Capitalismo e o Ebola

Volume 1 | Número 3 | Ago. 2014
Por Larissa Rosevics
A primeira vez que ouvi falar sobre a Febre Hemorrágica Ebola, aos onze anos de idade, lembro-me de ter ficado apavorada. Acredito que o tema tenha surgido em uma aula de ciências do ensino fundamental, embalado pelo filme “Epidemia”, de 1995, em que um macaco contaminado por um vírus letal era levado da África para os Estados Unidos, provocando pânico na população local. Apresentada como uma doença com alto grau de letalidade (dados contraditórios afirmam que entre 50% a 90% das pessoas que contraem a doença falecem), sintomas semelhantes aos de uma gripe (ou da dengue hemorrágica) e transmissão incerta (acredita-se que o contato com o sangue e os fluidos corporais de uma pessoa contaminada seja as principais formas de contágio), a Febre Ebola, junto com a AIDS, pareciam ser sinais do fim dos tempos.

Por quase vinte anos pouco li sobre o assunto até o recente surto da doença na África Ocidental, que já levou a óbito quase 1000 pessoas. Guiné, Libéria e Serra Leoa colocaram em quarentena a região da fronteira comum entre os três Estados, epicentro da epidemia, para evitar que fluxos migratórios possam levar a doença para outras regiões dos países e da África. A Nigéria também já vem apresentando números alarmantes de infectados e a OMS está em alerta máximo, em busca de soluções para o problema.

Após o anúncio do repatriamento de um médico norte-americano infectado, foram veiculadas diversas notícias sobre um soro capaz de melhorar significativamente as condições de vida de um paciente infectado e de possíveis vacinas, desenvolvidas nos centros de pesquisa dos países desenvolvidos. Segundo reportagem do site da Revista Exame, as vacinas ainda precisam ser testadas em seres humanos antes de serem aplicadas nas populações infectadas e/ou sob risco de contaminação, o que traz uma série de implicações éticas e legais para as suas utilizações. A reportagem traz ainda a afirmação de que os avanços em trono da vacina final esbarram no desinteresse da indústria farmacêutica, que não vê mercado comercial para o produto.

A epidemia atual do vírus Ebola é um retrato cruel e amargo do sistema capitalista em que estamos inseridos. A indústria farmacêutica, que não é composta por entidades filantrópicas e sim por empresas multinacionais que visam o lucro, não investem em projetos para mercados consumidores com baixa capacidade de compra.

Enquanto isso, o Ebola se espalha por países pobres da África em que seu alto grau de letalidade está, em parte, ligado às precárias condições de vida das populações atingidas. Fome, desnutrição, baixas condições de higiene tornaram os corpos desses indivíduos naturalmente mais frágeis e suscetíveis à doença, facilitando a ação devastadora do vírus.

No ano passado foi veiculada a notícia de que uma empresa francesa havia desenvolvido uma vacina para a Dengue, outra doença dos trópicos que avançara para a Europa graças às ondas imigratórias do norte da África e ao aquecimento global, que tem aumentado às temperaturas no continente tornando-o mais suscetível a proliferação do mosquito transmissor. Ela poderá estar disponível para venda no ano que vem.

Será que o vírus Ebola precisará chegar a alguma das grandes potências ocidentais para que exista um mercado consumidor com capacidade de consumo suficiente para que a indústria farmacêutica possa ter interesse em investir nos estudos das vacinas e medicamentos para a doença? Esse questionamento é feito pelo professor John Ashton, do Instituto de Saúde Pública do Reino Unido em artigo publicado pela Carta Maior dessa semana. Recomendo a leitura e a reflexão.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353