Muito além de um Oriente Médio

Volume 1 | Número 2 | Jul. 2014
Por Suellen Lannes
“As palavras, assim como as letras que as compõem, 
proporcionam à  faculdade de agir sobre o mundo e, 
portanto, de deixar pegadas nos seres criados.”
Ibn Khaldun
O professor britânico Bernard Lewis tem, em uma das suas inúmeras obras, um livrinho entitulado “O que deu errado no Oriente Médio?” (Zahar, 2002). A minha surpresa com esse título fez com que eu lesse o livro de forma errada, procurando chegar logo ao final, no momento ápice, onde ele apresentaria um argumento contrário a essa pergunta, mostrando que o seu eurocentrismo liberal não ditava os seus escritos. Foi um pequeno lapso, tinha me esquecido de quem era Bernard Lewis.
Professor aposentado da Universidade de Londres e Princeton, Lewis tem uma vasta produção sobre o mundo árabe, em especial sobre a relação entre Ocidente e Oriente. Qualquer pessoa que tenha algum interesse mais profundo pelo mundo árabe e islâmico acaba se deparando com alguma obra desse autor, em algum momento da vida. Como professor e orientador formou uma escola de pensamento com inúmeros pesquisadores bebendo sobre os seus escritos.

O principal opositor às ideias de Lewis foi o palestino e pesquisador literário, Edward Said. Ele foi o responsável por denominar Lewis como orientalista, ou seja, Lewis faria parte de um campo de estudo, no qual os pesquisadores estavam mais preocupados com suas autoafirmações do que com o objeto de estudo, no caso, a compressão do mundo árabe e islâmico. Sendo assim, o orientalismo seria uma forma de racismo e de dominação do Ocidente sobre o Oriente, uma vertente do imperialismo. Lewis irá responder a Said afirmando que os estudos dos ditos “orientalistas” em pouco ajudavam a causa imperialista e exemplificou isso questionando de que forma o conhecimento da antiga língua egípcia poderia ajudar no imperialismo britânico.

O sociólogo Immanuel Wallestein em seu livro “O universalismo europeu: a retórica do poder” (Boitempo, 2007) vai fazer uma radiografia da forma que a Europa e, posteriormente, os Estados Unidos, estabeleceram o seu domínio sobre outras culturas. Ele aponta que tal movimento aconteceu por meio da transformação dos valores ocidentais em valores universais. Tal universalismo pode ser desmembrado em três dimensões: a valorização dos direitos humanos e da democracia; o choque das civilizações e a superioridade da “civilização” ocidental sobre a oriental e; por fim, a verdade científica do mercado, ou seja, não há salvação para os Estados senão por meio da adoção das premissas liberal. Nesse contexto, a dominação da Europa acontece com o encontro entre os acadêmicos e intelectuais que elaboram as teorias e ideias e a união entre capital e poder. Esse encontro impõe, por meio do discurso e das armas, essa dominação.

Voltando à pergunta de Lewis, atualmente se um estudante quiser pesquisar sobre o Egito Antigo ele não terá que ir ao Egito, mas sim, aos museus, universidades e bibliotecas britânicas, alemães e francesas, nos quais ele se defrontará com as principais obras produzidas e escritas por esse tema, assim como com as múmias, a Pedra de Roseta e inúmeros artefatos arqueológicos retirados, pelos europeus, do Egito. É a detenção desse conhecimento que faz com que os pesquisadores europeus tenham um acesso privilegiado ao conhecimento universal e é o que proporciona a esses pesquisadores escreverem a história e difundirem o conhecimento na língua inglesa, francesa e alemã. Além de estabelecer opiniões e valores.

Em momento de surgimento de um movimento ISIS no Iraque caótico, fruto da intervenção estadunidense, e na volta do conflito entre Israel e Palestina não se pode esquecer a responsabilidade do colonialismo europeu e do imperialismo estadunidense no contexto que presenciamos e nem esquecer o papel dos intelectuais na legitimação dessas ações. Por essas e outras que Lewis não pode ser esquecido. 

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353

8 comentários sobre “Muito além de um Oriente Médio

  1. Su, muito bom o tema que vc levanta. O que vc acha que deu errado no Oriente Médio, fora o colonialismo europeu (eu sei que essa resposta dá muitoooosss livros e teses… rsss mas resumidamente!!!!)

  2. Uai, tinha entendido que ela não acha que deu errado… não??? rsrs

    Aliás, muito complicado essa história de dar errado. Volta à discussão do "certo" e "errado" imposto por terceiros.

  3. Aquela… fui abrir agora um artigo para ler e olha a epígrafe: "Hasta que los leones tengan sus propios historiadores, las historias de cacería seguirán glorificando al cazador." (Um provérbio africano)

    😉

  4. Exatamente, Ju! Glauber, acho muito equivocado achar que um país deu certo ou errado, pior ainda uma região. Você falar que o Oriente Médio deu errado é incluir uma pluralidade de realidades e atores, é incluir em uma mesma análise Israel e Palestina. Agora, se você quer saber as causas dos problemas, aí é tema para outras postagens..:)

  5. Então iremos aguardar seus próximos posts sobre as causas dos problemas Suellen. E por falar em certo, errado, ocidente e oriente, há uma personagem histórica que poderia fornecer um fio condutor interessante para a discussão: T.E.Lawrence, arqueólogo e militar britânico que teve um papel fundamental na revolta árabe do início do século.

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