O que os candidatos à presidência programaram para a área internacional? Parte 2
Conforme anunciado na semana passada, os posts dessa semana e da próxima tratarão da área internacional dos Programas de Governo dos principais candidatos à Presidência da República, Aécio Neves (Coligação Muda Brasil), Dilma Rousseff (Coligação Com a Força do Povo) e Marina Silva (Unidos pelo Brasil). Aos interessados na leitura dos Programas aqui referidos, indicamos que acessem o site do TSE, em que se encontram todos os dados da disputa eleitoral e os Programas de Governo de todos os candidatos, ou o site oficial das campanhas. [1]
Antecipando as conclusões, a primeira questão que precisa ser levada em consideração é que o Programa de Governo da situação tem uma estrutura diferente dos demais, pois há uma preocupação em demonstrar os avanços alcançados ao longo do governo. Portanto, enquanto os Programas da oposição são críticos e propositivos, o Programa da situação pontua as ações realizadas e os planos de continuidades e/ou aprofundamento de políticas que pretende realizar.
A segunda questão é que há um consenso teórico que a política externa tem que ser encarada como uma política de Estado. Para Aécio, o objetivo é “restabelecer o seu tradicional caráter de política de Estado, visando o interesse nacional”. Para Dilma “tem sido e continuará sendo mais do que um instrumento de projeção do Brasil no mundo. Trata-se de um elemento fundamental de nosso projeto de nação”. Para Marina “É hora de revalidar a política externa como política de Estado realmente destinada à promoção dos interesses e dos valores nacionais.”
O que cada um entende como interesse nacional? Essa é uma questão que está implícita por todos os programas, em suas bases e suas coligações, suas ideologias e prioridades. Segundo seu programa, “o governo de Aécio terá visão de negócio sobre a política externa: vai estimular a competitividade das empresas brasileiras e acordos para além do Mercosul”. Para Dilma, houve nos últimos anos “uma profunda mudança na presença do Brasil no mundo a esse processo, em sintonia com as transformações pelas quais vem passando a cena internacional.”. Para Marina, “a política externa não pode ser refém de facções ou agrupamentos políticos. Deve refletir, sempre que possível, convergências sociais e multipartidárias. Surpreende o recurso nos últimos anos a “diplomacias paralelas”.”
Destacaremos, contudo, 6 temas centrais que consideramos comuns aos programas: Mercosul; integração da América do Sul; Defesa Nacional; Relações com o Sul do Mundo; Relações com EUA, Europa e Japão; Multilateralismo e Governança Global. No post de hoje trataremos os três primeiros.
O projeto de integração do Mercosul é percebido como estratégico pelos três candidatos, sendo inegável a importância política e econômica que os parceiros regionais têm para o Brasil. Essa semelhança se encerra quando analisadas as políticas comercial e internacional, revelando os diferentes pesos que cada coligação confere ao bloco regional e ao entorno brasileiro e os distoantes caminhos a serem seguidos diante das claras opções político-econômicas.
“Reexame das políticas seguidas no tocante à integração regional para, com a liderança do Brasil, restabelecer a primazia da liberalização comercial e o aprofundamento dos acordos vigentes e para, em relação ao Mercosul, paralisado e sem estratégia, recuperar seus objetivos iniciais e flexibilizar suas regras a fim de poder avançar nas negociações com terceiros países”
A oposição que o PSDB conferiu nos 12 anos do governo petista estão explicitas nesta frase. Reexame significa alteração de rumo. Para eles, correção. Os verbos se mantém no “re”. Reestabelecer significa voltar ao que estava certo, nesse caso, a liberalização comercial, principal bandeira da direita brasileira.
O Mercosul, como coadjuvante sem fala é tratado com o adjetivo paralisado, e seguido de mais um verbo com “re” recuperar (sarcasmo), mas que tem o sentido de voltar ao princípio do regionalismo aberto e da ausência de amarras para que os países sigam seus caminhos independentes, não mais em bloco. Logo, não haverá mais a tarifa externa comum, nem entre os países, nem com terceiros, mas um acordo de livre-comércio. Uma fórmula que “re”torna e que é conhecida, sobretudo pelo repúdio que causou em sua versão continental com as ínumeras desvantagens da Alca, conforme concebida pelos EUA.
Que conste, esse objetivo é o item 3 do programa de política externa da coligação. Depois dos princípios norteadores, dos EUA e da China, citados, e dos países desenvolvidos.
“A prioridade à América do Sul, América Latina e Caribe se traduzirá no empenho em fortalecer o MERCOSUL, a UNASUL e a Comunidade dos Países da América Latina e Caribe (CELAC), sem discriminação de ordem ideológica. O Brasil buscará antes de tudo a integração da região, por meio do fomento do comércio e da integração produtiva. Para tanto, dará ênfase especial à integração financeira e de suas infraestruturas física e energética. As transformações econômicas, sociais e políticas dos últimos anos em nosso continente habilitam a região a ser um importante ator no mundo multipolar que hoje se está desenhando.”
A coligação da atual presidenta, como apontamos acima, acredita que o que está sendo feito é parte indissociável do que deverá ser feito, portanto, parte de certas suposições de conhecimento do público, pouco avançando em explicações ou determinações mais concretas.
Esse é o primeiro parágrafo de fato sobre o tema, o que demonsta a importância da opção pela America do Sul. A citação direta de Mercosul, Unasul e Celac, sendo que as duas últimas foram concebidas e realizadas pelo governo ainda de Lula, é seguida de uma observação pela qual Dilma vem sendo culpada pela oposição: as questões de ordem ideológica são reverberadas pela mídia para revelar que há uma preferencia pela Venezuela e não pela Colômbia (exemplo). É fato que houve uma aproximação maior com Hugo Chavez do que com Manuel Santos, mas imputar valores ideológicos ao comportamento da política externa é desqualificar um caminho traçado pelo governo de priorização das relações sul-sul e do contorno estratégico com quem, igualmente, colocou como primordial o campo social e a exclusão de milhões que vinha se aprofundando, ainda que sem deixar outros de lado.
O plano segue, porém, sem esses itens aparentes nesse ponto de política externa. Dilma se rende, não sem razão, para a necessidade da integração pelo comércio e pela produção, com ênfase nas questões financeiras, físicas e energéticas. Com esses itens, demonstra a importância da autonomia nas relações internacionais brasileiras, pois todos esses pontos fortalecem a aproximação madura, com tentativa de redução das amarras do dólar e de vulnerabilidades externas.
Termina, contudo, com um lugar comum, de que a região pode ser um ator importante, talvez mostrando que não houve muito avanço no concerto das nações que alterasse de forma efetiva o lugar do continente sul-americano.
“O Mercosul não tem cumprido bem o desígnio original de constituir uma modalidade de “regionalismo aberto”. A expansão significativa do comércio intrarregional não foi acompanhada de empenho negociador do bloco em aumentar suas transações com outras regiões.”
“Integração da América do Sul: abrir as portas do Pacífico. Promover a aproximação socioambiental e cultural. Ter empresas brasileiras construindo a infraestrutura regional. Garantir estabilidade de regras e respeito a contratos.”
Verdade seja dita, a coligação de Marina tem o programa de política externa mais bem explicado dos três analisados. Ainda que não seja o programa oficial, logo, passível de mudanças. Sobre o tema em questão, faz a mesma avaliação da de Aécio, na qual é necessário retornar as origens liberais do bloco com ênfase do regionalismo aberto, da liberalização econômico-comercial. Pelo que se percebe, há um lamento pelo bloco ter avançado pela institucionalização, que fez com que houvesse um engessamento procedimental, no qual é possível, para alguns, obstaculizar o avanço das negociações de todos. Assim, o retorno à origem permitirá concluir, sem a anuência de todos, mas como um líder bondoso que sabe o que é bom para o bloco, as negociações com a União Europeia e outros. Parte da justificativa está pronta, inclusive quando “revela”: “A exigência de negociação conjunta − em bloco − consta apenas de uma resolução do Conselho de Ministros de Relações Exteriores, não sujeita a ratificação pelos parlamentos nacionais e, dessa forma, passível de pronta revogação.”
Essa feição se junta ao desígnio seguinte. Há um país que tem comprado muito do mundo, a China e nós estamos deixando essa chance de vender para eles passar, apesar de que, como veremos na próxima semana, a avaliação de Marina passa a imagem do grande país asiático em decadência.
O tom é profético, mas a matéria torna-se inconsistente pela falta de determinação dos meios para alcançar os fins, da análise das consequências das ações e por uma certa contradição em todos os desígnios e formas. Como Marina vai mudar o mundo e o Brasil realizando uma política velha conhecida da nossa “nova república”, não se sabe.
O tema da Defesa Nacional deve ser pensado em conjunto com as relações internacionais do país e, como áreas irmãs, elas devem dialogar constantemente em prol da segurança interna e externa do Estado. Dos temas relevantes para a agenda de Defesa Nacional contemporânea, os programas dos presidenciáveis são bastante econômicos e abordam basicamente as questões das fronteiras e das forças armadas, das quais derivam os demais temas. Sentimos falta em todos os programas, por exemplo, de temas como as migrações, abordado a pouco aqui no blog por Julia Monteath de França.
Outro problema presente em todos os programas é a falta de projetos concretos para a área. Que os temas da agenda de Defesa Nacional contemporânea são de extrema relevância para a política nacional e externa do país, todos os candidatos parecem concordar, mas faltam proposições concretas em relação a área, tais como foram observadas em relação ao Mercosul, por exemplo.
“Tratamento de Segurança Nacional à defesa das fronteiras, em especial na região amazônica, e das plataformas de produção e de perfuração em nosso mar territorial.”“Atualização da Política Nacional de Defesa, da Estratégia Nacional de Defesa e do Livro Branco de Defesa de forma a refletir as diretrizes políticas de governo orientadoras de transformações, tanto em termos estratégicos, como em termos de avanços tecnológicos.”
As “atualizações” propostas por Aécio, seguem a mesma lógica das “revisões” apontadas no item anterior. Se levarmos em consideração a ideia de que a política externa e de defesa são políticas de Estado (como destaca o candidato em seu programa), e que o Livro Branco de Defesa é do ano de 2012/2013, percebemos que não é uma questão de atualização, mas de aplicação do mesmo e para isso faltam propostas, não apenas no programa de Aécio, mas de todos os candidatos.
“A indústria naval brasileira recuperou e ampliou sua capacidade produtiva e alcança hoje 80 mil trabalhadores, voltando a ocupar uma posição de destaque no mundo. […] O Plano Estratégico de Fronteiras, em parceria com as forças estaduais de segurança, tem garantido um controle mais efetivo das nossas fronteiras. Evitamos, com o enfrentamento ao tráfico de drogas e armas, o fortalecimento do crime organizado em todo o país”
O programa de Dilma procura destacar as ações realizadas pelo seu governo em relação as fronteiras do país, as quais pretende dar continuidade. Seu programa é falho por deixar subentendido que o eleitor já conhece os posicionamentos do PT em relação ao tema. Contudo, é o único que demonstra ser possível descentralizar a questão da defesa em relação as forças armadas, a partir das parcerias com as forças estaduais.
“Defesa nacional: fortalecimento e modernização das Forças Armadas; proteção de nossas fronteiras contra a biopirataria, o tráfico e o contrabando.”
Como era de se esperar, o programa de Marina destaca a importância da proteção do meio ambiente e a crítica à biopirataria, mas não apresenta inovações. Seu discurso seguiu a linha tradicional de modernização e elevação do nível tecnológico das forças armadas, sem explorar o que isso pode significar para o desenvolvimento tecnológico nacional e para a imagem internacional do país.
[1] Cabe notar que os programas de governo dos presidenciáveis Aécio Neves e Dilma Rousseff homologado pelo TSE e o dos respectivos sites de campanhas são os mesmos. Já o programa disponibilizado no site de Marina Silva difere do que foi homologado pelo tribunal em diversos pontos, especialmente no item Política Externa, que não existe no programa oficial, neste o item base é Política de Defesa. Assim, nossa referência aqui será aos dois programas, ao que faremos uma indicação de onde o item se encontra.