O conservadorismo político brasileiro sob a perspectiva da teoria marxista da dependência

Por Bernardo Salgado Rodrigues
O conservadorismo brasileiro vem avançando na década de 2010; conservadorismo no sentido denotativo do termo, de um pensamento político-filosófico alinhado ao tradicionalismo e que se contrapõe a mudanças abruptas de determinado marco econômico e político-institucional ou no sistema de crenças, usos e costumes de uma sociedade. O cenário atual brasileiro é propício e enseja essa ascensão conservadora: ajuste fiscal, recessão econômica, inflação elevada, alta taxa de desemprego, aumento da taxa básica de juros, incontáveis escândalos de corrupção, eleição do Legislativo mais conservador nos último anos, imobilidade do Executivo e do Legislativo, manifestações de rua em massa, redução da maioridade penal, revogação do Estatuto de Desarmamento, revogação da participação obrigatória da Petrobras no pré-sal, tipificação do terrorismo, transferência da demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo, criminalização do aborto, e, principalmente, a atual crise política que se instaura no país.
Entretanto, nos marcos de uma análise do pensamento crítico latino-americano, a análise conjuntural brasileira e a ascensão do conservadorismo podem ser visualizados e compreendidos através da perspectiva da teoria marxista da dependência, que ajuda a identificar tendências e interpretar o momento conturbado e complexo que se vive no país na atualidade. Logo, a análise dos autores dependentistas e a sua re-utilização como ferramenta metodológica – ressaltando a sua reformulação, revisão e atualização teórica crítica – enseja hipóteses interpretativas referentes ao papel do conservadorismo brasileiro contemporâneo. Dessa maneira, pode-se abordar três enfoques da teoria marxista da dependência: a categoria dominantes-dominados, o colonialismo ideológico-cultural e a superexploração do trabalho. Ressalta-se que cada tópico poderia ser convertido num estudo muito mais complexo, no qual busca-se somente pontuá-los de forma sucinta a fim de proporcionar um debate, demonstrando indícios e chaves interpretativas para se pensar a realidade.
A categoria de dominantes-dominados, proposto por Vânia Bambirra em seu livro “O capitalismo dependente latino-americano”, se refere a dependência não somente em termos econômicos, mas também políticos. A dependência política não seria compreendida apenas como a imposição da interferência estrangeira no plano nacional, mas, sobretudo, como parte de uma dependência “que faz com que o processo de tomada de decisões por parte das classes dominantes (…) seja dependente. Como os países dependentes são parte constitutiva do sistema capitalista internacional, suas classes dominantes jamais gozaram de uma real autonomia para dirigir e organizar suas respectivas sociedades. A situação de dependência termina por confrontar estruturas cujas características e cuja dinâmica estão subjugadas às formas de funcionamento e às leis de movimento das estruturas dominantes.” (BAMBIRRA, 2012, p.143-144) Ou seja, para as classes dominantes-dominados[1] (classe política e econômica dominante no cenário interno, e dominada no cenário externo), a aceitação seria a única forma de manutenção do sistema de exploração, “abrindo as portas da economia dependente para a penetração e domínio do capital estrangeiro.” (BAMBIRRA, 2012, p.145)
Internacionalmente e historicamente, os Estados hegemônicos buscam subjugar a capacidade dos “Estados da periferia de executar estratégias de superação do subdesenvolvimento e da dependência.” (GUIMARÃES, 2005, p.349) Essa subjugação, a partir da categoria analisada, é realizada concomitantemente no interior dos próprios países, incluindo o Brasil, a partir de parcelas da população e do corpo político que buscam uma “aceitação” enquanto parte de uma “elite internacional” ou uma inserção subordinada.
O colonialismo ideológico-cultural refere-se tanto ao bloqueio político e intelectual imposto à teoria marxista da dependência no Brasil quanto ao colonialismo do saber, predominantemente na universidade, mas também constatado nas práticas políticas e sociais. Assim, a necessidade de rompimento com o eurocentrismo – como forma hegemônica de controle da subjetividade/intersubjetividade, em particular no modo de produzir conhecimento – e com o liberalismo são opções para a reconstrução do pensamento científico, partindo de forças teóricas que apresentam uma história e uma trajetória de confrontação a eles. Atualmente, como afirma Ouriques (2014, p.30), “a ignorância brasileira sobre as ciências sociais latino-americanas não pode mais ser justificada senão como expressão de colonialismo intelectual e/ou simplesmente, conveniência política”, devendo-se buscar uma perspectiva que busque romper com o colonialismo ideológico-cultural e com a colonialidade do saber
O pensamento conservador reproduz e se apresenta “como expressão das experiências de colonialismo e de colonialidade do poder, das necessidades e experiências do capitalismo e da eurocentralização de tal padrão de poder.” (RODRIGUES; FIGUEIREDO, 2012) Assim, o Brasil se encontra entre muros, onde existe a dificuldade do pensamento em se livrar das estruturas normativas do indivíduo moderno, de uma individualidade centrada na redução “egológica” do sujeito e de um colonialismo do pensamento, muitas vezes perpetrado e influenciado pela mídia e pelos meios de comunicação.
A superexploração do trabalho, um dos mais emblemáticos estudos realizados pelos autores da teoria da dependência, tendo como formulador principal Ruy Mauro Marini, é identificado em três mecanismos: “la intensificación del trabajo, la prolongación de la jornada de trabajo y la expropiación de parte del trabajo necesario al obrero para reponer su fuerza de trabajo” (MARINI, 1991). Na atualidade, é fundamental aprofundar o domínio teórico do conceito inaugurado por esses autores, pois a “emergência das chamadas empresas globais, como uma etapa mais avançada da transnacionalização empresarial, é chave nesse processo de globalização da superexploração.” (MARTINS, 2011, p.292-293)
Atualmente, não há indícios de modificação no padrão histórico da superexploração do trabalho no Brasil, apenas ajustamentos a sua forma a fim de que se estabeleçam ganhos sociais mínimos. Entretanto, mesmo esses pequenos resultados positivos não amenizaram o padrão regulatório do capitalismo brasileiro na égide do conservadorismo político, que a todo custo busca eliminar direitos sociais e re-intensificar a superexploração do trabalho contra as políticas de elevação do salário mínimo, de renda mínima e de aumento do poder de compra da população de baixa renda. Ou seja, “a emergência da crise econômica, a partir de 2012, leva as classes dominantes e o grande capital internacional a conspirar contra o projeto centrista impulsionado pelos governos petistas […] reforçando a superexploração do trabalho, em parte limitada pelas políticas de elevação do salário mínimo.”[2] (MARTINS, 2016)
Assim, a partir de uma interpretação da teoria marxista da dependência acerca do pensamento conservador brasileiro, pode-se destacar que a simbiose e o transformismo do petismo, acompanhados da metáfora do “ornitorrinco” e da “hegemonia às avessas” de Francisco de Oliveira, traduzem a crise política de um pensamento progressista, uma vez que tais características insuflaram a luta de classes e as contradições do capitalismo brasileiro, ao invés de superá-las. Além disso, no atual cenário político brasileiro, o ponto capital da relação e contiguidade entre o movimento conservador e o fascismo merece ser pontuado, como destacou Theotonio dos Santos, em seu livro “Socialismo ou fascismo”.
O enfrentamento da desigualdade e a busca da desconstrução das assimetrias regionais são possivelmente os maiores desafios da sociedade brasileira, no qual essa nova etapa de ascensão do pensamento conservador no Brasil pouco tem a contribuir. Figurativamente, vistos de cima, somos todos anões; e vistos de baixo, somos todos gigantes. A única maneira de buscar-se uma sociedade mais igualitária e justa é recuperando a horizontalidade solidária do olhar, vendo-se como iguais, olho no olho.
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[1] Eduardo Galeano, famoso escritor uruguaio, também mencionava esta categoria em seu clássico, Las venas abiertas de América Latina, afirmando que “la lluvia que irriga a los centros del poder imperialista ahoga los vastos subúrbios del sistema. Del mismo modo, y simétricamente, el bienestar de nuestras clases dominantes – dominantes hacia dentro, dominadas desde fuera – es la maldición de nuestras multitudes condenadas a una vida de bestias de carga.” (GALEANO, 2010, p.17)
[2] http://blogdaboitempo.com.br/category/colunas/carlos-eduardo-martins/

Referências

BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Florianópolis: Insular, 2012.
GALEANO, Eduardo. Las venas abiertas de America Latina. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2010.
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.
MARINI, Ruy Mauro. Dialéctica de la dependencia. 11ª ed. Cidade do México: ERA, 1991.
MARTINS, Carlos Eduardo. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2011.
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista / O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.
_______; BRAGA, Ruy; RIZEK, CIBELE (orgs.) Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo: Boitempo, 2010.
OURIQUES, Nildo. O colapso do figurino francês: Crítica às ciências sociais no Brasil. Florianópolis: Insular, 2014.
RODRIGUES, Bernardo Salgado; FIGUEIREDO, Talita Estrella Figueira. Colonialidade na América Latina e a descompartimentalização do saber. Revista Habitus, Vol. 10 – Nº2, ano 2012.
SANTOS, Theotonio dos. Socialismo o Fascismo. Buenos Aires: Ediciones Periferia, 1972.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353