Relações Índia e Guiana: um estudo de caso sobre a inserção indiana na América do Sul
Edição Especial: Ásia
Volume 11 | Número 113 | Nov. 2024
Por Ana Clara Bernardes Guersoni, Guilherme Domingues Fritz e Thiago Botelho Iecker
INTRODUÇÃO
No sistema internacional, os Estados são as principais unidades de poder, pois conseguem se constituir territorialmente e coagir — seja pela força ou pela conveniência — as populações dentro de suas fronteiras. Nessa lógica, olhar as estratégicas dos Estados é um ponto de partida fundamental para compreender as relações de poder e o equilíbrio sistêmico. Nesse ínterim, a Índia, uma potência intermediária, destaca-se no século XXI devido ao seu crescimento econômico contínuo (WORLD BANK, 2024). A partir dessa emergência, notam-se duas consequências: 1) uma maior influência do país no cenário internacional; 2) o alto investimento em indústrias e desenvolvimento, resultando em uma elevada demanda por energia.
Apesar dos esforços da Índia em promover um crescimento econômico alinhado à sustentabilidade, os subsídios ao setor de óleo e gás aumentaram 63% entre 2022 e 2023 (RAIZADA; SHARMA; LAAN; JAIN, 2024). Essa dinâmica reflete uma crescente demanda indiana por energias não renováveis, essenciais para sustentar seu crescimento econômico. Diante desse contexto, o crescimento da Índia se relaciona, diretamente, com a geopolítica do petróleo. Nesse cenário, um novo ator assume um papel essencial na oferta do combustível: a Guiana. Recentemente, foram descobertas jazidas em seu território, o que elevou significativamente o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país, tornando-o o terceiro maior produtor de petróleo não membro da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP). Sendo assim, a necessidade indiana e a oferta guianesa, somado a um passado em comum entre os dois territórios relacionados à diáspora indiana, sugere que a Guiana possa converter-se em um parceiro estratégico para a Índia.
Nesse sentido, surge o questionamento: dada a necessidade de obtenção de recursos energéticas, quais são as estratégicas de projeção internacional da Índia para assegurar a continuidade da sua ascensão? Para responder a essa questão, este estudo assume a hipótese de que a Índia, devido à sua necessidade energética, vem exercendo uma política externa ativa sobre a Guiana, marcada por concepções geopolíticas próprias. A teoria dos círculos concêntricos será utilizada como marco teórico, analisando as implicações da política externa indiana no círculo mais distante, na América do Sul. Além disso, serão consideradas as relações históricas entre Índia e Guiana, a partir de publicações feitas acerca dos temas e também a partir de dados econômicos.
Assim, o presente artigo pretende esclarecer o passado em comum entre os dois países e como as realidades e expectativas econômicas atuais podem criar condições para uma aproximação. O mediador dessa relação é o petróleo, em um cenário específico da conjuntura internacional. Para tal fim, o artigo está estruturado em cinco seções: marco teórico; relação histórica entre os países; importância energética; relações bilaterais entre os países e, por fim, a conclusão.
1 MARCO TEÓRICO
Nas teorias de Relações Internacionais, o Estado é uma unidade de análise central. Dentre os Estados, as grandes potências recebem maior peso explicativo na dinâmica internacional. Contudo, ao refletirmos criticamente sobre o lugar ocupado pelas potências, percebemos que algumas dessas teorias, especialmente as de matriz realista, não conseguem abarcar todas as perspectivas, a exemplo daquelas pertencentes à posição das potências intermediárias nesse processo (SENNES, 2001).
No que diz respeito à posição do Estado no contexto internacional, este pode adotar diferentes estratégias políticas diante das interferências estrangeiras, com o intuito de exercer poder internacional (RODRIGUES JUNIOR, 2016). A teoria dos círculos concêntricos decorre da estratégia política de que um país reage de diferentes formas, dependendo da proximidade entre a área de atuação e seu nível regional. Dividida em três círculos interdependentes —relações imediatas, macrorregionais e mundiais (RODRIGUES JUNIOR, 2016) — essa teoria permite uma aplicação interpretativa às influências históricas, econômicas e políticas entre a Índia e a Guiana.
No caso indiano, a teoria pode ser aplicada da seguinte forma: o primeiro círculo é aquele em que o país busca exercer influência imediata e direta, englobando as regiões fronteiriças, ou seja, seus vizinhos (SENNES, 2001). O segundo círculo abrange o aspecto macrorregional, destacando o continente asiático. Nesse nível, o país busca exercer sua influência diante de outros atores relevantes, como a China, firmando parcerias regionais de interesses militares e marítimos para afirmar seus interesses (RODRIGUES JUNIOR, 2016). Por fim, em uma esfera mais distante, encontra-se o círculo mundial, no qual a Índia tem o interesse de se consolidar como uma potência internacional relevante nas discussões globais e com poder para impor seus interesses. Dessa forma, existe uma tentativa indiana de engajar com países do Norte e do Sul Global no âmbito das organizações multilaterais (RODRIGUES JUNIOR, 2016) e exercer influência em região externas à sua, como é o caso da América do Sul.
Este artigo foca no círculo global, analisando como a Índia projeta seus interesses em áreas mais afastadas de seu perímetro, mais especificamente no contexto de segurança energética, buscando autonomia, segurança e projeção internacional. Devido à abundância de recursos energéticos, a América do Sul torna-se uma região atrativa e, devido às conexões históricas e às recentes potencialidades das relações comerciais, a Guiana, em especial, merece destaque analítico.
2 GUIANA E ÍNDIA, UM PASSADO EM COMUM
A teoria dos círculos concêntricos sugere que a distância entre os Estados configura um tipo de relação distinta em comparação aos Estados mais próximos. Contudo, Índia e Guiana possuem uma conexão histórica que provém do período colonial, e é esse elo que buscaremos resgatar para sustentar os motivos de aproximação entre ambos os países. Entendemos, portanto, o passado em comum como uma justificativa facilitadora para relações presentes.
Durante o período de colonização, a estrutura econômica e social guianesa era sustentada por mão de obra escravizada proveniente do continente africano, alocada em plantations voltadas para produção e exportação de açúcar (RODNEY, 1981). Em 1838, os ingleses aboliram a escravidão na Guiana. Para garantir o suprimento de mão de obra, uma medida adotada pelos colonizadores foi a criação de um sistema chamado Indentureship, que consistiu na contratação de imigrantes para compor a força de trabalho entre 1838 a 1947. Parte desses migrantes eram indianos, principalmente de Uttar Pradesh, Bihar, Bengal, Chennai, Punjab, Haryana e Rajastão (HARRY, 2024).
Dentre as razões para os indianos comporem essa camada de imigrantes levados à Guiana, estão, primeiro, a presença do governo britânico na Índia, que se estendeu de 1858 até 1947. O cenário de fome e miséria, em parte da Índia, proporcionou um atrativo para que os indianos aceitassem ir para um novo território, a partir de promessas de uma vida melhor (HARRY, 2024). Assim, em 1838, os dois primeiros navios encarregados pela viagem levaram cerca de 414 indianos até a Guiana. Esse número é provavelmente maior, pois os passageiros contabilizados eram apenas de indianos com documentos (HARRY, 2024).
Como consequência, o sistema de Indentureship configurou um golpe na capacidade de mobilização dos escravos recém-libertos, pois criou um excedente de mão de obra capaz de minar os esforços da classe e, ao mesmo tempo, manter o sistema de plantations à baixos custos de produção. O cenário de disputa por empregos e recursos resultou em uma divisão racial da sociedade guianesa, com origem material nos manejos do imperialismo britânico (RODNEY, 1981). Em 1950, foi criado o People’s Progressive Party (PPP), primeiro partido político da Guiana, que pretendia mediar as tensões. A composição do partido buscou criar uma espécie de unidade nacional a partir das representações étnico-raciais de seus membros. Porém, os colonizadores instigaram o conflito dentro do partido criando uma cisão, e o PPP passou a ser um partido predominantemente indo-guianês (HARRY, 2024).
Atualmente, a dinâmica política da sociedade guianesa ainda carrega as tensões do período colonial, construindo uma trajetória que liga diretamente os dois países-chave. Atualmente, cerca de 39,8% da população da Guiana é composta por descendentes de indianos (GUYANA, 2016) e o atual presidente, Irfaan Ali, é um indo-guianês.
3 GEOPOLÍTICA DA ENERGIA
Diante da história que entrelaça Índia e Guiana, torna-se necessário investigar as razões que tornam o petróleo relevante para ambos os Estados. Tendo esses fatores em vista, em uma retrospectiva histórica, os Estados Unidos tiveram seu boom de exportação de petróleo no pós-Segunda Guerra. Esse cenário teve como antecedentes o fim do racionamento de combustível e os novos incentivos fiscais fornecidos às companhias exploradoras, a fim de encontrar novas áreas petrolíferas, fatores que garantiram um aumento na procura para fins comerciais e industriais (YERGIN, 1991).
Nesse contexto, em 1945, Franklin Roosevelt encontrou-se com o rei Abdul Aziz Ibn Saud, da Arábia Saudita. O objetivo era a negociação de proteção do reino saudita pelas forças americanas em troca da comercialização de barris de petróleo a preços moderados (SILVA, 2005). O consenso entre ambos os países estimulou o desenvolvimento da indústria do petróleo no Oriente Médio e estabeleceu a região como o principal eixo energético até hoje, com 64% das reservas de petróleo mundial (SILVA, 2005).
Ao longo do século XX, alguns dos principais conflitos tiveram correlação com a geopolítica do petróleo e se desenvolveram, necessariamente, entrelaçados com questões do médio oriente. Um exemplo foi a Guerra dos Seis Dias[1], em 1967, que mostrou como o quesito energético passou a ser um importante fator em discussões geopolíticas e de segurança. Dessa forma, o que se destaca em Silva (2005) e Fiori (2004) é a tentativa do Ocidente em estabelecer relações harmônicas com a região do Oriente Médio, ao passo que a força hegemônica mundial, os Estados Unidos, passou a interferir cada vez mais política e militarmente na região para garantir a segurança energética e a continuidade do abastecimento mundial. Com o petróleo e gás sendo os principais recursos energéticos nas importações de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Reino Unido, a reconfiguração da ordem mundial se postulou por meio de uma coligação formada por países centrais, os quais necessariamente precisam dos recursos energéticos vindo do Oriente Médio (FIORI, 2004).
No início do século XXI, por sua vez, houve uma alteração no tabuleiro geopolítico mundial com dois novos atores ascendentes, que passaram a exercer uma nova pressão na disputa por recursos energéticos. China e Índia são hoje dois players a serem contabilizados na dinâmica global de importação e busca por petróleo. Ambos os países tiveram e continuarão a ter crescimento exponencial, sugerindo a inserção de ambos no panorama geopolítico do petróleo que “está a influenciar a economia, o modelo energético, a diplomacia, o sistema de alianças internacionais” (SILVA, 2005, p.13). A Índia, a quinta maior economia do mundo e casa de 16% da população mundial, possui apenas 0,4% das reservas de petróleo, tornando-a, atualmente, dependente de acordos de importação (MIATO, 2024). Isso leva o gigante asiático, que visa expandir cada vez mais sua capacidade de produção e garantir a continuação do desenvolvimento econômico, a entrar na disputa pelo petróleo.
Ademais, a Índia é o terceiro maior importador de petróleo do mundo (AGÊNCIA PETROBRAS, 2022) tendo, em 2022, cerca de 52% do produto vindo de países do Oriente Médio (MIGLANI, 2022). Nesse sentido, os gigantes asiáticos têm aumentado sua ofensiva diplomática e econômica em regiões que suprem sua carência energética, como Ásia Central e América Latina. Se no século XX, os conflitos foram marcados pela interferência do Ocidente na região do Oriente Médio, a mudança das relações econômicas com o fortalecimento dos acordos entre o Sul Global faz surgir uma nova dinâmica para o sistema econômico mundial. No século XXI, o que se verifica é a formação de um novo espaço de disputa envolvendo velhos e novos países no embate pelo consumo de energia.
Os Estados Unidos estão disputando com a China e com a Índia todos os territórios com excedentes energéticos atuais ou potenciais. E esta competição está se transformando num novo triângulo econômico, complementar e competitivo, a um só tempo, que está cumprindo uma função organizadora e dinamizadora de várias regiões e economias nacionais, através de todo o mundo, incluindo a América do Sul e a África (FIORI, 2004, p.47).
No que diz respeito à Guiana, o país sul-americano é o segundo Estado mais pobre da América do Sul, considerando os valores do PIB (WORLD BANK, 2024b). Porém, as descobertas recentes de petróleo vêm proporcionando um crescimento econômico acelerado. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o país deverá ter um crescimento de 33.9% do PIB real em 2024, o maior percentual da América do Sul (NEWS ROOM, 2024). Em 2015, a empresa estadunidense, Exxon Mobil Corporation, anunciou as primeiras reservas significativas de petróleo na costa da Guiana, no campo de exploração Liza-1 (EXXONMOBIL, 2024).
Desde 2020, o petróleo cru é o principal produto de exportação do país, conformando os seguintes percentuais de pauta exportadora: 2020 (44,2%), 2021 (71,5%) e 2022 (85.9%) (OEC, 2024). A emergência do petróleo na realidade econômica da Guiana também representa um aumento vertiginoso do PIB do país, que observado na mesma temporalidade apresenta crescimento percentual da seguinte ordem: 2020 (43,3%), 2021 (20,1%) e 2022 (63,4%) (WORLD BANK, 2024c). O país ostenta o maior crescimento percentual do PIB per capita da América do Sul (WORLD BANK, 2024d), considerando os anos de 2020, 2021 e 2022: 43,8%, 19% e 62,5%[2].
4 A ATUALIDADE DAS RELAÇÕES BILATERAIS
Diante do contexto da geopolítica do óleo e gás, a segurança energética é fundamental para um Estado que busca o desenvolvimento econômico, principalmente em um país com mais de 1 bilhão de pessoas. A postura indiana indica uma proposta de governança a nível global, o que, por sua vez, precisa estar apoiada por bases materiais robustas. Narendra Modi, Primeiro-Ministro da Índia, pretende expandir a economia indiana para um valor de US$6.69 trilhões, em valores nominais, até 2030 (SINGH, 2024), mas atrelando o crescimento econômico ao processo de descarbonização (ECONOMIC TIMES, 2024). No entanto, a realidade concreta das capacidades indianas não permite, ainda, desvencilhar-se da utilização de combustíveis fósseis, o que inclui o petróleo.
A despeito do discurso e da participação crescente de energias renováveis na economia indiana, os subsídios ao petróleo permanecem relevantes. Segundo o International Institute for Sustainable Development, os subsídios aos combustíveis fósseis na Índia diminuíram cerca de 59% entre 2014 e 2023, porém, por conta da crise energética de 2022, após a invasão da Rússia à Ucrânia o país voltou a aumentar os subsídios, a fim de controlar os preços e manter a economia estável (RAIZADA; SHARMA; LAAN; JAIN, 2024).
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), a Índia será a principal fonte de demanda de petróleo até 2030, devido à combinação entre a expansão econômica e o grande nível populacional (IEA, 2024). O crescimento industrial indiano é um dos fatores específicos que impulsionam o aumento da demanda, não apenas por conta do abastecimento energético, mas também devido aos derivados do petróleo. Assim, os dados demonstram uma Índia que visa avançar para energias renováveis, mas ainda se encontra dependente de energias vindas do petróleo.
É justamente essas considerações que aproximam, no presente, Índia e Guiana, já que o crescimento da demanda indiana sugere a existência de uma oferta adequada de fontes energéticas. Além disso, a diversificação de parceiros comerciais é fundamental, principalmente em um contexto de tensões globais em regiões exportadoras de petróleo. O fato de a Guiana emergir com uma nova fonte de petróleo para o mercado mundial possibilita não apenas o fornecimento do produto e a diversificação de parceiros, mas também representa o aumento da presença indiana na América do Sul. Essa presença, por sua vez, sugere a inclinação rumo ao objetivo em expandir a influência indiana ao nível global (NARLIKAR, 2024).
O passado que conecta Índia e Guiana também se torna um fator relevante, sobretudo por conta de uma característica da política externa dos governos do atual Primeiro-Ministro Narendra Modi. Este tem por padrão agir de forma personalista, criando laços com lideranças mundiais, o que inclui o presidente da Guiana, Irfaan Ali (PANT; JOSHI, 2024).
Com as descobertas do petróleo, a Guiana passou a ter um destaque ímpar no cenário geopolítico. A matéria-prima continua sendo uma mercadoria estratégica para o setor energético, mesmo em um período de “consenso da descarbonização” (BRINGEL; SVAMPA, 2023, n.p.). Além do impacto na economia interna, a Guiana passa a ter uma relevância maior nas agendas de política externa de outros países, o que inclui a Índia.
No dia 21 de maio de 2024, a U.S. Energy Information Administration publicou um breve artigo em que colocava a Guiana como uma contribuinte-chave no crescimento do suprimento de petróleo cru no mundo, conformando uma produção de 645.000 barris por dia, sendo o terceiro maior país em termos de variação na produção de petróleo entre países que não são membros da OPEP (MUNOZ-CORTIJO; ARNAL, 2024). As estimativas mais recentes consideram que as reservas possuem um potencial de mais de 11 bilhões de barris e, em 2023, foi o país com o maior número de descobertas de novas reservas no mundo (G1, 2024). Essas representações numéricas que permitem uma abordagem mais robusta sobre o papel que a Guiana pode desempenhar na economia mundial e, especificamente, nas relações com a Índia. De forma simplificada, o desenho apresenta-se como a Guiana sendo uma fonte de oferta, enquanto a Índia conforma uma larga demanda.
Nessa linha, no dia 5 de janeiro de 2024, um memorando de entendimento foi assinado entre Índia e Guiana. A proposta tem validade de cinco anos e busca aprofundar o relacionamento entre os países no que tange o setor de óleo e gás, o que inclui a exportação de óleo cru pela Guiana, a participação de empresas indianas nas atividades de exploração, fortalecimento das relações comerciais bilaterais, colaboração no desenvolvimento de políticas regulatórias para o setor e cooperação na área de energias renováveis (PMINDIA, 2024).
Em fevereiro de 2024, ocorreu a Guyana Energy Conference & Supply Chain Expo (GEF, 2024), que reuniu representantes da indústria do petróleo, mas também lideranças políticas, principalmente dos países caribenhos. Na ocasião, Narendra Modi fez um discurso que relacionava a segurança energética como ponte essencial para o desenvolvimento econômico, principalmente para os países do Sul global. O discurso também ressaltou a importância da mudança na matriz energética, mas como uma “transição suave” (GUYANA CHRONICLE, 2024). Esse tipo de discurso carrega uma estratégia que combina as pretensões de ambos os países, pois o que se pretende, aparentemente, é, no caso da Guiana, utilizar a renda do petróleo como meio para a modernização do país, o desenvolvimento de infraestruturas e diversificação econômica. Já para a Índia, a Guiana representa uma oportunidade em diversificar os fornecedores de combustível e garantir reservas energéticas, enquanto as empreitadas de substituição da matriz poluente operam paralelamente, sem que o crescimento econômico seja comprometido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No sentido de projeção do poder, a Índia é uma potência intermediária, ou seja, tenta ambiciosamente ter uma maior influência no sistema internacional, expandindo o seu perímetro de atuação. Em razão do seu crescimento acelerado, o país tenta se impor como uma liderança do Sul Global, buscando projetar sua influência e fortalecer sua posição no cenário internacional em todos os círculos concêntricos. Parte dessa estratégia envolve a busca por garantir fontes energéticas, especialmente em um momento em que o mundo caminha em direção à descarbonização, com países desenvolvidos pressionando pela adoção de novas energias renováveis.
Vale ressaltar que a postura de ambos os países possui semelhanças com espírito terceiro-mundista no que se refere a superação do subdesenvolvimento. Mesmo em outro contexto histórico, em que o termo “Terceiro Mundo” caiu em desuso, os objetivos que levaram a coalizão entre os Estados situados na periferia do sistema capitalista ainda permanecem vigentes, visto que a assimetria material ainda é central, de tal forma que a agenda do desenvolvimento econômico e da sustentabilidade se sobrepõem. A realidade indiana é diametralmente distinta da guianesa, contudo suas lideranças permanecem utilizando termos que aproximam as agendas de ambos os países, notadamente o Sul Global, o que proporciona uma carga ideológica que fortalece a aproximação e o apoio mútuo entre os países.
Nesse cenário, os últimos acordos entre Índia e Guiana adquirem uma importância estratégica significativa. Para a Índia, a importação do petróleo guianês é essencial para sustentar suas necessidades energéticas, mantendo sua economia em crescimento. Para a Guiana, a exportação do petróleo representa uma oportunidade de desenvolvimento econômico, gerando receitas e fortalecendo sua presença no mercado global.
Ao defender a exportação do petróleo da Guiana, a Índia não apenas busca garantir sua segurança energética, mas também busca se posicionar como uma liderança, mostrando solidariedade e cooperação com outras nações em desenvolvimento. Essa associação estratégica entre os dois países, portanto, vai além de interesses econômicos imediatos, refletindo uma tentativa mais ampla da Índia de consolidar sua posição como um ator global relevante em um mundo em transição energética.
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SINGH, Sarita Chaganti. Exclusive: Modi sets ambitious India economic goals for probable third term. Reuters, 04 abr. de 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/world/india/modi-sets-ambitious-india-economic-goals-probable-third-term-2024-04-04/. Acesso em: 17 set. de 2024.
SILVA, António Costa. A luta pelo petróleo. Relações Internacionais, v. 6, p. 5-18, 2005.
YERGIN, Daniel. The postwar petroleum order. In:“ The Prize: the epic question for oil, money, and power.” Nova York: Editora Simon and Schuster, 1991.
[1] Tal conflito contou com a participação de Israel de um lado e Egito, Síria, Jordânia e Iraque, apoiados por Kuwait, Sudão, Argélia e Arábia Saudita, do outro. No dia 5 de junho de 1967, Israel realizou um ataque preventivo contra o Egito, resultando na destruição de sua força aérea quando ainda estava em solo, o que resultou na rápida derrota da coligação árabe.
[2] É preciso ter uma apreciação crítica desse dado em específico, pois o fato de o crescimento do produto interno ser potencialmente distribuído, não significa que de fato o seja. Os lucros do petróleo ainda são concentrados em uma pequena parte da sociedade. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyxz4l5e256o. Acesso em 03 out. 2024.
Ana Clara Bernardes Guersoni é graduanda em Relações Internacionais (IRID-UFRJ) e pesquisadora do Laboratório de Estudos Asiáticos (LEA)
Guilherme Domingues Fritz é graduando em Defesa e Gestão Estratégica Internacional (IRID-UFRJ) e pesquisador do Laboratório de Estudos Asiáticos (LEA)
Thiago Botelho Iecker é graduando em Defesa e Gestão Estratégica Internacional (IRID-UFRJ) e pesquisador do Laboratório de Estudos Asiáticos (LEA)