Dossiê Malvinas: A Guerra das Malvinas/Falklands

Volume 4 | Número 42 | Nov. 2017

Por Mário Afonso Lima
Falklands, Campaign, (Distances to bases) 1982. Department of History, United States Military Academy

No ano de 1982, a Argentina, sob o governo da Junta Militar, declarou a invasão e a tomada das Ilhas Malvinas/Falklands, reivindicando o território como possessão argentina. Colocado dessa forma, a decisão do governo argentino parece como um devaneio de um governo militar, que busca desviar a atenção da sua população, uma vez que vinha enfrentando diversas dificuldades economicas e financeiras e civis. Como aponta Moniz Bandeira, a Argentina se encontrava em uma crise econômica gravíssima, que via o seu PIB cair vertiginosamente, chegando a um total de 14%, enquanto a sua divida pública cresceu quase 30% apenas de 1980 até 1982 (MONIZ BANDEIRA, 2012).
Visto uma grave crise econômica e um apoio cada vez mais decrescente da população, a questão Malvinas parecia uma oportunidade boa demais para que o governo de Galtieri deixasse passar. (NORPOTH, 1987). Segundo Helmut Norpoth, a Guerra das Malvinas/Falklands foi resultado de uma série de cálculos estratégicos errados por ambas as partes do conflito.

As Ilhas Malvinas foram palco de disputas entre a Argentina e o Reino Unido durante meados do século XIX, quando o Reino Unido invadiu as ilhas, que se encontravam sob controle de Buenos Aires, após serem cedidas pela Espanha, treze anos antes em 1820. Nessa invasão, o Reino Unido rapidamente dominou as ilhas e acabou por mudar os nomes das cidades e até mesmo da ilha. Desde então a Argentina vem tentando recuperar a soberania sobre as ilhas, que se tornou uma questão de orgulho nacional, como pode ser percebido durante a campanha “Las Malvinas son argentinas” iniciado por Leopoldo Galtieri, três meses após a sua ascensão ao poder (MONIZ BANDEIRA, 2012).
Mesmo antes do governo de Galtieri, a Argentina reivindicava as ilhas e buscava negociar com o Reino Unido uma solução pacífica para a questão. Durante toda a década de 1970, os países buscaram negociar uma transferência de soberania gradual, bem semelhante a estabelecida para o território de Hong Kong. No entanto, o governo argentino achou que o processo era longo demais e exigiu uma transferência mais rápida. A negativa argentina fez com que os britânicos voltassem atrás e cessassem as negociações (NORPOTH, 1987).
Durante o seu breve governo, Galtieri buscou angariar apoio da comunidade internacional, em especial de Washington, para a causa argentina de retomar as ilhas. De fato, ele conseguiu criar uma certa tensão dentro dos EUA, dividindo opiniões, no entanto, grande parte da comunidade internacional e mesmo organismos internacionais se mostraram contrários a causa argentina, principalmente após a invasão de abril de 1982 (FRANCK, 1983). Se por um lado, a causa argentina tinha valor, e se colocava em um momento de transformações e enfraquecimento do Império Britânico, por outro lado, por outro lado, a invasão militar e tomada de um território por meio do uso da força abria um perigoso precedente para o uso da força em reivindicações territoriais em outras disputas.
Thomas Franck se utiliza desse argumento para mostrar a quão controversa era a posição argentina. Se utilizando de discursos realizados nas Nações Unidas, em especial do Embaixador queniano Charles Maina, Franck busca demostrar como a postura argentina mudou rapidamente, de setembro de 1981, quando foi contrária as lutas pela libertação na África, por ser contra qualquer comportamento belicoso incompatível com a carta das Nações Unidas, e sete meses depois, para abril de 1982, quando invadiu as Ilhas Malvinas. A iniciativa argentina não conseguiu o apoio da grande maioria dos países, e foi alvo de duras críticas, em especial das pequenas ilhas e países que contam com a lógica do pacta sunt servanda[1] do direito internacional para garantir a sua segurança.
Franck ainda levanta uma questão bem interessante em seu texto ao tratar sobre o passado recente do império britânico, como uma forma de justificar a ação argentina. Nas décadas anteriores ao conflito, o Reino Unido cedeu diversos territórios ao redor do globo nos processos de independência – as vezes pacíficos, outras vezes nem tanto – de suas colônias. Alguns desses territórios eram muito mais estratégicos e ricos do que as Ilhas Malvinas/Falklands. Sendo assim, não seria de se estranhar que o governo argentino não esperava uma reação militar britânica a sua investida as ilhas. No entanto a reação britânica foi muito mais dura do que a esperada por Galtieri e em pouco tempo, o governo de Margareth Thatcher enviou uma força tarefa para lidar com a invasão argentina. De forma semelhante, Thatcher acreditava que os argentinos não iriam combater a força tarefa enviada para lidar com a situação (FRANCK, 1983; NORPOTH, 1987).
A resposta britânica foi derivada de uma série de fatores tanto internos, quanto da própria natureza do conflito armado. Como demonstrado por Franck, os as cessões de terra e outros conflitos britânicos que tiveram uma resposta mais leves foram processos de independência que levavam em conta a autodeterminação dos povos, sendo muitas vezes lutas de um povo ou nação frente a uma potência imperialista. Já no caso das Malvinas/Falklands, a ação argentina foi uma agressão entre Estados soberanos, derivado uma reivindicação que tinha como base alegações históricas, desconsiderando a vontade da população local, que pouco tempo antes tinha se mostrado a favor do governo britânico (FRANCK, 1983).
Por outro lado, a questão interna do Reino Unido favorecia a uma resposta a altura por parte de Margareth Thatcher. Passando por uma grave crise econômica, e uma alta no desemprego, reflexos remanescentes do segundo choque do petróleo (1979), o governo de Thatcher se mostrava com índices decadentes de apoio popular. No entanto, o ano de 1982 foi um momento de inflexão, aonde os índices de apoio popular ao governo de Thatcher chegaram a patamares acima de qualquer outro ano de seu governo (SANDERS et al, 1987; NORPOTH, 1987). O gráfico a seguir nos mostra o grande salto de apoio popular dado pelo governo Thatcher no ano de 1982. Inegavelmente, grande parte desse apoio veio pelo “fator Falklands”, contudo, como SANDERS et al argumenta, essa alta na popularidade foi uma combinação do “fator Falklands” com uma política econômica audaciosa e que começava a trazer sinais de recuperação para o Reino Unido (SANDERS et al, 1987).
Norpoth admite que é difícil mensurar os impactos que uma guerra gera em relação a satisfação com um determinado governo, no entanto, quando a guerra é decorrente de um ataque a um território, compreendido com parte de seu território nacional, em geral a população apoia a decisão de entrar em uma guerra. Conhecida por sua forte personalidade e estilo de negociação, Thatcher “elevou a arte de negociação através da confrontação a novos patamares” [2] durante o seu governo.
Gráfico 1: Satisfação com o Governo de Thatcher
Fonte: NORPOTH, 1987.
O estilo duro de negociação da Dama de Ferro e a queda de satisfação da população com o seu governo fizeram com que a resposta britânica não fosse a antecipada por Galtieri, que acreditava que o Reino Unido não revidaria a sua investida as Ilhas Malvinas/Falklands. No entanto, a resposta e o conflito seguinte geraram grandes tensões dentro da Argentina e dos EUA (FRANCK, 1983; NORPOTH, 1987; MONIZ BANDEIRA, 2012).
A questão Malvinas fez com que surgisse uma clivagem interna em Washington. Galtieri e Thatcher contavam com o apoio americano a sua causa. Os EUA eram um aliado de longa data do Reino Unido e ao mesmo tempo um dos maiores apoiadores ao regime militar argentino que ajudava a manter o comunismo sob controle na América do Sul.
Se por um lado, ex-embaixador dos EUA na ONU e senador de Nova York Daniel Moyniham, pediu a retirada imediata das tropas argentinas das ilhas e mostrou seu apoio ao Reino Unido, por outro, a embaixadora da época Jeane Kirkpatrick mostrou seu total apoio a Casa Rosada, e fez forte campanha de oposição as decisões do então presidente Ronald Reagan em apoiar a Grã Bretanha e deixar de lado um de seus principais aliados na guerra contra o comunismo na América do Sul (FRANCK, 1983; MONIZ BANDEIRAS, 2012)

Considerações Finais
Os impactos das Guerra das Malvinas para a Argentina foram sentidos imediatamente. Também passando por uma crise econômica e com baixa aprovação de seu governo, Galtieri viu a questão Malvina como uma solução para desviar o foco dos problemas que o seu governo vinha enfrentando. No entanto, com a derrota, os problemas vieram a se agravar e poucos dias após a derrota na guerra ele foi retirado do poder. De fato, a derrota nas Malvinas/Falklands fez com que o processo de redemocratização fosse acelerado.
Se na Argentina, a derrota teve um impacto negativo, no Reino Unido, a vitória trouxe a Thatcher condições favoráveis que iriam afetar toda a década de 1980, até o final do seu mandato em 1989. Ainda tendo mais dois anos de mandato, Thatcher soube se utilizar da Guerra das Malvinas/Falklands para se projetar e no ano seguinte, dissolveu o parlamento e convocou eleições gerais. O resultado foi uma vitória esmagadora do seu partido, o partido conservador, que foi atribuído por Norpoth, em grande parte a vitória na Guerra, fazendo um paralelo direto a eleição de Winston Churchill em 1945.
De fato, a Guerra das Malvinas se mostrou como um divisor de águas para ambos países, alterando os rumos políticos, aproximando de novos aliados, como foi o caso da Argentina com o Brasil, e fortalecendo posições nos cenários regionais e internacionais, como foi o caso do Governo Thatcher após 1983, um dos grandes responsáveis pelas reformas das Comunidades Europeias que culminaram no Ato Único Europeu.
Referências
FRANCK, Thomas. Dulce et Decorum Est: The Strategic Role of Legal Principles in the Falklands War. The American Journal of International Law, Vol. 77, No. 1 1983
GEORGE Stephen. An Awkward Partner: Britain in the European Community, Oxford University Press. Oxford, 1998
MONIZ BANDEIRA, Luiz A. Guerra das Malvinas: petróleo e geopolítica. Revista Espaço Acadêmico. Nº 132, Maio, 2012
NORPOTH, Helmut. The Falklands War and Government Popularity in Britain: Rally without Consequence or Surge without Decline?. Electoral Studies. Vol. 6 Nº1, 1987.
SANDERS, D; WARD, H; MARSH, D; FLETCHER, T. Government Popularity and the Falklands War: A Reassessment. British Journal of Political Science. Vol. 17, Nº3, Julho, 1987.

[1] Os acordos deverão ser mantidos

[2] No original “[…] manage to elevate the art of negotiation to new heights” GEORGE, 1998

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353