Soberania ou internacionalização da Amazônia?

Volume 4 | Número 40 | Set. 2017

Por Bernardo Salgado Rodrigues
Imagem do site Amazonas Atual


Recentemente, o presidente em exercício no Brasil, Michel Temer, liberou a exploração mineral numa reserva da Amazônia e convocou mineradoras estrangeiras à uma “nova caça ao ouro”. Foi alvo de críticas, tanto por ambientalistas e protetores dos direitos indígenas, como por extinguir o monopólio estatal de mineração em área com alto potencial de ouro e outros metais[1].
Historicamente, a Amazônia se encontra entrelaçada diante dos interesses de acumulação de poder e riqueza das grandes centros de poder mundiais, sejam dos Estados e das empresas transnacionais. Na atualidade, tais centros de poder se lançam sobre a região, principalmente, na disputa das fontes de recursos naturais estratégicos (KLARE, 2003:2012; BILLON, 2001), fazendo com que a região seja essencial para o funcionamento e expansão do sistema mundial, “e por isto deve sofrer uma pressão econômica e política cada vez maior, de fora e de dentro da própria região.” (FIORI, 2008, p.58)
Inúmeros são os desafios dos países amazônicos. No plano doméstico, se apresenta a questão da sua ocupação e integração, além da efetiva presença do Estado. No regional, a integração com os países vizinhos sob a máxima histórica de “integrar para não entregar”, numa perspectiva Pan-Amazônica. No internacional, a problemática da histórica disputa internacional pelos territórios amazônicos no qual o binômio “soberania ou internacionalização” impera até os dias atuais.
Diversos autores geopolíticos realizaram estudos sobre a importância da Amazônia para um projeto nacional de desenvolvimento e regional de integração, alertando para as pretensões internacionais de controle territorial e dos fluxos econômicos.
O general Carlos de Meira Mattos afirmava que a Amazônia possuía capacidade de fomentar o desenvolvimento nacional e regional. Deste fato advém seu preceito de continentalização da hinterdândia sul-americana através da utilização de modernas tecnologias dos transportes e comunicações, conjuntamente aos pólos de desenvolvimento, que seriam a “unidade econômica motriz” (FREITAS, 2004, p.72-73) do impulso ao “progresso e a influência até os limites com os demais países amazônicos” (COSTA, 1992, p.220), numa vontade política em termos de cooperação sul-americana (tendo seu ápice no Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978).
Therezinha de Castro foi uma das autoras brasileiras que antecipou, inclusive, a sua cobiça internacional: “de um lado, o princípio da soberania nacional e, do outro, a crescente afirmação de uma responsabilidade mundial quanto à gestão desse patrimônio da humanidade”. (FREITAS, 2004, p.96) Surgem, assim, os preceitos da autora, de “integrar para não entregar” e “preservar quando possível, mas conservar não.” (FREITAS, 2004, p.99)
A “cientista da Amazônia”, Bertha Becker, realizou uma síntese das mudanças decorrentes das transformações ocorridas nas dinâmicas espaciais da região amazônica, cujos desdobramentos em ações estatais foram diversos. No plano internacional, sua teoria da coerção velada[2] é fundamental para compreender os anseios geopolíticos das grandes potências na região. Além disso, insere ao debate amazônico o desenvolvimento via ciência e tecnologia, argumentando a necessidade de aproveitamento sustentável dos recursos naturais. Entretanto, alerta para o caráter político restritivo da única e exclusiva preocupação com a preservação.
A região amazônica se apresenta como uma das últimas fronteiras de expansão do capitalismo mundial dado, principalmente, a sua geografia. Com o avanço tecnológico e a necessidade de constante adaptabilidade dos países centrais com a finalidade de manutenção do seu status quo, tal fronteira é crescentemente valorizada. Como constatado pelos estudos de Ribeiro (2005), Pereira (2007), Morel (1984) e Reis (1968), há um histórico interesse na região amazônica; em outros termos, a importância histórica da conquista, ocupação e gestão dos recursos naturais estratégicos presentes na região amazônica vem pautando o aumento da presença estrangeira ao longo do tempo.
Sucintamente, neste caso em particular, a idéia principal do governo golpista brasileiro − implícita ou explicitamente − é demonstrar a incapacidade de conter a catástrofe que uma exploração descontrolada e não regulamentada pode acarretar (além de mais uma sinalização de abertura política ao mercado). Com isso, a comoção pública nacional e internacional reacenderia o antigo debate sobre a incapacidade dos países amazônicos de proteger a floresta, sendo a única alternativa a sua internacionalização; uma securitização internacional da Amazônia em detrimento das soberanias e projetos estratégicos nacionais e regionais dos países amazônicos. Vence a entrega e internacionalização, perde a integração e a soberania nacional.


Referências bibliográficas

BECKER, Bertha. As Amazônias de Bertha K. Becker: ensaios sobre geografia e sociedade na região amazônica – Vol.3. Rio de Janeiro: Garamond, 2015.

COSTA, Wanderley Messias da. Geografia política e geopolítica. São Paulo: Hucitec; Editora da Universidade de São Paulo, 1992.

FIORI, José Luís. O sistema interestatal capitalista no início do século XXI. In: FIORI, José Luís; SERRANO, Franklin; MEDEIROS, Carlos Aguiar de. O mito do colapso do poder americano. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 11-70.

FREITAS, Jorge Manuel de Costa. A escola geopolítica brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2004.

KLARE, Michael. Guerras por los recursos: El futuro escenario del conflicto global. Barcelona: Ediciones Urano, 2003.

KLARE, Michael. The race for what’s left: The global scramble for the world’s last resources. New York: Picador, 2012.

MOREL, Edmar. Amazônia saqueada. 3. ed. São Paulo: Global, 1984.

PEREIRA, Carlos Patricio Freitas. Geopolítica e o futuro do Brasil: Amazônia Ocidental e Pantanal Comunidade Sul-Americana. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2007.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Amazônia e a cobiça internacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Gráfica Record Editora, 1968.

RIBEIRO, Nelson de Figueiredo. A questão geopolítica da Amazônia: da soberania difusa à soberania restrita. Brasília: Senado Federal, 2005.

[1] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/24/politica/1503605287_481662.html
[2] “Pressões de todo tipo para influir na decisão dos Estados sobre o uso de seus territórios. Essa mudança está ligada intimamente à revolução científico-tecnológica e às possibilidades criadas de ampliar a comunicação e a circulação no planeta através de fluxos e redes que aceleram o tempo e ampliam as escalas de comunicação e de relações, configurando espaços-tempos diferenciados.” (BECKER, 2015, 451-452)

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353