:: Quarta do Especialista :: Os Brics e a volatilidade de um mundo profanado

Autor Convidado: Bernardo Salgado Rodrigues

Brics.
Foto: IBGE

A crise mundial do capitalismo de 2008, e ainda hoje em curso, aprofundou o processo de desenvolvimento desigual, reforçando o deslocamento da produção industrial do Ocidente para o Oriente e a necessidade objetiva de uma nova ordem internacional. Desde o estabelecimento do sistema internacional de Estados nacionais, logo após a paz de Westfalia em 1648, as mutações na ordem internacional eram medidas praticamente em séculos. Atualmente, inúmeras transformações vêm sendo registradas em apenas três décadas. Deste fato decorre a inédita volatilidade e periculosidade da situação atual. 

Os Estados Unidos estão enfrentando uma crise de liderança nas relações políticas e econômicas com seus aliados e adversários, mas isso não significa uma diminuição do seu poder estrutural. A queda de seu poder relativo não deixará para segundo plano o seu protagonismo no século XXI.       

Es más, en un informe especial elaborado por el Pentágono se apunta que en los próximos años Washington deberá prepararse para vivir en un mundo mucho más hostil y competitivo, e que tendrá que lidiar con cinco categorías de actores nacionales: amigos, aliados, competidores, adversarios y enemigos, todos ellos midiendo sus fuerzas en la arena internacional.” (BORON, 2013, p.52)

Assim, no início do século XXI, a ascensão dos países emergentes que não estão no centro de gravidade da antiga ordem econômica mundial implica no estabelecimento de um mundo multipolar, no qual o surgimento dos Brics é um movimento de subversão estratégica da ordem estabelecida, a médio e longo prazo. Assim, ao lado do crescimento das relações econômicas e do modo com que o primeiro mundo vem enfrentando a crise, a necessidade de transição a uma nova ordem mundial explica e justifica a unidade dos Brics.
Os cinco países membros dos Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – possuem uma área correspondente a mais de um quarto da superfície terrestre, tendo quatro dos dez maiores países do mundo; 41% da população mundial, sendo a China e a Índia os países mais populosos; 27% do PIB/PCC global, com economias emergentes em ascensão e tomando lugar de antigas potências econômicas; seu crescimento do PIB, impulsionado pela China, corresponde a média global e um novo pólo dinamizador de crescimento. Entretanto, vale ressaltar que esse crescimento econômico, em grande parte, não tem sido acompanhado de melhorias sociais na mesma velocidade, em que seus PIB’s per capita ainda são baixos, apesar de acima da média global; seus IDH’s estão abaixo da média global e demonstram pouca evolução ao longo dos anos; e o GINI está acima da média global, o que demonstra uma relativa concentração de riqueza a partir desse crescimento econômico dos Brics.[1]
Da mesma forma, entre os anos de 1970-2014, podem-se perceber cinco características fundamentais: 1) a ascensão econômica exponencial dos Estados Unidos a partir de 1970 e, principalmente, nos anos 1990, com o processo de liberalização e desregulamentação econômica no âmbito da globalização e do neoliberalismo, onde tal crescimento e distanciamento ainda se faz presente, sobretudo se comparado aos demais países; 2) o “desenvolvimento à convite” das demais potências globais no século XX, alinhadas com o crescimento dos Estados Unidos, em que o Japão apresenta um crescimento exponencial entre 1975-1995, e a Alemanha entre 1985-1995; 3) o aumento acelerado do PIB de todos os países dos Brics, principalmente na virada do século XXI, com altas taxas de crescimento consecutivas até a crise de 2008, mas retomado seu crescimento econômico nos anos seguintes; 4) a discrepância entre o “líder do grupo” e os demais países, tanto nos Brics, no caso da China, como entre os países desenvolvidos, com os Estados Unidos, ambos correspondendo a mais da metade dos PIB’s agregados dos demais países; 5) ainda que com dois pólos de poder econômicos muito mais elevados, constata-se a ascensão de um mundo multipolar, numa nova ordem internacional composta por velhas e novas potências econômicas.[2]
Ainda, a relação desde 1970 entre o somatório do PIB entre os Brics e das três maiores potências no final do século XX (Estados Unidos, Japão e Alemanha) possui dois pontos distintos: o primeiro, em que a maior distância entre o somatório dos PIB’s entre os dois grupos foi constatada no ano de 1995, com uma relação G3/Brics de 6,44, enquanto que a menor relação foi, justamente, no último ano da série, 2013, com uma relação G3/Brics de 1,60.
Assim, constata-se que a mudança nas relações econômicas entre a Ásia, a África e a América Latina é um fato novo e de enorme importância para o redesenho da geometria econômica internacional. Pela primeira vez na história do sistema mundial, as relações entre países emergentes adquirem uma intensidade e dinamismo direto e expressivo.

“Além disto, o crescimento da economia mundial e desses fluxos e conexões econômicas aumentam a ‘pressão competitiva’ sobre esses continentes e sobre seus principais países, envolvendo-os de forma definitiva no sistema interestatal capitalista.” (FIORI, 2008, p.60)

A crise é um momento de dificuldades, mas também de transformação, de novas oportunidades; é o tempo histórico de apagar incêndios e de construir novas estratégias. Uma das saídas apresentadas para um enfrentamento eficiente da questão é o reforço da integração e cooperação Sul-Sul. De acordo com Marx (2010, p.43), “tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado.” Desta forma, os Brics no século XXI possuem a capacidade e a necessidade de profanar os ares instaurados pela crescente volatilidade da economia mundial, ocupando uma posição similar na ordem mundial em transição a fim de consolidar sua posição rumo à multipolaridade, a uma reforma multilateral de “governança”, reivindicando mudanças nas regras da “gestão” do sistema mundial e na sua distribuição hierárquica e desigual de poder e riqueza.

[1] Fonte: CIA World Factbook, Human Development Report (United Nations), Banco Mundial.

[2] Fonte: Banco Mundial.

Referências bibliográficas:

BORON, Atilio. América Latina en la geopolítica del imperialismo. Buenos Aires: Ediciones Luxemburg, 2013.

FIORI, José Luís. O sistema interestatal capitalista no início do século XXI. In: FIORI, José Luís; SERRANO, Franklin; MEDEIROS, Carlos Aguiar de. O mito do colapso do poder americano. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 11-70.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.

Fontes:

Banco Mundial.
CIA World Factbook.
Human Development Report (United Nations).


Bernardo Salgado Rodrigues é mestrando em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-PEPI). Graduando em Ciências Econômicas na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-FCE). Possui graduação em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-IFCS). Foi bolsista de iniciação científica CNPq/PIBIC. Atualmente é integrante do Laboratório de Estudos de Hegemonia e Contrahegemonia (LEHC-UFRJ) e membro do Grupo de Trabalho de Integración y Unidad Latinoamericana y Caribeña do CLACSO (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais).

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353