Volume 1 | Número 3 | Ago. 2014
Por Leonardo Granato
As cidades e regiões têm, atualmente, um crescente protagonismo no âmbito da teoria das relações internacionais e da política externa. As origens desse protagonismo podem ser encontradas nas perspectivas teóricas transnacionalistas da década de 70, representadas por autores como Keohane e Nye (1977). Estes autores reconheceram a presença de novos atores na arena internacional e a diversificação dos canais a partir dos quais se transmitam tais relações, em um contexto definido em termos de interdependência complexa, entendida esta como o conjunto de situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países.
Por sua vez, Cox (1986), crítico da ideia de um sistema internacional governado por uma lógica que privilegia um pequeno número de Estados poderosos que limitam as possibilidades de mudança, desenvolveu um modelo com três dimensões básicas a fim de compreender a dinâmica da política mundial (a dimensão vertical das relações internacionais; a relação entre Estado e sociedade civil; e a dinâmica do processo produtivo), permitindo incorporar novos atores ao estudo das relações internacionais.
Embora Keohane, Nye e Cox não tenham abordado o tema da natureza da ação internacional das unidades subnacionais, seus estudos contribuíram para a abertura da perspectiva disciplinar rumo a novos capítulos e problemas resultantes da interação de atores de distinta natureza, em um cenário internacional em transformação.
Será a partir dos anos 80 que o fenômeno subnacional será tratado nos estudos internacionais, apresentando as burocracias locais como marginalmente afetadas pela política mundial. Na época da globalização dos anos 90, surgia a ideia do poder político “de baixo para cima”, em direção a instâncias supranacionais (regionalismos), e “de cima para baixo”, até os níveis regionais e locais (por meio de processos de descentralização do poder no território), e “fora do âmbito do Estado”, rumo à sociedade civil.
Observa-se, assim, a valorização de novas escalas geográficas supranacionais e subnacionais, como âmbitos de interação e de relações de poder (sobre a ruptura generalizada e exclusiva da ideia de Estado e de sociedade nacional), a partir dos novos conflitos que surgem do entrecruzamento e da superposição de atores, espaços, situações e processos, tanto transnacionais quanto locais, o que daria lugar à definição de uma nova problemática que alguns autores identificam como ‘interméstica’.
Sob o termo ‘paradiplomacia’, encontra-se o marco teórico para analisar, enquadrar e explicar o fenômeno da participação das cidades e de outras unidades subnacionais no sistema internacional. Aguirre Zabala (2001) acentua que a origem da paradiplomacia pode ser encontrada nos escritos de Duchacek (1986) e Soldatos (1990), que, conscientes da necessidade de novos desenvolvimentos teóricos, dedicam seus esforços metodológicos a construir tal conceito, baseando-se nos estudos de Keohane e Nye sobre a interdependência complexa.
Neste contexto, Duchacek et al. (1988) expressam que no âmbito internacional não somente se escuta a voz dos governos centrais, sobretudo no caso dos Estados federais, mas também a voz de outros protagonistas da vida política nacional, tais como a oposição, as comunidades etnoterritoriais, os grupos de interesse e as partes componentes dos Estados (prefeituras ou municípios, departamentos, províncias ou estados, regiões ou seus equivalentes). De tal maneira, a política internacional resultava em uma espécie de ‘polifonia’. Já em seus primeiros estudos, Duchacek prestava particular atenção aos atores governamentais subnacionais, os quais consideraria como entes que erosionam o controle e a autonomia estatal central.
O certo é que o conceito de paradiplomacia, em termos de participação dos governos não centrais nas relações internacionais, foi um dos que mais se generalizou para dar conta dessa nova realidade. Caberá aos pesquisadores discutir, em debates futuros, de que modo tal conceito é capaz de abordar plenamente o fenômeno complexo da atuação internacional das unidades subnacionais, que continuará cada vez sendo difundido e aprofundado.
Referências
Aguirre Zabala, Iñaki (2001). ¿Qué sentido tiene hablar de paradiplomacia? Una encuesta intertextual entorno a un neologismo polisémico. In: Aldecoa Luzarraga, F.; Keating, M. Paradiplomacia: las relaciones internacionales de las regiones. Madrid: Marcial Pons.
Cox, Robert (1986). Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory. In: Keohane, R. (Ed.), Neorealism and its critics. Nova York: Columbia University Press.
Duchacek, Ivo (1986). The Territorial Dimension of Politics: Within, Among and Across Nations. London: Westview Press.
Duchacek, Ivo et al. (1988). Perforated Sovereignties and International Relations: Trans-Sovereign Contacts of Subnational Governments. New York: Greenwood Press.
Keohane, Robert; Nye, Joseph ([1977], 2001). Power and Interdependence: World Politics in Transition. Nova York: Longman.
Soldatos, Panayotis (1990). An Explanatory Framework of the Study of Federal States as Foreign-Policy Actors. In: Michelman, H. J., Soldatos, P. Federalism and International Relations: The Role of Subnational Units. New York: Oxford University Press.
Leonardo Granato é Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Professor adjunto dos cursos de graduação em Relações Internacionais e em Ciência Política na Universidade Aberta Interamericana/UAI (Argentina), e professor do curso de Desenvolvimento, Políticas Públicas e Integração Regional, em nível de pós-graduação, na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais Sede Argentina. Pesquisador do Departamento de Economia Política e Sistema Mundial do Centro Cultural da Cooperação/CCC (Argentina) e do Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais/Cenegri (RJ, SP). Codiretor executivo da revista acadêmica Sociedade Global/UAI.
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