Volume 1 | Número 5 | Out. 2014
Por Bernardo Salgado Rodrigues
Em julho de 2014, na VI Cúpula dos Brics, foi estabelecida a criação de um acordo de cooperação financeira e monetária com impactos no redesenho estratégico das finanças globais, com o surgimento de um fundo de estabilização e um banco de desenvolvimento. Ambos são expressão da assimetria e do déficit democrático na governança global, em que os países dos Brics demandam a democratização da arquitetura financeira internacional e a reforma das instituições oriundas de Bretton Woods, visando tornar realidade seus anseios de uma ordem internacional mais inclusiva, democrática e multilateral, assim como na construção de um novo pólo de liderança global.
Uma rota semelhante tem o Banco do Sul no contexto latino-americano, podendo ser atualmente – ainda que surgido anteriormente – considerado um “Banco dos Brics latino-americano”. Criado em 2007, é composto por um fundo monetário e uma organização financeira da Unasul, destinado a promover o desenvolvimento com o objetivo de conceder empréstimos e recursos para os países da América Latina, cujos eixos principais são voltados para a criação de programas sociais e de infra-estrutura.
O Banco conta com uma reserva inicial de US$10 bilhões e um total de capital global autorizado de US$20 bilhões, onde este aporte inicial se divide em grupos de países: o primeiro, Argentina, Brasil e Venezuela, com um capital de US$ 2 bilhões cada; o segundo, com Uruguai e Equador, com US$400 milhões cada; o terceiro, com Paraguai e Bolívia, com US$100 milhões cada; e os 3 bilhões restantes seriam obtidos através de contribuições de US$970 milhões do Chile, Colômbia e Peru, e US$45 milhões da Guiana e Suriname. (SEVERO, 2011, P.342)
Apesar das diferenças de aportes iniciais, há uma flexibilidade maior para os países de menor desenvolvimento, em que se propõe que a cota de crédito não seja proporcional ao aporte de capital, de forma a apoiar um processo de redução das assimetrias. Assim,
[…] la diferencia del FMI o el Banco Mundial cuyo modo de funcionamiento y toma de decisiones es a través del voto ponderado (siendo las potencias mundiales las mayores tenedoras de votos), la nueva institución financiera de América del Sur (…) busca mantener una representación igualitaria para cada uno de los socios que la integran y funcionar bajo un sistema democrático. (VALENCIA; RUVALCABA, 2013, p.101)
Logo, a importância da operacionalização do Banco do Sul seria como um primeiro pilar de transformação dos bancos de desenvolvimento para financiar prioridades das soberanias continentais.
Os que se situam a favor do banco constatam que
[…] gran parte de las reservas internacionales de los países sudamericano está depositada en bancos europeos o de Estados Unidos. Teniendo en cuenta el carácter de la nueva institución en beneficio de los países de la región, una de las propuestas es que el banco concentre parte de estos recursos y los utilice para el desarrollo de América del Sur.(SEVERO, 2011, p.342)
Portanto, o banco demonstra um esforço de cooperação entre os países para superar um problema histórico de suas economias: o financiamento de longo prazo. Ele também inclui a ideia de um fundo de estabilização, um importante instrumento para a defesa de ataques especulativos de capital e de crises internacionais.
Entretanto, Biancareli (apud SEVERO, 2011, p.344) apresenta três questionamentos em relação ao Banco do Sul: quanto ao formato institucional e os poderes de voto e veto; quanto à capilaridade e institucionalização para os financiamentos e repasse de recursos em condições de prazo e de custos determinadas; e quanto à função que pode desempenhar na formação de um mercado regional de títulos da dívida.
Um dos maiores empecilhos para a plena instrumentalização do Banco na região advém do Congresso brasileiro. Para que comece a operar, é necessário que o Congresso de cada país-membro aprove seu estatuto. Até 2011, apenas os legisladores venezuelanos, bolivianos, equatorianos e argentinos votaram favoravelmente à proposta. Constata-se que qualquer projeto de Banco do Sul passa por uma posição de compromisso pelo Brasil, devido a sua importância e peso na região. O Brasil retira o apoio na articulação da formação do Banco do Sul a partir do momento que limita os recursos para a sua formação.
Para alguns estudiosos, o Brasil parece cético em relação a uma efetiva integração, prevalecendo a ilusão de que o Brasil se viabiliza sozinho. Muitas vezes, a integração tem sido usada como justificativa para a expansão das grandes empresas privadas de capital brasileiro com base em vultosos financiamentos do BNDES. Assim, acaba sendo instaurado um conceito dominante de que “a integração significa expansão e domínio de novos mercados e nada mais.” (FATTORELLI, 2012, p.71)
Vale frisar que a proposta inicial da instituição “busca converter o Banco do Sul no coração, centro de um esforço para transformar a constelação já existente de instituições de desenvolvimentos nacionais, subnacionais e supranacionais (como BID e Bird)” (PAEZ, 2007, p.13). Ou seja, atuando no âmbito da complementaridade ao invés da competição. Assim, o BNDES se configuraria como banco do desenvolvimento brasileiro, enquanto que o Banco do Sul como banco do desenvolvimento e integração regional.
Neste contexto, o Banco do Sul emerge como um instrumento financeiro aos países da América do Sul visando a unificação de suas nações, tentando construir uma nova arquitetura financeira regional que não reproduza os mecanismos institucionais que perpetuem a dependência, mas que contribuam para a liberdade, soberania e independência das economias regionais. Como afirmam Valencia e Ruvalcaba (2013, p.102), “esta nueva institución financiera podría consolidarse como el principal órgano de financiamiento para la integración económica y social de la Unasur.”
Em suma, a partir do momento em que a criação do Banco dos Brics foi tida como grande vitória da política externa brasileira, a retomada da discussão do Banco do Sul e o reforço da integração e cooperação Sul-Sul devem ser estimulados a fim de que a América Latina se torne um novo pólo de poder mundial, pautado na redução das desigualdades, na inclusão social e na elaboração de uma nova arquitetura financeira para o benefício dos povos, e não do grande capital.
Referências
FATTORELLI, Maria Lucia (org.). Alternativas de enfrentamento à crise. Brasília: Inove Editora, 2012.
PAEZ, Pedro. Por um banco de um novo tipo. Jornal dos Economistas. Rio de Janeiro, p. 11-13. nov. 2007. Disponível em: <http://www.corecon-rj.org.br/pdf/je_novembro_2007.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2014
SEVERO, Luciano Wexell. Mecanismos regionales para el financiamiento de la integración de América del Sur. In: COSTA, Darc (Org.). América del Sur: Integración e infraestructura. Rio de Janeiro: Capax Dei, 2011. p. 289-347
VALENCIA, Alberto Rocha; RUVALCABA, Daniel Efrén Morales. Desafíos en la construcción de la Unión de Naciones de Suramérica. In: GADELHA, Regina Maria A. F. (Org.). Mercosul a Unasul – avanços do processo de integração. São Paulo: Educ, 2013. p. 69-117
Bernardo Salgado Rodrigues é mestrando em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-PEPI). Graduando em Ciências Econômicas na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-FCE). Possui graduação em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-IFCS). Foi bolsista de iniciação científica CNPq/PIBIC. Atualmente é integrante do Laboratório de Estudos de Hegemonia e Contrahegemonia (LEHC-UFRJ) e membro do Grupo de Trabalho de Integración y Unidad Latinoamericana y Caribeña do CLACSO (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais).
Como citar: