Sobre Participação e Democracia
Volume 1 | Número 1 | Jun. 2014
Por Julia Monteath de França
Mais um junho se acabando e, por aqui, o ritmo de Copa está se confundindo com o ritmo de trabalho, as reivindicações sociais se confundem com a alegria do futebol e o grito de gol, a planilha na tela do computador se alterna com a transmissão online do jogo – tudo junto e misturado no dia a dia de uma das cidades-sede da Copa do Mundo. Imagino que fora das capitais também.
Há pouco mais de um ano, nesse mesmo mês de junho, ocorreu uma série de manifestações nas ruas de cidades de todo o Brasil, principalmente nas grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Brasília… para falar das mais comentadas pela grande mídia. Muitos nomes foram dados e muitas interpretações foram feitas para um movimento múltiplo, com diversas facetas, que ainda precisa de muita reflexão e que continua até hoje, como podemos ver nas portas dos estádios das tais cidades-sede. Aliás, que fique claro, manifestações com demandas sociais não foram criadas em junho de 2013 e nem vão acabar com a Copa.
E essa exclusividade tampouco é nossa: ao mesmo tempo (também antes e depois de junho) que ocorreram as manifestações no Brasil, foco internacional por estar então a um ano de sediar a Copa do Mundo, manifestações de igual, menor ou maior intensidade ocorreram também na Bulgária, na Bósnia, (saindo da letra B), Turquia, Tunísia, Espanha, Egito, Grécia, G… em cada lugar, os movimentos tomaram uma forma específica, se focaram em demandas locais específicas e tiveram resultados diferentes (específicos).
Assim como no Brasil a Copa foi dada como motivo do estopim – convenhamos, mesmo para mim, que não estava por aqui na época, está bastante claro que a razão de tais manifestações não é única e nem abstrata, pelo contrário -, no velho continente (sim! Manifestações com ou sem uso de violência por todas as partes envolvidas não são exclusividade nossa e nem coisa de “terceiro mundo”), as leituras normalmente tendem a enfatizar o argumento da crise econômica de 2008 e seus efeitos que perduram até os dias de hoje.
No entanto, chama atenção que todas essas reivindicações, mesmo concentradas em questões locais, batem de frente com questões intimamente relacionadas ao atual nível de entrelaçamento dos interesses financeiros e do poder empresarial com os processos democráticos dentro destes países. Seja nas questões étnicas da Bósnia, sejam nas reivindicações contra a monopolização dos meios de comunicação da Bulgária, seja por questões ambientais ou mesmo religiosas que vemos em tantos países – isso, claro, para citar uma das diversas reivindicações populares de cada lugar, pois, como bem pudemos perceber no Brasil, as demandas são muitas, múltiplas, e todas igualmente importante e urgente. Em todos esses casos há um lapso de representação dentro de democracias representativas, com mais ou menos tempo de tradição democrática.
A notícia boa é que, com todas essas manifestações, parece que estamos entendendo aos poucos que, dentro de um sistema democrático, a participação é sim base fundamental para o seu funcionamento e não apenas em período eleitoral, como aquele que estamos prestes a entrar. Que fique claro que a participação popular é complementar e necessária para que haja a representação democrática.
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Aproveitando: falando de participação social em sistemas democráticos, recentemente no Brasil o Congresso Nacional (obviamente não são todos os que estão lá, mas acho que é possível arriscar um chute de pelo menos quem são aqueles mais atuantes) vem tentando evitar a todo custo a aplicação do decreto nº 8.243/2014 da Presidência da República, decreto este que, ao contrário do argumento utilizado pelo Legislativo, não apenas não fortalece um poder em detrimento do outro, como também ajuda a fomentar os mecanismos nacionais de participação, através da instituição da Política Nacional de Participação Social (PNPS) do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS).
Vale entender melhor o tema. E que venham as eleições!
Julia, você toca em dois pontos importantes. O primeiro é a relação entre capital e poder político, intrínseca ao capitalismo e que, não apenas soube se adaptar a democracia representativa como, com a sua expansão, tem gerado conflitos ao redor do mundo. A outra é sucessão de crises sistêmicas, gestadas da desregulamentação das econômicas, uma exigência do capital aos poderes políticos que ele financia e elege. Se, por um lado, a democracia representativa perdeu a sua credibilidade, por outro a democracia participativa, alternativa contemporânea de organização político-social, é atacada pelo capital e pelos setores conservadores como populista. Toda vez que a sociedade encontra novas formas de se organizar politicamente, ela esbarrar nos interesses do capital. Isto posto percebo o protesto, bem como a greve, como instrumentos de reivindicação que pertencem a um contexto de luta política que já foi vencido pelo capital, tornando-se ineficaz e ultrapassado. Agora, quem está disposto a abrir mão de duas horas semanais para participar da reunião no posto de saúde perto da sua casa, ou das discussões orçamentárias de seu bairro, sua cidade ou seu estado? Quem prefere matricular seu filho em uma escola pública porque acredita estar exercendo um direito cidadão? Quantos são os pais que participam das decisões das escolas de seus filhos? No final das contas, é mais fácil berrar que a política é chata e que todos aqueles que se envolvem com ela são corruptos e ladrões.
Julia,
Ótimo texto!
Também destaco dois pontos: A caracterização de um movimento múltiplo é exatamente o que essas manifestações foram e são. Quando levantei essa bola foi pensando em quem faz de fato a manifestação? O que é reivindicado de fato? Porque o ânimo para manifestar na rua, nas redes e pouquíssimo ânimo para cobrar, com a mesma veemência, que o seu deputado estadual e federal, o seu vereador faça o que lhe foi dado fazer ao ser eleito? Porque, nas circunstancias que lhe deram início, tudo parecia ser sempre culpa da presidência da república? Eu realmente creio na pluralidade que tomou conta das ruas, mas desconfio de que Shakespeare estava certo… há algo de podre nesse reino…
O outro ponto que vc toca é que não foi um fato brasileiro, mas internacional, cada qual com sua especificidade, mas com muita diferença. As comparações feitas, na época, com os movimentos de lugares com governos ditatoriais foram esdruxulas e despropositais e corroboravam o apoio da mídia monopolista em comparar o nosso governo com aqueles. Mas, saliento, que as manifestações aqui não se iniciaram por causa da Copa, mas por causa do aumento das passagens de ônibus ("não era por 20 centavos"), depois por saúde (!), educação (!) e veio a copa… Uma questão seria saber realmente se quem saiu às ruas naquele momento tinha ou não o ônibus como transporte principal… usava ou não a saúde pública, a escola pública. Eu compreendo perfeitamente que não é realmente necessário usá-las para saber que vão muito mal, mas o discurso usado foi muito estranho. Sobre as violências e depredações, colocar fogo em onibus… nem vou comentar…
As colocações da Larissa também são muito pertinentes. Concordo muito com ela com relação a nossa participação como cidadãos.
É realmente um tema para muitas questões…