Por Luiza Bizzo Affonso
Em 1960, o Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) foi criado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o objetivo de coordenar e promover a ajuda internacional entre os principais Estados doadores (RIDDELL, 2007, p. 18). Segundo o CAD, a definição de Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) consiste em:
Flows of official financing administered with the promotion of the economic development and welfare of developing countries as the main objective, and which are concessional in character with a grant element of at least 25 percent (using a fixed 10 percent rate of discount). By convention, ODA flows comprise contributions of donor government agencies, at all levels, to developing countries (“bilateral ODA”) and to multilateral institutions. (OCDE, 2003).
O termo Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) também pode ser sinônimo de “ajuda externa”, que é “a transferência de recursos de um país para outro a fim de promover o desenvolvimento do país receptor. Ela envolve um conjunto de recursos humanos, financeiros e materiais que, sob a forma de donativos ou empréstimos, são transferidos para os países necessitados” (NIPASSA, 2009, p. 7). Essa transferência pode ser dar de forma direta, através de instituições e organismos nacionais do país doador, ou indiretamente, por meio de organismos multilaterais financiados pelos Estados doadores, como o Banco Mundial e a ONU. Infere-se, portanto, que a principal justificativa da ajuda externa é o desenvolvimento do Estado receptor, que apenas com os recursos domésticos não seria capaz de alcançar esse objetivo.
Segundo o CAD, a Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) para Moçambique, em 2004, foi de US$ 1.2 bilhões, o que correspondia a 23% da renda nacional – a média de 2005 a 2010 esteve em 22% – fazendo de Moçambique o oitavo país mais dependente da ajuda externa no mundo (OCDE).
Moçambique é visto pelos seus doadores como um caso de sucesso, dado sua estabilidade desde o fim da guerra civil, em 1992, além de ser considerado um modelo pelo FMI e pelo Banco Mundial, pelo fato de atender a quase todas às suas demandas. Seus principais doadores são o Banco Mundial, a Comissão Europeia, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, a Holanda e o Banco Africano de Desenvolvimento. Moçambique é um Estado em que os doadores querem ajudar pelo fato do governo acatar com as prescrições das instituições financeiras internacionais e pelos fortes laços com doadores bilaterais, principalmente os países nórdicos (DE RENZIO, P. & HANLON, J. 2007).
Apesar da ajuda externa, Moçambique ainda é um dos Estados mais pobres do mundo, cuja população prevalece sendo majoritariamente rural, dependente da agricultura de subsistência. Moçambique apresenta baixos índices de desenvolvimento, como demonstra o Relatório do PNUD sobre o Desenvolvimento Humano de 2015, ocupando a 180ª posição de 188 países avaliados (PNUD, 2015).
Como Nipassa (2009) afirma: “sua economia é caracterizada como, na melhor das hipóteses, um incipiente sector privado de negócios (…) há uma limitada penetração no mercado mundial e as importações são altamente financiadas pela ajuda externa” (NIPASSA, 2009, p. 15). A dependência da ajuda internacional de Moçambique é acentuada pela dificuldade de se obter recursos domesticamente e pelo fato de que qualquer corte orçamental pode afetar áreas cruciais do país, como educação, saúde, transportes, que são financiadas pela ajuda externa.
Com o fim do socialismo moçambicano, o governo acatou o Consenso de Washington proposto pelos seus doadores, com o objetivo de manter o fluxo de ajuda externa, ao invés de se preocupar em elaborar um projeto nacional de desenvolvimento. Dessa forma, a maior parte das discussões sobre a política acontece entre o Executivo e seus doadores, sem passar pelo parlamento ou pela sociedade civil. (DE RENZIO, P. & HANLON, J. 2007).
O papel da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em garantir que a ajuda internacional seja mantida deve ser destacado. A FRELIMO tem uma longa história de negociação com um grupo diverso de aliados internacionais, essenciais para a sua sobrevivência política. Um exemplo disso está na rápida mudança de modelo econômico – de socialista a capitalista – e a continuação do apoio dos principais doadores. Apesar das divergências internas dentro do partido, a FRELIMO busca passar a imagem de união partidária para os doadores, a fim de mostrar-se como garantidora da estabilidade política e, assim, manter a ajuda externa. As consequências são que a FRELIMO é forçada a manter seus membros corruptos e aceitar as decisões dos seus doadores. Sobre as relações entre a FRELIMO e os doadores, e a consequente pouca participação da sociedade civil nos processos decisórios, De Renzio, P. & Hanlon, J. afirmam:
The nature of government-donor relations is therefore shaped by an environment where high aid dependence is coupled with limited pressure for accountability from civil society, parliament or the media, who lack political clout and technical capacity, and with substantial rewards for going along with donor demands. In such as situation, there are clearly few incentives for the political leadership to take strong positions against donor policies, or to engage in debates about policy alternatives which could call into question the predominant development paradigm. (DE RENZIO, P. & HANLON, J., 2007, p.10)
Para Nipassa, (2009) a tentativa de criar um programa econômico e social bienal pelo Ministério do Plano e Finanças, em 1998, sem envolvimento do Banco Mundial e do FMI, foi superficial e não difere em nada dos projetos anteriores criados pelos Estados doadores. Não há em Moçambique um projeto nacional preocupado com uma estratégia de desenvolvimento autônoma. Faltam políticas alternativas, que não as impostas pelos Estados doadores. O governo dedica mais tempo e atenção ao processo de gerenciar a ajuda externa, do que a criar debates internos, com participação da sociedade civil, da mídia ou do Parlamento, – os que enfrentam os maiores problemas da dependência – para criar projetos de desenvolvimento próprios. (DE RENZIO, P. & HANLON, J. 2007).
Desse modo, é possível perceber a grande relação de dependência entre Moçambique e os Estados doadores, que se estabelece por meio da ajuda externa. Estes, por sua vez, possuem o interesse de manter o fluxo de ajuda para o país, pelo fato do governo moçambicano acatar com todas as suas prescrições, o que significa influência política, econômica e cultural dos doadores em Moçambique. Por outro lado, não há interesse da FRELIMO em modificar a situação, que se beneficia da ajuda externa, deixando à sociedade civil à margem do processo. O resultado pode ser visto pelos altos índices de pobreza da população.
Aplicando a Teoria da Dependência de Fernando Henrique Cardoso e de Enzo Faletto ao caso de Moçambique, pode-se afirmar que é possível alcançar o desenvolvimento nacional sem romper com o mundo externo, e sem abandonar o capitalismo, desde que haja um projeto autônomo e nacional de desenvolvimento. Além disso, para esses autores, é do conflito das classes sociais e grupos nacionais “que se dará à expansão ou diminuição da dependência da periferia em relação ao centro” (DUARTE & GRACIOLLI, p. 4). Desse modo, as relações entre a FRELIMO – partido político que está à frente do Governo – e os Estados doadores contribuem para a manutenção das relações de dependência de Moçambique com o mundo externo.
Não é o objetivo aqui afirmar que qualquer ajuda externa é prejudicial ao país que a recebe. O problema está na forma como essa é conduzida pelas elites e na necessidade de se formular um projeto autônomo de desenvolvimento nacional, paralelo ao fluxo de doações externas. Como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1979) argumentam, é possível alcançar o desenvolvimento, desde que haja iniciativa das classes e dos grupos nacionais para tal.
As relações de dependência não são estabelecidas apenas por fatores exógenos, isto é, não é apenas o Sistema Internacional que implica no subdesenvolvimento das nações, como afirmava os teóricos mais radicais da dependência. Os processos internos, juntamente com os externos, explicam o processo de desenvolvimento nacional. No caso de Moçambique, a FRELIMO preocupa-se mais em manter a ajuda externa, do que com a criação de processos domésticos que discutam sobre o desenvolvimento, com a participação da sociedade civil, da mídia e do Parlamento.
Com base no pensamento de alguns teóricos da dependência, como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1979), pode-se afirmar que o desenvolvimento econômico dos países periféricos, sem romper com mundo externo, é possível, desde que tenha um caráter nacional e envolva a participação de grupos domésticos. Dessa forma, com a diminuição gradual das relações de dependência, um desenvolvimento nacional autônomo poderia ser alcançado.
Referências Bibliográficas
CARDOSO, F.He Faletto, E. Dependency and Development in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1979.
DE RENZIO, P. e HANLON, J. Contested Sovereignty in Mozambique: The Dilemmas of Aid Dependence. University College, Oxford, 2007.
DUARTE, P. H. E. & GRACIOLLI, E. J. A Teoria da Dependência: Interpretações sobre o (Sub) Desenvolvimento na América Latina. Disponível em <http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt3/sessao4/Pedro_Duarte.pdf>. Acesso em 30 de nov. de 2013.
JACKSON, R. e SORENSEN, G. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
NIPASSA, O. Ajuda Externa e Desenvolvimento em Moçambique: Uma Perspectiva Crítica. Conference Paper Nº36, 2009. Disponível em <http://www.iese.ac.mz/lib/publication/II_conf/CP36_2009_Nipassa.pdf>. Acesso em 08 de jul. de 2013.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Glossary of Statistical Terms. 2003. Disponível em: <http://stats.oecd.org/glossary/detail.asp?ID=6043> Acesso em 07 de jul. de 2013.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. (PNUD) Relatório de Desenvolvimento Humano 2015. Disponível em: http://www.pnud.org.br/HDR/Relatorios-Desenvolvimento-Humano-Globais.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHGlobais. Acesso em 29 de mar. de 2016.
RIDDEL, R. C. Does Foreing Aid Really Work? Oxford, Oxford University Press, 2007.
Luiza Bizzo Affonso é professora de Relações Internacionais da Universidade Católica de Petrópolis, mestre em Relações Internacionais pela UERJ e graduada em Relações Internacionais pelo IBMEC.