Dossiê Malvinas: As Ilhas Malvinas antes da Guerra

Volume 4 | Número 42 | Nov. 2017

Por Laura Emilse Brizuela, do blog Pauta Global


Introdução*

Passados já 35 anos da guerra das Malvinas, muitas são as investigações, dissertações e teses, debates e reflexões em torno do conflito armado. As discussões com frequência alcançam altos graus de paixões e costumam se focar em 1982. Surpreende-me que acadêmicos dos mais variados ramos da Ciência, incluso das Relações Internacionais, esqueçam dos acontecimentos que deram lugar à reclamação argentina para se centrar (mais uma vez) no trágico enfrentamento militar.
“Por que vocês, argentinos, querem tanto essas ilhazinhas?” “Como é que pensaram que poderiam ganhar de uma potência naval como a Inglaterra?” “Vocês realmente acreditam que algum dia vão tê-las de volta?” “Você iria pra guerra para recuperá-las?”, me perguntam não poucas vezes. Para ser honesta, quase nunca respondo com seriedade. Trata-se de um tema longo, complicado, e que, queira ou não, me afeta. Como afeta a grande maioria dos argentinos. Isto, talvez se explique no que Molina (1995) chama de “senso de continuidade histórica” que nós temos.

Se ha perdido una batalla, pero no la guerra, se ha dicho y repetido muchas veces en la historia, en algunos casos hasta por vía de consuelo. Pero la expresión, como otras de la misma índole e iguales intenciones, revelan cierto estado de continuidad histórica y crítica. En la Argentina no hemos abandonado la idea de la recuperación de las islas Malvinas como vibrante y permanente objetivo nacional. Este culto ya ha cumplido con exceso 150 años de ininterrumpida vigencia. El pueblo argentino no abandona ni abandonará su tesis reivindicatoria y la reciente guerra ha exaltado esos sentimientos. Es con mucha frecuencia que escuchamos en nuestros hogares, en las calles y las plazas, talleres y mercados, en todo tipo de reunión o simple encuentro: Otra vez será. Los padres dicen a sus hijos, y los futuros padres lo repetirán a su debido tiempo. Yo no pude, pero mis hijos lo podrán. O mis nietos o mis bisnietos. Pero un día las islas volverán a ser nuestras. Nadie lo dude, ya hemos dicho. (Molina, 1995, p.196)[1]

Certo é que a construção da argumentação acadêmica nos exige altas doses do outrora gabado objetivismo. Contudo, também é certo que a impossibilidade de descartar absolutamente a subjetividade é parte do caminho humano para se relacionar com a Ciência. Ou seja, a conexão entre o objeto de pesquisa e meu eu condicionará os resultados da investigação e da reflexão sobre os debates posteriores. Esta verdade está mais do que provada e discutida na nossa disciplina e me atrevo a dizer que nas Ciências Sociais em geral. Em resumo, trata-se de um posicionamento político que além de inevitável, considero honesto abraçar, pois seria um contrassenso pensar na construção da argumentação acadêmica sem admitir abertamente esse posicionamento político. Por exemplo, o simples fato de escolher referir-se às ilhas como Malvinas ou Falklands demonstra uma posição, a priori, em relação à soberania das mesmas.
Já ouvi ingleses que são favoráveis, se não à devolução, pelo menos à abertura do dialogo com a Argentina neste quesito, mas todos chamam as ilhas de Falklands. Isto poderia indicar: 1) a força do hábito e do tempo, sendo que a apropriação ilegítima inglesa já leva 184 anos; ou 2) apenas um discurso conciliador, mas que no fundo aceita o colonialismo inglês.
De todas formas, não é nosso objetivo aqui pensar sobre tais questões e sim refletir sobre os caminhos histórico, econômico e político que levaram a Inglaterra à ocupação de 1833 e com ela, à incansável reclamação argentina que tem lugar desde então.
O artigo está organizado em três partes, na primeira, irei expor a importância geopolítica da região, com a ajuda de alguns mapas, e farei uma contagem cronológica sobre os primeiros navegantes que chegaram às ilhas. Na segunda seção, me debruçarei sobre os problemas comerciais entre a Espanha e a Inglaterra por volta do ano 1700. Comentarei sobre a primeira colônia de origem francesa, a retirada da França, a possessão espanhola, a colônia inglesa e a sua expulsão. Mencionarei alguns Tratados e logo a problemática da recém-nascida “Províncias Unidas do Rio da Prata”, futura Argentina. Na terceira parte, refletirei sobre a função dos Estados Unidos em favor dos interesses ingleses, a invasão inglesa de 1833 e o começo da reivindicação argentina. Finalmente, farei umas breves considerações finais, onde mencionarei algumas teorias das Relações Internacionais que mostram possíveis caminhos para que a queixa argentina encontre solução.
Agradeço muito aos colegas Glauber Cardoso Carvalho e Larissa Rosevics pelo convite para participar do Dossiê sobre as Malvinas. Espero, com este trabalho, homenagear ao povo argentino na sua luta pela devolução das ilhas e em especial aos veteranos da guerra, ainda tão maltratados e pouco reconhecidos.

Parte I: De geografia, economias e outras estratégias
Ao falarmos da questão Malvinas, a geopolítica aparece como uma das disciplinas mais esclarecedoras para entendermos o reclamo argentino e o interesse inglês nas ilhas. Molina (1995) explica que desde o ponto de vista mais estrito, o Atlântico Sul relaciona três continentes de forma direta, sendo estes: América, África e Antártida, (marcados em vermelho no mapa mundi) e de forma indireta: a Europa, Ásia e Oceania (em preto). Además tiene amplios accesos, el norte (Atlántico Norte – 3.300 km), el oriental (Índico – 3.900 km) y el occidental (Pacífico – 900 km). El acceso sur (Océano Atlántico) es también amplio (Molina, 1995, p.12).[2]
Relação das Malvinas com o mundo. Elaboração própria.
A extensão atual da plataforma continental argentina inclui as ilhas Malvinas, Georgias e Sandwich do Sul, assim como as ilhas Orcadas do Sul e a plataforma correspondente à Argentina na Antártida, como vemos no seguinte mapa.
Plataforma Argentina. Fonte: http://www.elterritorio.com.ar/nota4.aspx?c=0989948472282109
No seguinte mapa podemos ver mais claramente a conformação espacial da parte sul da plataforma argentina.
Ilhas Malvinas, Georgias, Sandwich do Sul e espaços marítimos circundantes. Fonte: http://heraldicaargentina.com.ar/3-TF-IslasGeorgias.htm
Toda essa região caracteriza-se pela riqueza em recursos naturais: pesca, petróleo e nas ilhas, a produção de lã. Falamos, em suma, de importância geográfica, histórica, jurídica, econômica e estratégica. Tudo extremamente atraente.
A diferença do “descobrimento” do continente americano, nas ilhas Malvinas não havia populações originárias antes da chegada dos diferentes exploradores. As duras condições climáticas, a distância, e a falta de conhecimentos marítimos das populações continentais, mantiveram-nas desconhecidas até o século XVI.
O primeiro em esbarrar com as Malvinas teria sido Américo Vespucci[3], quem em 1502 teria chegado às ilhas depois de uma longa viagem desde Lisboa, a terceira dele, deveras. Aparentemente ele chegou às ilhas no dia 07 de abril de 1502. Contudo, suas descrições são pouco precisas e bastantes confusas. Apenas as descreve como “ásperas e não cultiváveis” (Molina, 1995, p. 129), o que – verdade seja dita – poderia ser o panorama de quaisquer das outras ilhas do arquipélago. Estas descrições tão pouco exatas, não lhe conferem a Américo (ou Alberico) o título indiscutível de primeiro descobridor. O mesmo acontece com Magalhães (expedição ao serviço da Espanha), que em 1520 faz alusão a uma paragem hostil, sem dar muito mais detalhe.
Aqui devemos fazer uma parada. O capitão do barco “Santiago” (da expedição de Magalhães), conhecido como Serrano, pode ter sido de fato o primeiro em avistá-las. Logo, Esteban Gómez, capitão do barco “Santo Antonio” ou “San Antón”, desertor de Magalhães, não só as avistou como fez reconhecimento territorial das ilhas, segundo relatórios de viagens da época. As ilhas começaram a ser chamadas então de “San Antón”, em homenagem ao barco que as descobrira, como era costume. Por algum tipo de erro de escritura ou de tradução, se conheceram depois como ilhas Sansão (Sansón em espanhol) (Molina, 1995, p.130).
Mas só 20 anos depois, em 1540 é que os especialistas parecem concordar no autor do descobrimento. Trata-se de Alonso Camargo, capitão da nave espanhola “Incognita” que partiu desde Sevilha e deu efetivas mostras de estar em frente das Malvinas. Segundo Goebel (1983) e Destefani (1982), Camargo é sinalado como o mais provável descobridor.
Por outra parte, em 1592, o inglês John Davis, a mando do “Desire” autoproclamou-se também descobridor das ilhas. Essa versão de Davis é duvidosa já que os detalhes das descrições da expedição além de imprecisos são especialmente controversos, porque apareceram depois dos relatos do holandês Sebalt de Weert, que por cujos relatos de 1600 é de fato, considerado como aquele que comprovou ser o primeiro em avistar as ilhas sem objeção de outros navegantes. Assim como Davis, outro inglês assegurou ter descoberto as ilhas: Richard Hawkind disse ter chegado nelas em 1594, mas só foi contar o sucesso depois de 1600, usando curiosamente as mesmas palavras de Sebalt de Weert.
Em um excelente trabalho de conclusão de curso, Campanha (2014) descreve com luxo de detalhes todas as pugnas pelo título de descobridor das Malvinas, que além do prestigio que significaria para o navegante e a sua trupe, evidencia a luta pela conquista dos mares das principais potências da época e a pressão competitiva, também produto das inúmeras inovações no continente europeu que foram fundamentais para a sua projeção no globo. Entre elas, Hooper e Bennett (1996) destacam as relacionadas com as armas, a organização militar: infantaria, cavalaria, as fortificações, o canhão, e muito importante para nosso trabalho: o entendimento da guerra naval e os instrumentos para navegar que possibilitaram chegar a todas as partes do globo. Se pensarmos, todos estes elementos configuram a geopolítica mercantil, monetária e financeira que permitiram a Europa transcender nos próximos séculos e levar adiante revoluções políticas, e industriais como não terão lugar em nenhum outro espaço do mundo. As conquistas da África e da América também são produto destes avanços. E nesse sentido, as Malvinas não escaparam a este palco de luta entre as potências.
Voltando ao assunto, Campagna (2014) assegura que:
El descubridor puede haber sido Américo Vespucio en 1502, o Esteban Gomes en 1520, o la expedición del Obispo de Plascencia en 1540. Lo que es realmente importante para este estudio es dejar en claro que “el hallazgo de las Malvinas fue hecho por los españoles, aunque falta determinar quién lo hizo”[4] (Campagna, 2014, p.28).
Neste sentido, as expedições com diferentes bandeiras continuaram por 130 anos, até que em 1730 as ilhas se tornam, pela primeira vez, de uma enorme importância estratégica.
Parte II: Discórdia entre Espanha e Inglaterra
Entrados os anos 1700, o Império espanhol e o britânico mantinham sérios conflitos comerciais. Inglaterra no sua necessidade de melhorar a sua situação econômica preparou duas expedições para América: uma destinada aos mares do sul, desde onde a pretensão era atacar Buenos Aires (ideia que encontrou espaço um século depois, em 1806 e 1807), e outra foi enviada às costas do Pacífico, desde onde se pretendia tomar Panamá. Não obstante, as rotas foram muito difíceis e os barcos ingleses decidiram mudar os planos iniciar e ancorar nas Filipinas, da onde voltaram para Inglaterra com um suculento botim.
Por esse então, o almirante Anson enviou uma carta à coroa inglesa, onde propunha como “prioridade absoluta para Inglaterra possuir uma base naval em algum ponto ao sul do Brasil”, pudendo ser este as ilhas Pepys ou Malvinas. Em 1749, Anson assume como Oficial executivo principal dos Almirantes e ordena imediatamente uma expedição. O embaixador espanhol soube e protestou a Londres, sendo essa a primeira vez que as Malvinas entram em discussão diplomática. Pela sua vez, Inglaterra respondeu que a expedição tinha apenas fins científicos. De qualquer forma, a permissão foi negada e como Inglaterra passava por problemas internos, não insistiu.
Por seu turno, França também atravessava graves problemas econômicos. A guerra dos Sete anos (1756-1763) havia custado muito caro. Sendo assim, a França tentava reconstruir seu império às custas da Espanha, que também andava mal de contas: Já tinha perdido Florida e o este do Mississipi. Vendo esta debilidade, a França desembarcou na ilha Soledad em janeiro de 1764, estabelecendo a primeira colônia que chamaram de Porto Louis, em honra ao rei francês Luis XV. Ali se instalaram 150 colonos. Como partiram do famoso porto francês de Saint Maló, os colonos foram logo conhecidos como os malouines, termo que rapidamente começou a ser usado popularmente e que por erro de tradução ou de oralidade, acabou sendo modificado pelos espanhóis que chamavam os habitantes malvinenses e, portanto, as ilhas: Malvinas.
Seis meses depois de saber da colônia, a Espanha começou as negociações com a França. O acordo resultou em uma indemnização da Espanha à França de 618 mil libras esterlinas em troca de eles abandonarem as ilhas. A partir de então os franceses nunca mais reclamaram nenhum direito sobre as ilhas.
Consequentemente, em 1767, o Império espanhol assume formalmente o controle sobre o Porto Louis, ao qual modifica o nome pelo de Porto Soledad, dependente agora da governação de Buenos Aires, a cargo de Francisco Bucarelli. Como governador da colônia foi nomeado Felipe Ruiz Puente.
By Felipe Ruiz Puente (Biblioteca Nacional de España) [Public domain], via Wikimedia Commons.

Mapa das ilhas Malvinas criado no 1º de abril de 1768 quando Felipe Ruiz Puente exercia como primeiro governador espanhol das ilhas (1767-1773), como parte do Vice-reino do Rio da Prata. Mapa de domínio público. Biblioteca Nacional da Espanha.
Apesar da tomada formal das ilhas por parte da Espanha, em 1764 a Inglaterra despachou em absoluto segredo, uma expedição no mando do Comodoro John Byron, que um ano depois se estabeleceu no noroeste da ilha e a batizou como Porto Egmont. Byron escreveu: “Tomo possessão deste porto e das ilhas adjacentes em nome da sua Majestade o rei Jorge III da Grã Bretanha e as nomeio Ilhas Falkland”. Até o momento, nada sabiam os ingleses sobre a colônia francesa. Em 1766 chegou outra expedição inglesa que no final desse ano se encontraria com os franceses.
Em vista desse cenário, em 1768 a corte espanhola exigiu ao governador de Buenos Aires, Francisco Bucarelli, que expulsara imediatamente os ingleses. Desde Montevidéu, Bucarelli organizou sua frota e no dia 10 de junho de 1768 os expulsou. Este ato foi tomado pela Inglaterra como uma ofensa à honra. Inglaterra e Espanha se prepararam então para a guerra. Espanha contava com o apoio da França, que trás o Pacto de Família, via-se obrigada a participar em favor. Mas, França não tinha nem interesse nem capacidade econômica para se envolver em outra guerra. Vendo estas dúvidas, Espanha decidiu negociar.
O rei espanhol, Carlos III concordou então devolver à coroa inglesa o porto Egmont, se eles respeitavam a soberania espanhola nas ilhas. Trás a assinatura do Acordo, Espanha fixou a sua soberania. Todavia, os ingleses só foram embora três anos depois, e não exatamente por terem respeitado o Acordo, senão porque uma profunda crise econômica os obrigou. Antes de partirem deixaram a seguinte placa de chumbo: “Saibam todas as nações, que as ilhas Falklands, com este forte, os armazéns, desembargadores, portos naturais, bahias e calhetas a ela pertencentes, são do exclusivo direito e propriedade de sua mais sagrada Majestade Jorge III, Rei da Grã Bretanha, França e Irlanda, defensor da fé, etc. Em testemunha pelo qual, se colocou aqui esta placa e as cores de sua Majestade Britânica que deixamos flameando como signo de possessão por S. W. Clayton, Oficial Comandante das Ilhas Falklands. AD. 1774”.
Esta plancha fue encontrada en 1775, por el piloto Juan Pascual Calleja, en una exploración a Puerto Egmont. Según cuenta en su investigación Paul Groussac, fue traída a Buenos Aires y guardada en los archivos del gobierno. Pero en 1806, luego de la toma de la ciudad en la primera invasión inglesa, alguien debió señalársela al general Beresford, quien la llevó a Inglaterra[5] (Campagna, 2014, p. 41).
Desde 1767 até 1811, o Império espanhol exerceu a administração absoluta e ininterrompida. Atuaram 18 governadores, anualmente enviava-se um barco com provisões desde Montevidéu e embora não houvesse colonos, havia sim população militar: oficiais e tropas, além de prisioneiros.
Resulta conveniente destacar que trás a Convenção de São Lourenzo ou Nootka Sound, de agosto de 1790, a Espanha e a Inglaterra põem fim aos enfrentamentos coloniais, tratado que repercute no conflito pelas Malvinas. Mediante este, os ingleses tinham permissão de comercializar no Pacífico, poderiam navegar e pescar livremente depois de dez léguas da costa. Aliás, ambos os países se comprometiam a não formar novas colônias e assumiam que aquilo ocupado, permaneceria em status quo. Portanto, a Inglaterra reconhece a soberania espanhola em todos os territórios americanos, por extensão, nas Malvinas também.
Durante esses anos começaram a se gestar os movimentos que propiciaram a Revolução de Maio de 1810 e posteriormente a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata em 1816. Foi por esse motivo que o governador de Montevidéu chamou as tropas malvinenses para lutar contra os rebeldes, deixando as ilhas vazias logo de 37 anos de ocupação indiscutida.
 
Parte III: A mão de Estados Unidos
Em 1820 o governo das Províncias Unidas do Rio da Prata deu a sua primeira mostra de soberania nas ilhas. Enviou a fragata “Heroína” a cargo do coronel Daniel Jewett, quem formalizou a possessão evocando o principio Uti Possidetis, que define a soberania territorial em base aos antigos limites administrativos coloniais. Por este principio ficava proibida a caça, pesca e extração de quaisquer recursos por buques ou entidades estrangeiras. Caso contrario, os infratores seriam levados para Buenos Aires.
Este decreto foi publicado nos Estados Unidos, na Espanha, França e Reino Unido, quem não protestou. Aliás, em 1825 vários países firmaram com as Províncias Unidas, Tratados de Amizade, de Comercio e Navegação, onde reconheciam a independência da jovem Argentina e de todos os territórios soberanos, incluindo as ilhas. Aqui também não houve queixas nem protestos britânicos.
Em 1823 foi designado como governador Pablo Arigueti, quem concedeu os direitos de exploração de animais e de pesca a Jorge Pacheco e Luis Vernte. Pacheco desistiu de viver na ilha enquanto Vernet, um francês nacionalizado argentino, estabeleceu-se nelas e foi nomeado o Primeiro Comandante Político e Militar das ilhas Malvinas.
 
Cuando por la gloriosa revolución del 25 de mayo de 1810 se separaron estas provincias de la dominación de la Metrópoli, la España tenía una posesión material en las islas Malvinas, y de todas las demás que rodean al Cabo de Hornos, incluso la que se conoce bajo la denominación de Tierra del Fuego, hallándose justificada aquella posesión por el derecho del primer ocupante, por el consentimiento de las principales potencias marítimas de Europa y por la cercanía de estas islas al Continente que formaba el Virreynato de Buenos Aires, de cuyo Gobierno dependían. Por esta razón, habiendo entrado el Gobierno de la República en la sucesión de todos los derechos que tenía sobre estas Provincias la antigua metrópoli, y de que gozaban sus virreyes, ha seguido ejerciendo actos de dominio en dichas islas, sus puertos y costas a pesar de que las circunstancias no han permitido ahora dar a aquella parte del territorio de la República, la atención y cuidados que su importancia exige, pero siendo necesario no demorar por más tiempo las medidas que pueden poner a cubierto los derechos de la República, haciéndole al mismo tiempo gozar de las ventajas que pueden dar los productos de aquellas islas, y asegurando la protección debida a su población; el Gobierno ha acordado y decreta:
 
Artículo 1°: Las islas Malvinas y las adyacentes al Cabo de Hornos en el Mar Atlántico, serán regidas por un Comandante Político y Militar, nombrado inmediatamente por el Gobierno de la República[6] (…) (Arquivo Geral da Nação Argentina, 1829)
Trás esse Decreto ressurge o interesse inglês nas ilhas encarnado na protesta do Cônsul Geral, Woodbine Parish.
Nesse ínterim, os pesqueiros não levaram à serio o aviso argentino que proibia a pesca para estrangeiros. Destarte, o governo das Províncias Unidas do Rio da Prata capturou três barcos de bandeira estadunidense: o Harriet, o Superior e o Breakwater. Esta ação teve consequências dramáticas para os interesses argentinos.
Para começar o Cônsul estadunidense, George w. Slacum reclamou ferventemente. Disse não reconhecer a autoridade de Vernet, desconhecer a soberania argentina na ilha e por isso rechaçava terminantemente a proibição de pesca e caça. Aliás, Slacum tinha pouco respeito pela nova nação. Prova disso é a correspondência que manteve com os ingleses onde se refere pejorativamente ao governo argentino, que chama de piratas e índios, entre outros termos. Ainda, recomenda a Inglaterra nunca renunciar a seus “legítimos” direitos e por último aconselha a seu próprio governo “aumentar imediatamente nossas forças neste Rio” (do Prata).
O governo estadunidense ouviu e em dezembro de 1831 chegou às Malvinas no buque Lexington ostentando bandeira francesa. Fez prisioneiros e os deixou em Montevidéu, declarando as ilhas Res Nullis, ou seja, livre de todo governo.
O protesta de Buenos Aires não demorou. Exigiu que Slucum fosse substituído e suspendeu qualquer contato com ele. Estados Unidos mudou de representante. Colocou em seu lugar a Frances Baylies, cujo mérito foi agravar os erros de seu predecessor. Isto levou à ruptura das relações entre Argentina e Estados Unidos por 11 anos.
Resulta interessante saber o quê pensava o governo estadunidense da Argentina por aqueles anos. Assim, por exemplo, escrevia Baylies ao Secretário Livingston em uma carta do dia 24 de julho de 1832, com o selo “PRIVADO & CONFIDENCIAL”:
Senhor, é uma verdade e uma tristeza que as pessoas destas regiões não tenham ideia desse sentimento que nós chamamos de amor pelo país. A tarefa do governo é um trabalho e os cargos são considerados como uma classe de emprego feito para se enriquecer, uma sorte de licencia para receber propinas. Não há nem consistência, nem estabilidade, ou liberdade alguma nesta República Argentina. As revoluções destas gentes são insurgências. Seus saberes são as chicanas e o engano (chicanery and trick), seu patriotismo uma fanfarronice, sua liberdade uma farsa; uma tribo de índios bem organizada tem melhores noções de lei nacional, direitos populares e política interna[7] (Manning, 1925, p.135).
Enquanto essas confidências davam volta, Argentina tentava organizar a sua vida política e econômica e exercer a sua soberania nas ilhas. Em 1832 mandou ao Major Esteban Mestivier à bordo do “Sarandí”, como novo governador das Malvinas. Estados Unidos opinou que este era um ato de “negação direta” dos direitos ingleses e ademais muito “ineficaz”.
Realmente, foi muito ineficaz. Uma rebelião das tropas argentinas acabou no assassinato do Major Mestivier. Em seu lugar foi enviado José Maria Pinedo, que uma vez que instaurou a ordem foi nomeado governador.
Toda esta situação de instabilidade da Argentina era propicia para Inglaterra. Argentina era um país novo, desorganizado, com inúmeros problemas internos. As ilhas estavam ocupadas por uns poucos argentinos, cuja capacidade defensiva não poderia jamais lidar com a ofensiva inglesa.
Assim sendo, em dezembro de 1833, Pinedo e os habitantes argentinos foram expulsos trás o arribo a Porto Egmont da corveta Clio e mais tarde do Tyne.
Nesse mesmo momento começa o reclamo argentino. O representante nacional perante o governo inglês, Manuel Moreno formalizou a Protesta, datada em 17 de junho de 1833.
 
Las Provincias Unidas del Río de la Plata, como comunidad política independiente, reconocida por Gran Bretaña y otros estados, sucedió a España en los derechos territoriales de ésta en esa jurisdicción. Las Malvinas habían sido claramente patrimonio de la Corona española. Por lo tanto, dado que la soberanía española sobre las islas había cesado por la independencia de sus territorios en América, Gran Bretaña no tenía derecho a reclamo alguno, por derechos ya extinguidos[8] (Pearl, 1983, p.318).
Nenhum dos reclamos que a Argentina levou adiante desde então, conseguiram que cessasse a ocupação inglesa, que desde 1833 é ininterrompida.
 
Considerações finais
As teorias mainstream das Relações Internacionais podem nos guiar para pensar rapidamente sobre o conflito das ilhas Malvinas. Por exemplo, desde a perspectiva realista hobbesiana poderíamos argumentar que “ganhou” o mais forte. Inglaterra sem duvida conta não só com uma capacidade bélica e organizativa muitíssimo superior à Argentina, mas, além disso, com a simpatia dos EUA, que desde o primeiro momento do conflito se mostrou defensor dos interesses ingleses. De fato, a relação da Argentina com os EUA sempre foi problemática. Os únicos momentos da historia em que não foram tão instáveis, se deveu às praticas de governos argentinos super neoliberais, que não demoraram em levar o país às crises mais profundas e violentas da sua historia.
Já desde a perspectiva construtivista poderia se pensar que o reclamo argentino, a sensação de injustiça, poderia gerar aliados (como foi o Brasil e outros países latino-americanos durante a Guerra de 1982, com a exceção do Chile provavelmente) para que pelo menos se abra o dialogo em questões práticas, como a exploração de recursos. A problemática das Malvinas geraria, assim, uma razão a mais para enlaçar sentimentos regionalistas, pois se entende que a permanência de uma potência como Inglaterra e seu aliado, os EUA, são uma ameaça não só para a Argentina, mas para os interesses de soberania da América do Sul. Neste sentido, separo América do Sul de América Latina pelo óbvio poder que os EUA detêm na sua área de influencia: México e Caribe.
Seguindo nas nossas elucubrações, provavelmente as diferentes versões do institucionalismo liberal concordariam na recomendação de que Argentina use os mecanismos do Direito Internacional para tentar chegar a um avanço. Nesse sentido, as Organizações Governamentais Internacionais (OIGs) seriam o melhor palco para a solução da controvérsia. Contudo, já sabemos que neste âmbito Argentina tem poucas chances (senão nenhuma) de que alguma vez, haja alguma resolução em seu favor.
Por outro lado, existe uma questão fundamental, da qual ainda nada mencionamos, mas que é uma das grandes cartas que a Inglaterra usa para tentar legitimar a sua tradição usurpadora. Os habitantes das Malvinas, os kelpers, não querem ser argentinos (a maioria até os despreza abertamente), são a favor da soberania inglesa e tem raízes profundas com a cultura e visão de mundo da Inglaterra. Destarte, a rama das Relações Internacionais que preza pelo valor da cultura e liberdade dos povos diria que os kelpers têm direito a decidir se querem ser argentinos, ingleses, ou livres dos dois. O argumento da Argentina é que os kelpers não podem ser considerados imparciais, nem justos, já que são filhos, netos e bisnetos dos usurpadores.
Poderíamos seguir pensando em outras teorias, como as latino-americanas, que pensam sobre a estrutura das nossas sociedades e a nossa inserção no mundo; poderíamos pensar nas teorias da Economia Política Internacional, que focam mais no triangulo entre comercio, finanças e guerra; poderíamos pensar nas teorias que explicam o avanço do capitalismo e com isso as relações de propriedade e violência no Sistema Internacional, chegaríamos provavelmente às teses sobre o Imperialismo, onde encontraríamos várias explicações para o conflito das Malvinas.
Em todas estas teorias (e desafio o leitor a pensar uma em que não) os interesses da Argentina não encontrariam um caminho para ganhar essa luta. Incluso já existem alguns trabalhos de intelectuais argentinos que nos aconselham esquecer as Malvinas argumentando com a pergunta: “o que faremos com as ilhas se as tivermos de volta?” Ou seja, seria mais um problema para a nossa já problemática existência como país.
Contudo, e trazendo novamente as palavras do genial Gilberto Molina (1995), o sentido de consciência histórica permeia o povo argentino. As Malvinas continuarão a ser vistas como uma causa nacional, uma força que nos une. Tal vez, os argentinos estamos precisando de um líder que saiba avançar na causa.
* O seguinte artigo está baseado no texto publicado em 2012 no blog Pauta Global https://pautaglobal.wordpress.com/2012/04/01/las-islas-malvinas-antes-de-la-guerra/
Referências
CAMPAGNA, Juan Cruz. Valor geoestratégico de las Islas Malvinas en la distribución de poder a principios del siglo XXI. Tesina de Grado. Universidad Nacional de Cuyo. Facultad de Ciencias Políticas y Sociales, Ciencia Política y Administración Pública. Mendoza, 2014. Disponible: http://bdigital.uncu.edu.ar/objetos_digitales/6135/tesis-fcpys-campagna.pdf
CISNEROS, Andrés. ESCUDÉ, Carlos. Historia General de las Relaciones Exteriores de la Argentina. Editorial Iberoamérica, pp 41
Decreto de creación de la Comandancia Civil y Militar, Buenos Aires, 10 de junio de 1829. Archivo General de la Nación. Disponible en: http://servicios.abc.gov.ar/docentes/efemerides/2deabril/descargas/historia/decreto_comandancia.pdf
DESTEFANI, Laurio H. Malvinas Georgias Y Sandwich Del Sur ante el Conflicto con Gran Bretaña. Buenos Aires 1982, pp 80-81
GOEBEL, Julius (hijo). La pugna por las Islas Malvinas. Un estudio de la historia legal y diplomática Editorial: Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires, Secretaría de Cultura; Buenos Aires, 1983.
HOOPER, Nicholas; BENNETT, Matthews. The Cambridge illustrated Atlas: Warfare The Middle Age 768-1487. Cambridge: University of Cambridge, 1996.
MANNING, William Ray. Diplomatic Correspondence of the United States Concerning the independence of the Latin-American nations. New York: Oxford University Press, 1925. Disponível em: https://archive.org/details/diplomaticcorres01mann Citado também em http://www.argentina-rree.com/3/3-039.htm
MOLINA, Gilberto. Reflexiones sobre la Guerra de Malvinas. Córdoba: Editorial Pampa de Olaén, 1995.
PERL, Raphael. The Falklands Islands Dispute in International Law and Politics: A Documentary Sourcebook. Dobbs Ferry, New York: Oceana Publications, 1983, pp 318-319
[1] Tradução nossa: Perdemos uma batalha, não a guerra, tem se dito e repetido muitas vezes na história, em alguns casos por via do consolo. Mas, a expressão, como outras da mesma índole e igual nas intenções, revela certo grau de um estado de continuidade histórica e crítica. Na Argentina não temos abandonado a ideia da recuperação das ilhas Malvinas como um vibrante e permanente objetivo nacional. Este culto já tem cumprido com muito 150 anos de ininterrompida vigência. O povo argentino não abandona nem abandonará sua tese reivindicatória e a recente guerra tem exaltado esses sentimentos. É com muita frequência que escutamos em nossos lares, nas ruas e nas praças, nas oficinas e nos mercados, em todo tipo de reunião ou em um simples encontro: Outra vez será. Os pais dizem a seus filhos, e os futuros pais repetiram o mesmo no seu tempo certo. Eu não consegui, mas meus filhos conseguiram. Ou meus netos ou meus bisnetos. Mas um dia as ilhas voltaram a ser nossas. Ninguém duvide, já temos falado.
[2] Tradução nossa: Aliás, tem amplos acessos: o norte (Atlântico Norte – 3.300 km), o oriental (Índico – 3.900 km) e o ocidental (Pacífico – 900 km). O acesso sul (Oceano Atlântico) é também amplo.
[3] Dado curioso: Molina (1995) revela trás uma fascinante pesquisa, que o verdadeiro nome do navegante teria sido Alberico e não Américo, como passou à imortalidade (Ou seja, nosso continente deveria se chamar Albérica e não América).
[4] Tradução nossa: O descobridor pode ter sido Américo Vespucio em 1502, ou Esteban Gomes em 1520, ou mesmo a expedição do Obispo Plascencia em 1540. O que realmente é importante é deixar em claro que ‘o descobrimento das Malvinas foi feito pelos espanholes, embora ainda falte determinar por quem deles’.
[5] Tradução nossa: Esta placa foi encontrada em 1775 pelo piloto Juan Pascual Calleja, em uma exploração a Porto Egmont. Segundo Paul Groussac conta na sua investigação, foi levada para Buenos Aires e guardada nos arquivos do governo. Mas em 1806, logo da tomada da cidade na primeira invasão inglesa, alguém deve tê-la assinalado para o general Beresford, quem levou a placa para Inglaterra.
[6] Tradução nossa: Quando pela gloriosa Revolução de Maio de 1810 separaram-se estas províncias da dominação da Metrópole, a Espanha tinha a possessão material das Ilhas Malvinas e de todas as demais que rodeiam o Cabo de Fornos, incluso aquela que é conhecida como a Terra do Fogo, tendo-se justificado por isto a possessão pelo direito do primeiro ocupante, pelo consentimento das principais potências marítimas da Europa e pela cercania destas ilhas ao Continente que formava o Vice-Reino de Buenos Aires, de cujo governo dependia. Por esta razão, e tendo o governo da República entrado na sucessão de todos os direitos que tinha sobre estas Províncias a antiga Metrópole, e de que gozavam seus vice-reis, tem seguido exercendo atos de domínio em ditas ilhas, seus portos e costas, apesar de que as circunstâncias não têm permitido dar a aquela parte do território da República, a atenção e cuidados que sua importância exigem, mas sendo necessário não demorar por mais tempo nas medidas que podem expor os direitos da República, fazendo-o ao mesmo tempo desfrutar das vantagens que podem das os produtos de aquela ilha, e assegurando a proteção devida a sua população; o Governo tem acordado e decreta: Articulo 1º: As ilhas Malvinas e as adjacentes ao Cabo de Fornos no Mar Atlântico, serão regidas por um Comandante Político e Militar, nomeado imediatamente pelo Governo da República (…).
[7] Tradução nossa do espanhol ao português. Fonte primaria cartas desde Argentina para EUA: MANNING, W. (1925). Fonte secundaria: Ministério de Relações Exteriores da República Argentina (2017).
[8] Tradução nossa: As Províncias Unidas do Rio da Prata, como comunidade política independente, reconhecida por Grã Bretanha e outros estados, sucedeu a Espanha nos direitos territoriais desta jurisdição. As Malvinas haviam sido claramente patrimônio da Coroa espanhola. Portanto, como a soberania espanhola sobre as ilhas cessou pela independência de seus territórios em América, Grã Bretanha não tinha direito a reclamo algum, pelos direitos já extinguidos.
Laura Emilse Brizuela é doutoranda em Economia Política Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEPI-UFRJ), mestre em Relações Internacionais na Universidade do Estado de Rio de Janeiro (PPGRI-UERJ) e jornalista pela Universidad de Palermo (UP), Buenos Aires. Laura Brizuela é argentina com residência permanente no Brasil, investiga a relação Argentina-Brasil, a questão sul-americana e a inserção da região no Sistema Internacional.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353