FIFA pra lá, FIFA pra cá, FIFA pra tudo que é lugar
Volume 1 | Número 1 | Jun. 2014
Por Suellen de Lannes
“Eu não posso esconder meus sentimentos pessoais e
meu apoio à equipe sul-coreana”
Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU
A Copa do Mundo no Brasil trouxe uma série de questões que foram sendo revistas ao longo da competição. Em um curto espaço de tempo o evento passou de algo problemático para a maior copa de todos os tempos. O futebol, as goleadas e a animação de brasileiros e turistas fizeram com que a Copa se tornasse a principal conversa do dia. Inúmeros são os acontecimentos que explicam essa mudança de comportamento, mas darei destaque a um (não digo que é o mais importante) que liga diretamente o futebol ao sistema interestatal.
O poder de uma instituição internacional pode ser caracterizado de diversas maneiras, como, por exemplo o poder militar da OTAN. Porém, existe uma outra faceta, que engloba a legitimidade conquistada por meio de bens imateriais. Partindo desse pensamento pode-se refletir sobre a relação da FIFA com o nacionalismo. Relacionando os conceitos de Benedict Anderson, Eric Hobsbawn e Ernest Gellner podemos compreender o nacionalismo como algo idealizado, “imaginado”, que tem respaldo na comunidade. Essas idealizações são compreendidas pela comunidade como algo pertencente a ela e que tem uma relação com a sua vida cotidiana. No Brasil, como em outros países, o futebol é um dos palcos onde esse imaginário é criado e reforçado. Vide os holandeses com os seus chifres vikings e os mexicanos com os seus grandes chapéus. Os símbolos nacionais saltam aos olhos de qualquer telespectador ou andarilho nas ruas do país.
Fugindo de um cosmopolitismo habermasiano, no qual as organizações internacionais podem ser compreendidas como algo além das soberanias nacionais, a FIFA vem na contramão e legitima a organização política mais consistente no sistema interestatal, o Estado-Nação. Ao atuar reforçando o imaginário do nacionalismo e fortalecendo as disputas nacionais, a FIFA consolida o seu poder no cenário interestatal e transforma a sua imagem, de uma instituição corrupta para a responsável pela maior copa de todos os tempos. Além disso, nessa copa, especificamente, a FIFA proporciona uma relativa justiça histórica, ao promover que os historicamente vencedores, como os europeus brancos ocidentais possam ser derrotados e humilhados, “vingando” os séculos de colonização e dominação. Isso não muda o sistema interestatal, a sede da instituição continuará sendo na Suíça, mas proporciona um destaque para os historicamente derrotados, como a América Latina, solidificando não só as identidades nacionais dos “derrotados”, mas reforçando ainda mais a identidade latino-americana.
Pois é, Ban Ki-moon, não posso esconder: ¡Arriba, muchachos!
Os esportes em geral tem essa capacidade de despertar os sentimentos nacionais nos indivíduos, reforçando os imaginários existentes e criando novos símbolos, templos e ídolos. A Copa do Mundo, nada mais é do que a renovação dos votos de um casamento que tem dado certo a séculos, entre o poder do Estado-Nação e a riqueza das grandes corporações internacionais (não apenas a FIFA, mas também a Coca Cola, a Nike, a Budweiser, a Emirates, o McDonalds, a Puma, a Adidas, a Sadia…). E para não esquecer dos nossos vizinhos do norte, não é a Copa nem as Olimpíadas o evento esportivo mais lucrativo, mas a Super Bowl, que acontece todo ano.
Suellen, o seu texto é muito instigante e propício para o período. Levanto três questões gerais. A primeira é que, estranhamente, diferente do que se imaginava, a Copa ainda não é unanimidade de opinião positiva. Apesar de você não ter relacionado, creio que a politização interna do discurso "anti-copa" e de tudo o que ocorreu no ano passado foi o estopim de algo que não está encerrado (quem sabe diminua em outubro). Ainda há manifestações e, pior de tudo, ainda há o uso da violência de ambos os lados (creio que isso poderá dar um outro post). A segunda obervação é, na verdade, um receio de pensar que a "FIFA consolida seu poder", nesse ponto coincido com a Larissa quando cita outros consistentes detentores/semeadores/divulgadores de um "poder" específico. A terceira é uma questão mais conceitual e pessoal. Não entendo a América Latina como historicamente derrotada. Dominada, colonizada, sim. Vilipendiada, assaltada, também. Mas, a despeito de tudo isso estamos no jogo e com cada vez mais e melhores credenciais. O termo derrota, para mim, significa que o jogo acabou e ESSE jogo de poder não tem fim. Nas relações internacionais (pra ser do contra, eu vou tentar seguir o termo "relações internacionais" e não de "relações interestatais"!!!) nada está assegurado… e na copa do mundo da FIFA… ri melhor quem ri com o troféu na mão… vamos esperar para ver se aí, sim, poderemos usar o termo derrota para o futebol deles.
Glauber, concordo muito com você. Sobre a primeira questão senti isso quando estava escrevendo, apesar de achar que a questão contrária a copa existe, principalmente voltada a questão da corrupção é intrigante como a opinião das pessoas mudaram. Elas podem até pensar na corrupção, mas aceitam assistir o jogo e gostam, não param de falar. E aí que vejo o poder da FIFA. Mesmo com a corrupção descarada, ainda sim ela promove um evento que é abraçado por muitas pessoas que antes se opunham. É incrível isso. Sobre as manifestações não acho que tenha tanto impacto assim, tenho reticências com relação ao poder de fato delas, ainda mais depois que vim para o Sul. Sobre a segunda, claro, o poder dela não é só da organização, como sabemos o capital e o poder são amigos, companheiros, posso dizer que tem uma relação carnal. Sobre o terceiro ponto na verdade fiz uma intriga mesmo. Mas não falei de um jogo que acabou. Falei sobre os historicamente vencedores. Se essa historia vai mudar, espero. Mas, por enquanto, a Europa e os EUA são os grandes vencedores no cenário internacional. Eles, ainda, determinam grande parte desse jogo do poder.
Claro. A frequente relação carnal entre poder e capital.
A FIFA certamente tem o poder de unir pelo nacionalismo. Mas, como a Larissa falou, há outras entidades que tem um poder parecido, porém, entendo que você quis focar no exercício da FIFA.
Sobre o movimento não vai ter copa, penso ser dos movimentos mais hipócritas. Quando o Brasil foi eleito o mandante da Copa, eu quase não ouvi quem "implicasse", pelo contrário, ouvi fogos e muita comemoração. Os mais céticos só desconfiavam. Não precisaria ser nenhum visionário para saber que a política e o lobismo no Brasil permitiriam milhões desviados e as obras prontas (?!) em cima da hora. Faltando um ano para o início do evento, me vem esse movimento questionar os gastos, já realizados. Como disse a filha do João Havelange: "o que tinha que ser roubado, já foi roubado".
Agora, a Inês é morta…abraço…e foquem no próximo movimento hipócrita: não vai ter olimpíadas.