O 19º Congresso do Partido Comunista da China e a consolidação do poder de Xi Jinping
Volume 4 | Número 43 | Dez. 2017
Por Victor Carneiro Corrêa Vieira
Terminou, no dia 24 de outubro, o 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh), decretando o início de uma “nova era” para o país, que se prepara nos próximos anos para a comemoração do centenário de fundação do partido, em 2021. Iniciado no último dia 18 com um discurso com mais de três horas de duração proferido por Xi Jinping para um público de 2338 delegados, o congresso confirmou o nome do presidente chinês para seu segundo mandato, reestruturou a alta cúpula política do governo e estabeleceu as diretrizes para os próximos cinco anos. Mas o que isso significa para o futuro do poder na China?
“Assegurar uma vitória decisiva na construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos e se esforçar para o grande sucesso do socialismo com características chinesas para uma nova era”, esse foi o título do discurso proferido por Xi Jinping na abertura do congresso (LIVE…, 2017). Um pronunciamento que estabeleceu um guia de quatorze pontos[1] a serem perseguidos pelo partido, exaltou conquistas dos últimos cinco anos, lembrou os cem anos da revolução russa para enaltecer o “socialismo com características chinesas” e as guerras do ópio (entre 1839 e 1860) e a humilhação sofrida pelo povo chinês para avivar o nacionalismo e promover o “sonho chinês de rejuvenescimento nacional”.
Xi não se poupou em definir a relação entre o desenvolvimento desequilibrado e inadequado e a demanda por melhoria nas condições de vida da população como a principal contradição da sociedade chinesa na atualidade, apresentando um plano de desenvolvimento dividido em duas etapas que pretende transformar a China em um “grande país socialista moderno” até meados do século XXI. Se havia alguma dúvida sobre a habilidade política e o prestígio de Xi antes do congresso, a inclusão do seu nome na Constituição chinesa ao lado dos pensadores do socialismo chinês – uma honra que só havia sido concedida a um líder em exercício para Mao Zedong – comprovou sua capacidade de liderança (CHINA, 2017).
Contudo, apesar de um culto à liderança carismática de Xi Jinping cada vez mais evidente e uma aparente ausência de concorrência política na China, em razão da sua estrutura de partido único, não se pode concluir uma uniformidade ideológica ou a ausência de qualquer sistema de checks and balances no processo de tomada de decisões. Ainda que não exista uma disputa de poder entre o PCCh e qualquer outro agrupamento, conforme se observa na democracia ocidental. Disputas dentre a elite do partido pelo poder destacam a formação de coalizões políticas que sugerem um sistema de “um partido, duas coligações” (LI, 2016).
Cheng Li argumenta existirem duas principais coalisões de lideranças na política chinesa, uma “coalisão elitista” (精 英 同 盟, jingying tongmeng) liderada por Jiang Zemin e Xi Jinping, e uma “coalizão populista” (民 粹 同 盟, mincui tongmeng), cujos expoentes seriam Hu Jintao e Li Keqiang, que disputariam pelo poder no período pós-Deng. Enquanto o primeiro grupo inclui os “princelings”, lideranças da elite comunista descendentes de revolucionários, guiados pela “Gangue de Shanghai”, e é defensor de uma maior liberdade econômica em contraste com políticas centralizadoras e conservadoras; o segundo, os tuanpai (“facção da liga”) reúne líderes de origem mais humilde, que cresceram no partido desde a Liga da Juventude Comunista Chinesa (LJCC), passando a defender políticas de justiça social, igualdade econômica e desenvolvimento regional balanceado.
Essa forma de divisão da elite do PCCh está longe de ser unânime na academia, outra divisão citada frequentemente é entre grupos centralizadores e liberais (KENDERLINE, 2017). Nem mesmo a relação de Xi com Jiang Zemin e Zeng Qinghong, seus dois principais protetores no campo elitista segundo Cheng Li (2016), é incontestável. A profunda campanha anticorrupção promovida pela Comissão Central para Inspeção Disciplinar (CCID), comandada por Wang Qishang no primeiro mandato de Xi e por Zhao Leji desde o último dia 25, é defendida por muitos analistas como uma evidência do rompimento do atual líder chinês com a “Gangue de Shanghai”, especialmente pelas condenações de líderes como Bo Xilai e Zhou Yongkang (BO, 2015; LAM, 2016).
Willy Lam defende a ascendência da “facção do Xi Jinping”, dentro da qual se destaca a “panelinha de Zhejiang”, composta de oficiais subordinados a ele em seu período como Secretário do Partido na Província de Zhejiang, entre 2002 e 2007. A esse grupo teriam sido distribuídos cargos chave em Grupos de Liderança Central, em Comissões Centrais, nas províncias e em altos cargos militares (LAM, 2016). Discordando da perspectiva de teria havido uma cisão entre os dois líderes, Cheng Li (2016) afirma ser de interesse de Xi afastar qualquer suspeita de submissão sua a Jiang e Zeng, ainda que reconheça a formação de associações e redes próximas ao Secretário Geral, ligados à sua origem em Shaanxi, à sua formação escolar e às províncias e cidades em que atuou como líder.
Com ausência de um sistema de eleições diretas no regime chinês, lideres são selecionados dentre os quadros do partido e indicados a cargos por seus protetores, dependendo de qual grupo pertençam. Para evitar a ascensão de um novo líder centralizador, Deng Xiaoping estabeleceu, em 1990, um sistema de liderança coletiva, capaz de equilibrar as diferentes forças competidoras da elite comunista dentro das instituições de poder. Em conversa com Jiang Zemin e Li Peng, Secretário-Geral e primeiro ministro do PCCh da época, respectivamente, ele afirmaria, ainda, que “a chave para a estabilidade na China está na liderança coletiva do Politburo, especialmente do Comitê Permanente” (LI, 2017). Dessa forma, o órgão mais importante e principal instituição tomadora de decisões políticas (ver figura 1), o Comitê Permanente do Politburo (CPP) seria composto por sete membros que decidem sobre o destino do país, de forma a frear possíveis excessos do Secretário-Geral (LAWRENCE; MARTIN, 2013).
![]() |
Fonte: Estrutura Organizacional do Comitê Central do Partido Comunista da China. Disponível em: http://cpc.people.com.cn/GB/64162/351757/index.html |
Entretanto, ainda que o modelo chinês de liderança coletiva apresente o embrião de um mecanismo de checks and balances, este ainda pode ser considerado muito aquém dos mecanismos verificados em um sistema de tripartição de poderes. A ascensão de Xi Jinping tem gerado questionamentos sobre esse modelo, não só pela ampliação do seu grupo de aliados nos principais órgãos do governo, mas principalmente pela sua centralização do poder. Se por um lado a campanha anticorrupção eliminou grande parte de seus opositores, a concentração de cargos e responsabilidades o transformou no líder chinês mais poderoso desde Mao, confirmado com a inclusão do seu pensamento na Constituição ainda em vida. Nesse sentido, a chegada de Xi Jinping acompanhado de Hu Jintao e Jiang Zemin ao Salão do Povo para a abertura do 19º Congresso do PCCh tinha, justamente, o objetivo de passar a mensagem de unidade da elite comunista em seu apoio.
A lista dos sete membros do Comitê Permanente do Politburo, divulgada no dia 25 de outubro sinalizaria outra vitória de Xi Jinping, conseguindo emplacar diversos aliados políticos e evitando a nomeação de um provável sucessor para o órgão. Alterando toda a composição do comitê, com exceção do próprio Xi e do primeiro-ministro Li Keqiang, Li Zhanshu, Wang Huning e Zhao Leji estão entre os aliados de longa data do Secretário Geral. Han Zheng tem sua lealdade contestada entre a facção de Shanghai e o grupo de Xi, ainda que não haja qualquer dúvida sobre sua proximidade com Xi, a quem serviu como mão direita no seu período como chefe do partido em Shanghai, entre 2006 e 2007. Por fim, Wang Yang não haviam trabalhado com Xi antes de 2012, e é um membro da LJCC.
Destaca-se a ausência de uma liderança mais jovem, que estabelecesse um candidato claro a sucessão, como em Comitês Permanentes passados. Com regulações definindo limites de 68 anos de idade para ingresso em quadros superiores do partido, alguns candidatos cotados para ingressar no Comitê Permanente eram Hu Chunhua, Chen Min’er, Zhang Qingwei e Sun Zhengcai, tendo este último sido expulso do partido apenas 4 dias antes do início do Congresso acusado por corrupção (CPC…, 2017). Esse fato suscita questionamentos sobre as pretensões de Xi Jinping de se manter no poder para além dos dois mandatos, ainda que muito possa ser considerado apenas especulação, são questões a serem observadas nos próximos cinco anos.
Por fim, as 25 cadeiras do Politburo, dentre as quais contam os 7 nomes do Comitê Permanente, estão preenchidas com 18 aliados de Xi, garantindo ao Secretário Geral uma grande margem para aprovação de suas propostas. Dentre os jovens candidatos à sucessão, apenas Chen Min’er Hu Chunhua são membros do Politburo, sendo so segundo o candidato provável a vice-presidência, a ser decidida em março, um cargo que se tornou meramente figurativo desde 2012, quando ocupado por Li Yuanchao, liderança tuanpai e confidente de Hu Jintao, quem já havia sido excluído do Comitê Permanente no 18º Congresso Nacional. Após ter diversos protegidos da província de Jiangsu condenados por corrupção, desde outubro de 2013, Li seria excluído até mesmo da lista de 204 nomes do Comitê Central, ainda que agências de risco vislumbrassem cenários em que seu nome poderia estar entre os selecionados (FUTURE RISK, 2017).
O último congresso levantou dúvidas quanto à manutenção do sistema de checks and balances que vigorou no sistema chinês desde 1990. O aumento do poder e do reconhecimento de Xi Jinping dentro do PCCh ficou evidente a partir da inclusão do seu pensamento na constituição e da formação dos principais órgãos deliberativos do partido com um grande número de apoiadores. A ausência de um sucessor claro no Comitê Permanente do Politburo passa uma mensagem de cheque em branco ao líder que pode almejar uma mudança no sistema político chinês que o permitirá um terceiro e, quem sabe, um quarto mandato. Os próximos anos serão decisivos para a política doméstica chinesa e qualquer certeza que possamos ter hoje, pode ser desconstruída amanhã em uma votação massiva e unânime em favor das propostas do Secretário-Geral, assim como observamos no 19º Congresso Nacional do PCCh.
Referências
BO Zhiyue. Is Xi Sending an Ultimatum to Former President Jiang Zemin? The Diplomat, 17 ago. 2015. Disponível em: <https://thediplomat.com/2015/08/is-xi-sending-an-ultimatum-to-former-president-jiang-zemin/>.
CHINA. Resolution of the 19th National Congress of the Communist Party of China on the Revised Constitution of the Communist Party of China. Xinhua: Beijing, 24 out. 2017. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/english/2017-10/24/c_136702726.htm>.
CPC Central Committee endorses Sun Zhengcai’s expulsion. Xinhua: Beijing, 14 out. 2017. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/english/2017-10/14/c_136679799.htm>.
FUTURE RISK. Chinese Communist Party leadership institution matrix. 1º abr. 2017. Disponível em: <http://ftrsk.com/map/cadrecalculus/>.
KENDERLINE, Tristan. Cadre Calculus: Making Sense of China’s 19th Party Congress and Beyond. Global Asia, v. 12, n. 3, 2017. pp. 88-93.
LAM, Willy. The Eclipse of the Comunist Youth League and the Rise of the Zhejiang Clique. China Brief, v. 16, n. 8, 11 mai. 2016. pp. 3-6.
LAWRENCE, Suan V.; MARTIN, Michael F. Understanding China’s Political System. Washington: Congressional Research Service, 2013.
LI, Cheng. Chinese Politics in the Xi Jinping Era: Reassessing Collective Leadership. Washington: Brookings Institution Press. Edição do Kindle. 2016.
LIVE: Opening Ceremony of 19th CPC National Congress 中国共产党第十九次全国代表大会开幕会. New China TV: Beijing. 18 out. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Kqn5iI35wEw>.
PCCh. 中国政要 (Dignitários políticos da China). Acessado em: 29 de out. 2017. Disponível em: <http://cpc.people.com.cn/GB/64162/394696/index.html).
[1] Xi Jinping estabeleceu quatorze pontos chave para desenvolver o socialismo com características chinesas para uma nova era: garantir a liderança do partido sobre tudo; compromisso com uma abordagem centrada nas pessoas; continuar aprofundando as reformas compreensivamente; adotar uma nova visão para o desenvolvimento; perceber que o povo comanda o país; garantir que todas as dimensões da governança estejam submetidas a lei; sustentar os valores socialistas centrais; garantir e melhorar os padrões de vida por meio do desenvolvimento; garantir a harmonia entre humanos e a natureza; perseguir uma abordagem holística para segurança nacional; apoiar a absoluta liderança do partido sobre todas as forças armadas, apoiar o princípio “um país, dois sistemas” e promover a reunificação nacional; promover a construção de uma comunidade de futuro comum para a humanidade; e exercer total e rigorosa governança sobre o partido (LIVE…, 2017).
Victor Carneiro Corrêa Vieira é doutorando em Ciências Militares na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é Professor de Relações Internacionais da Universidade Cândido Mendes e Adjunto de Coordenação da área de Movimentos Populacionais do Observatório Militar da Praia Vermelha e foi Coordenador do Instituto Pandiá Calógeras do Ministério da Defesa.