Volume 6 | Número 58 | Mar. 2019
Por Larissa Rosevics
31/01/2019 Vice-Presidente, Hamilton Mourão durante audiência com Embaixador do Canadá – Sr. Riccardo SavoneMinistro-Conselheiro – Sr. Juan-Pablo ValdesConselheira Comercial – Sra. Bonny Berger. Foto: Romério Cunha. |
Na Constituição brasileira de 1988, as relações exteriores do Brasil são de competência privativa do Presidente da República. O Ministro das Relações Exteriores é responsável por auxiliar o presidente na elaboração e execução da política externa, sendo seu substituto imediato.
Apesar da previsão constitucional, poucos foram os presidentes brasileiros que tiveram uma participação ativa em assuntos de política externa, como no caso dos governos de FHC e Lula da Silva. A tradição da política externa brasileira é a de que a principal voz internacional do país seja a do Ministro das Relações Exteriores.
No governo de Jair Bolsonaro, ainda não está claro quem será o protagonista da política externa brasileira. Aparentemente, o presidente não demonstra grande interesse em exercer uma Diplomacia Presidencial, tal qual seus antecessores, conforme pode ser observado na sua atuação pouco expressiva em Davos, e a repercussão negativa que teve internacionalmente. Mesmo a aproximação com líderes ideologicamente próximos ao presidente, como Victor Orbán, primeiro ministro da Hungria, Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, não apresentaram resultados expressivos. O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tampouco parece agradar as diferentes alas do governo e da elite econômica nacional, com seu posicionamento ideológico anti globalista.
O cenário que parece se desenhar é de protagonismo do vice-presidente, Hamilton Mourão, em matéria de política externa, com uma improvável Diplomacia Vice- Presidencial.
Desde os primeiros dias de governo, o General Mourão fez questão de expressar em suas declarações à imprensa, e em sua conta oficial no Twitter, posições contundentes (e por vezes distintas das do presidente e de seu chanceler) em relação à política externa. Inclusive, o vice-presidente tem demonstrado habilidade com a imprensa nacional e internacional, tendo sido o primeiro membro do novo governo a conceder uma entrevista a um grande veiculo de comunicação internacional. A entrevista que concedeu à CNN, em novembro de 2018, logo após a eleição, surpreendeu a todos, inclusive pela sua desenvoltura com o inglês. A expectativa, nesse caso, era de que a entrevista tivesse sido concedida pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro.
O debate sobre a possível mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém exemplifica as divergências entre o posicionamento do vice-presidente e demais membros do governo. Dada como certa pelo presidente Jair Bolsonaro, a questão é tratada como passível de reavaliação pelo vice-presidente, conforme declarações dadas a imprensa, e reafirmadas ao embaixador da Palestina, Ibrahim Alzeben, em visita realizada no dia 28 de janeiro.
Em seu gabinete, o vice presidente já recebeu representantes de câmaras de comércio da China (02/01), dos países Árabes (29/01), embaixadores da Holanda e Bélgica (03/01), Argentina (10/01), Espanha (14/01), Alemanha (21/01), Tailândia (21/01), Luxemburgo (23/01), Canadá (31/01), Austrália (11/02), representantes da Florida/EUA (29/01) além de membros de setores importantes do comércio exterior do Brasil, como o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello (18/01). Todas as visitas não foram acompanhadas pelo chanceler brasileiro, como é de costume. Em sua conta no twitter, Mourão declarou no dia 22 de fevereiro, ter sido designado pelo presidente para coordenar três comissões bilaterais consideradas estratégicas para as relações exteriores do Brasil: as comissões da China, Rússia e Nigéria.
Outro fato que destaca o protagonismo do vice-presidente em matéria de política externa é em relação a questão venezuelana. Enquanto militar, Mourão exerceu a função de adido militar em Caracas durante o governo de Hugo Chaves, o que o torna um profundo conhecedor do país e da elite militar que lá figura. A suspenção da cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro, assinada pelo chanceler Ernesto Araújo junto à Declaração do Grupo de Lima, em janeiro, desagradou diversos setores das Forças Armadas brasileira, que viam no instrumento internacional um meio de comunicação entre os militares dos dois países. Após esse desconforto, e com o aumento das tensões nas relações entre os países, como o fechamento das fronteiras, Mourão foi acionado pelo presidente como representante do Brasil para a próxima reunião do Grupo de Lima, que acontece nesta segunda feira, 25 de fevereiro.
A figura de Mourão desperta a atenção de políticos e investidores internacionais, que o vem como mais moderado e articulado do que o presidente eleito. Contudo, engana-se quem acredita que a política externa articulada pelo vice-presidente dará continuidade as estratégias estabelecidas pelos governos anteriores de Dilma, Lula da Silva, e mesmo de FHC. Os contextos políticos e econômicos, nacionais e internacionais entre os governos são distintos, e os verdadeiros interesses de Mourão, e o grupo político que representa, ainda não estão evidentes. Mesmo sua postura cordial e conciliadora é bastante distinta das declarações que emitiu no passado sobre as relações do Brasil com os países da África e da América do Sul.
O protagonismo do vice-presidente poderá ser justificado no futuro como resposta a debilidade da saúde do presidente no início de seu mandato, reflexo do atentado que sofreu durante a campanha. Por hora, a Diplomacia Vice Presidencial parece ir de vento em poupa, e a questão venezuelana poderá consolidar Mourão como o principal personagem da política externa do governo Bolsonaro.
Referências
BLOOMBERG. Mourão diz que Brasil e China precisam demais um do outro. InfoMoney, 15/02/2019. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7930317/mourao-diz-que-brasil-e-china-precisam-demais-um-do-outro
EVELIN, Juliana Dal Piva. Mourão coloca em dúvida capacidade do chanceler de conduzir a política externa. O Globo, 18/01/2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/mourao-coloca-em-duvida-capacidade-do-chanceler-de-conduzir-politica-externa-23382788
FIGUEIRA, Ariane Roder. Introdução à análise de política externa. São Paulo: Saraiva, 2011.
GIELOW, Igor. Casa só com “mãe”e “avó” é “fábrica de desajustados”para tráfico, diz Mourão. Folha de São Paulo, 17/09/2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/casa-so-com-mae-e-avo-e-fabrica-de-desajustados-para-trafico-diz-mourao.shtml
STUENKEL, Oliver. Mourão entra em campo contra os globalistas. El País, 12/02/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/11/opinion/1549903120_135007.html
TWITTER. @generalmourao
Como citar:
ROSEVICS, Larissa. General Mourão e sua Diplomacia vice-presidencial. Diálogos Internacionais. vol.6, n.58, mar.2019. Acessado em [18/03/2019]. Disponível em: http://www.dialogosinternacionais.com.br/2019/02/general-mourao-e-sua-diplomacia-vice.html