a agenda do Brics com o termo “concreta”. Com um tom “irônico”, faz uma ressalva ou, podemos acreditar, deixa registrado algo que em tempos normais seria completamente desnecessário: dar importância para uma coisa não é desconsiderar todas as outras.

Marina Silva:

“Não se configurou, enfim, a anunciada decadência do Ocidente e uma ascensão definitiva dos países emergentes. A sorte destes últimos parece depender menos de profecias do que de políticas acertadas em produtividade, inovação, participação em cadeias produtivas e acordos seletivos de comércio.”

“Se se confirmar a taxa de expansão anual do PIB da China no período 2014- 2016 em torno de 7%, contabilizaremos um incremento por ano de US$ 1,3 trilhão em nossas relações comerciais, quase o dobro do que se observava há dez anos, quando o crescimento do país asiático era superior a 11%. A elevação da base de cálculos propicia geração adicional de riqueza a cada ano, em volume suficiente para assegurar considerável demanda por insumos externos mesmo com o esperado aumento do consumo doméstico”.

“Não há como minimizar o ativismo do Brasil na cooperação Sul-Sul ao longo dos últimos anos, que serviu para atenuar o impacto da crise sobre o comércio exterior, além de gerar dividendos políticos concretos.”

“A identificação de interesses comuns do Brasil com os outros países do Brics contribui para maior equilíbrio na geopolítica atual, fortalecendo países emergentes ainda sub-representados nas instâncias internacionais criadas logo após a 2ª Guerra Mundial. Não podemos, todavia, desconsiderar as diferenças nas agendas econômica, política, cultural e ambiental dos Brics, assim como na pauta de direitos humanos e liberdades civis de cada um dos países do bloco. A fim de que o diálogo no grupo seja construtivo e realista, é preciso reconhecer essas diferenças.”

Como já dissemos, o plano de governo de Marina é maior, logo, merece mais citações, apesar de algumas serem um pouco contraditórias. Estabelecer que não houve a “ascensão definitiva dos emergentes” e tratar como “sorte” a realização de políticas industriais, comerciais e tecnológicas é no mínimo estranho (sobretudo usando um termo como “sorte”!).
A China é realmente tida como um novo Eldorado e, não por acaso, a crítica ao atual governo do desperdício de não fazer parte de uma associação voltada para o Pacífico é entoada aqui e dioturnamente pela oposição. Fica claro que aquele país merecerá prioridade nas relações comerciais, independente do perfil da relação, ou ainda que aprofunde o caráter primário-exportador do Brasil, o que não parece ser um problema para Marina e sua “base”.
Reconhece os avanços feitos nas relações Sul-Sul e como essa atitude teve um concreto resultado durante a crise internacional. Em seguida (não está nesta frase, mas vale a citação), faz referência à África e ao seu legado histórico e aos países de língua portuguesa.
Reconhece, também, o caminho geopolítico traçado pelos Brics e o faz com muita cautela (em outra frase trata-o como fórum informal), para em seguida deixar claro as diferenças entre os países membros do acrônimo. Consideração banal, não fosse a inclusão do item “direitos humanos e liberdades civis”, em outras palavras, para ampliar as negociações em acordo bilateral com a China (apenas um exemplo) não se questiona o que ela faz em casa, ou qual a base de seu crescimento e sua competitividade, mas para sentar em um “fórum informal” é preciso? Aqui não estamos apontando a forma adequada, apenas demonstrando, nesse caso, a dubiedade do discurso.
 

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353