Volume 6 | Número 65 | Out. 2019
Por Bernardo Salgado Rodrigues
No início do século XXI, constata-se que os Estados Unidos não possuem mais a capacidade (custos político-econômicos, opinião pública) de manter guerras irrestritas longínquas ao seu entorno estratégico direto e imediato, principalmente após as experiências no Iraque e no Afeganistão e, obviamente, devido à crise de 2008. Desta maneira, alguns geoestrategistas estadunidenses vêm relançando suas bases para a retomada, num primeiro momento, do controle regional, visando a possibilidade posterior de nova ofensiva em âmbito global.
Em outros termos, a América do Sul retorna ao radar do Big Game estadunidense, em que se constatam diversos mecanismos visando o regime change, principalmente durante a década de 2010, em países contrários ao direcionamento estratégico dos Estados Unidos. Como exemplos, visualizam-se a Venezuela de Chavez e Maduro, o Brasil de Lula e Dilma, a Argentina de Nestor e Cristina Kirchner, a Bolívia de Evo Morales, o Equador de Rafael Correa, e o Paraguai de Fernando Lugo; todos países que, em maior ou menor medida, buscaram políticas autônomas, seja com alinhamentos diretos com China e Rússia, ou no direcionamento de suas políticas públicas internas.
Os Estados Unidos, portanto, abrem mão da ideia de uma hegemonia ética e cultural universal e optam pelo uso da força e das armas, se necessário, para impor seus interesses em todos os tabuleiros geopolíticos e geoeconômicos do mundo. Mesmo que seja através da mudança de governos e regimes que sejam considerados uma ameaça política ou econômica aos interesses norte-americanos. (FIORI, 2018, p.399)
Os estudos acerca da Guerra Híbrida ainda em curso auxiliam a compreender novos parâmetros da complexa e nova modalidade de guerra do futuro. Dentre elas, uma interessante interpretação referente à guerra de informação e/ou guerra velada pode ser realizada a partir do conceito de Lawfare, ou a utilização de instrumentos jurídicos para fins políticos. Assim, ao manter o Estado alvo em estado de colapso ou semicolapso jurídico-institucional por um período de tempo prolongado, conforma-se determinada desestabilização social, política e/ou econômica, resultando num “Buraco Negro geopolítico, cuja intenção é que o campo de atração gravitacional regido pelo caos engula os Estados vizinhos.” (KORYBKO, 2018, p.91)
Tal terminologia está longe de ser uma teoria da conspiração: os últimos documentos oficiais dos Estados Unidos, os chamados National Security Strategy, de 2010, no governo Obama, e de 2017, no governo Trump, deixam explícitos a utilização do combate à corrupção em outros países como forma de luta para mudar regimes e governos de Estados inimigos e/ou afetar empresas concorrentes.
Strengthening International Norms Against Corruption; We are working within the broader international system […] to promote the recognition that pervasive corruption is a violation of basic human rights and a severe impediment to development and global security. We will work with governments and civil society organizations to bring greater transparency and accountability to government budgets, expenditures, and the assets of public officials. And we will institutionalize transparent practices in international aid flows, international banking and tax policy, and private sector engagement around natural resources to make it harder for officials to steal and to strengthen the efforts of citizens to hold their governments accountable. (UNITED STATES, 2010)
COUNTER FOREIGN CORRUPTION: Using our economic and diplomatic tools, the United States will continue to target corrupt foreign officials and work with countries to improve their ability to fight corruption so U.S. companies can compete fairly in transparent business climates. (UNITED STATES, 2017)
Tal guerra judicial, uma possível nova fase da Guerra Híbrida, não consiste somente num problema interno dos países – inclusive, interpretado como uma tática para tratar de eliminar os líderes progressistas na América do Sul e no mundo, que possivelmente não poderiam vencer nas urnas – mas, explicitamente, uma diretriz de política externa e de defesa estadunidense. Com isso, o projeto estadunidense no sistema internacional consiste na política de desmonte de projetos nacionais autônomos, ou modelos que se aproximem e repliquem o chinês, visando destruir qualquer massa crítica aos EUA onde exista um “núcleo duro”, através da exacerbação dos conflitos políticos internos, acarretando uma divisão endógena seguida de caos econômico e social das sociedades sul-americanas.
A Lawfare constitui um novo horizonte de estratégia militar para troca de regime dos EUA, utilizando indiretamente uma miscelânea de grupos por procuração (principalmente das elites locais, como o próprio Judiciário, Imprensa, Atores políticos) para realizar os objetivos estratégicos de Washington que, em última instância, consistem em reverter o processo de multipolarização e restabelecer a ordem unipolar por um período de tempo indeterminado.
Referências bibliográficas
FIORI, José Luis. Epílogo – Ética cultural e guerra infinita. In: FIORI, José Luis (Org.). Sobre a guerra. Petrópolis: Vozes, 2018.
KORYBKO, Andrew. Guerras híbridas das revoluções coloridas aos golpes. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
UNITED STATES. U.S. National Strategy of Making America GreatAgain. Administration of Donald Trump. Washington, D.C. Press, dec.2017.
UNITED STATES. U.S. National Strategy of Nation Renewal and GlobalLeadership. Administration of Barack Obama. Washington, D.C. Press,may. 2010.