Geoeconomia e Geopolítica na Venezuela
Volume 6 | Número 58 | Mar. 2019
Por Bernardo Salgado Rodrigues
Lattuff Cartoons |
Em fevereiro de 2019, a Venezuela esteve presente em praticamente todos os noticiários brasileiros. A grave crise que alastra o país foi tema de acaloradas discussões entre chefes de Estado, centros de pesquisa, universidades, meios de comunicação e redes sociais. Nunca antes na história brasileira existiram tantos especialistas sobre o país sul-americano e caribenho.
Para além de um juízo de valor, ideológico ou humanitário acerca dos acontecimentos recentes em nosso vizinho amazônico, é papel do pesquisador acadêmico em relações internacionais analisar de forma racional. Assim, é imprescindível reflexionar e realizar a diferenciação científica entre geoeconomia e geopolítica tomando como referência a Venezuela na atualidade, com a finalidade de avaliar os acontecimentos do tempo presente e, ainda, como uma forma didática de aprendizado.
A geoeconomia se define como o uso de instrumentos econômicos para fins geopolíticos, tal qual definido por Blackwill e Harris (2016, p.20): “the use of economic instruments to promote and defend national interests, and to produce beneficial geopolitical results; and the effects of other nations’ economic actions on a country’s geopolitical goals[1].”Deste modo, caso hajam ganhos geopolíticos, o custo econômico é secundário, podendo até mesmo haver gastos maiores que lucros; o que importa é estabelecer áreas de influência ou impossibilitar caminhos autônomos e independentes de outros países. Assim, segundo Blackwill e Harris (2016, p.49), a geoeconomia é centrada na utilização de sete ferramentas econômicas: política comercial, política de investimento, sanções econômicas e financeiras, ciberataques, subsídios econômicos, política financeiro-monetária e energia e commodities.
No escopo desses instrumentos geoeconômicos, as sanções econômicas e financeiras se apresentam de forma nítida no caso venezuelano. As ações tem longa data, desde a tentativa de golpe de Estado em 2002, com início de sanções econômicas e políticas, passando pela proibição de comércio de armas na era Bush, em 2006, aprofundando-se com o governo Obama, principalmente em março de 2015, através da ordem executiva nº13692 (“Blocking Property and Suspending Entry of Certain Persons Contributing to the Situation in Venezuela”[2]), que decretou o estado de emergência venezuelano, até chegarmos às tentativas explícitas de desestabilização e derrubada de governo através do cerco financeiro de Trump, bloqueando o acesso do governo venezuelano ao mercado financeiro estadunidense, assim como travando os ativos da petrolífera estatal PDVSA.
Estes e diversos outros documentos relacionados às sanções econômicas dos Estados Unidos em relação à Venezuela podem ser acessados publicamente através do site oficial do U.S. Department of State[3], consistindo num exemplo de como a atuação geoeconômica funciona na atualidade.
Do outro lado da moeda, Fiori denomina a geopolítica como “um conhecimento estratégico e normativo que avalia e redesenha a própria geografia a partir de algum projeto de poder específico, defensivo ou expansivo.” (FIORI, 2014, p.141) Em outros termos, a geopolítica é considerada um método de estudo dinâmico da influência de fatores geográficos no desenvolvimento dos Estados com a finalidade de orientar suas políticas internas e externas. Ou seja, é uma ferramenta de análise de política externa que busca compreender, explicar e prever o comportamento político internacional, principalmente em termos de variáveis espaciais.
Em termos geopolíticos, Martins (2019) sumariza a importância estratégica da Venezuela para os Estados Unidos: detém as maiores reservas de petróleo do mundo, com maior proximidade geográfica do que as reservas do Oriente Médio, além de estarem sob domínio de uma empresa estatal que vem diversificando suas exportações para outros países; é a experiência contra-hegemônica mais avançada na América do Sul e que, com seus avanços e retrocessos, acertos e erros, foi o país que mais realizou consultas populares no século XXI, propondo uma democracia participativa alternativa ao modelo democrático liberal americano; possui alto nível de internacionalização ao articular a construção de um novo eixo geopolítico regional e mundial, aprofundando relações comerciais e financeiras com a China e cooperação militar com a Rússia, além de impulsionar os projetos de integração na América Latina, como Unasul, Celac, Alba, Petrocaribe e Telesur.
Tanto a tentativa de ajuda humanitária por parte dos Estados Unidos através da Colômbia e do Brasil como a prerrogativa de instaurar no governo interino um deputado nacional eleito com apenas 97.492 votos[4], mas totalmente alinhado aos interesses privados estrangeiros, inclusive colocando em pauta uma intervenção militar em seu país, devem ser interpretados a partir dessas variáveis geopolíticas apresentadas. Toda e qualquer análise da realidade venezuelana atual que desconsidere a geoeconomia e a geopolítica estão fadadas a deixarem de lado variáveis substanciais na compreensão do problema. Como diria um dos gurus do liberalismo econômico, Milton Friedman, “there ain’t no such thing as a free lunch[5]“.
É papel de um analista internacional visualizar determinado objeto de estudo e recorrer às bases teóricas e metodológicas, analisando o maior número possível de variáveis e distanciando-se de qualquer conclusão simplista. Geoeconômica e geopoliticamente falando, a Venezuela se configura como palco de contradições internas e conflitos externos, cuja complexidade do tema envolve distintos atores políticos e interesses de poder. Uma possível intervenção na Venezuela (seja via Colômbia, Brasil ou EUA) trará a disputa geopolítica internacional explícita para a América do Sul, uma zona de paz desde a Guerra do Paraguai (1864-1870). As consequências negativas são incomensuráveis. Para qualquer ator sul-americano neste imbróglio, a melhor das armas é a sabedoria, e a pior, a ingenuidade.
Referências bibliográficas
BLACKWILL, Robert D.; HARRIS, Jennifer M.. War by other means: geoeconomics and statecraft. Cambridge, Massachusetts: The Belknap Press Of Harvard University Press, 2016.
FIORI, José Luís. História, estratégia e desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2014.
MARTINS, Carlos Eduardo. Trump e a Venezuela. 2019. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2019/02/20/trump-e-a-venezuela/?fbclid=IwAR3fgsH85xu0h2OyNUA6kxDMDgf0gBlYanW323ksa6fC-7LYoR9nB2VHXeo>. Acesso em: 26 fev. 2019.
[1]“O uso de instrumentos econômicos para promover e defender interesses nacionais, e produzir resultados geopolíticos benéficos; e os efeitos das ações econômicas de outras nações nos objetivos geopolíticos de um país.”
[2]https://www.treasury.gov/resource-center/sanctions/Programs/Documents/13692.pdf
[3]https://www.state.gov/e/eb/tfs/spi/venezuela/
[4]Não é intuito do presente trabalho considerar a contradição entre a prerrogativa suscitada pelos meios de comunicação internacional de rotular o governo de Nicolás Maduro como uma ditadura, a partir do momento em que existe a eleição de opositores ao Governo, prática mais do que comum em todos os regimes democráticos do mundo.
[5]“Não há almoços grátis.”
Como citar:
RODRIGUES, Bernardo Salgado. Geoeconomia e Geopolítica na Venezuela. Diálogos Internacionais, vol.6, n.58, mar.2019. Acessado em [04/03/2019]. Disponível em: