Em terra sem teoria, quem tem um ditado faz lei
Volume 1 | Número 3 | Ago. 2014
Por Glauber Cardoso Carvalho
“In front of the conqueror and close to his enemy, there happen
Uma recente leitura do livro “Checkerboards and Shatterbelts: the geopolitics of South America”, escrito por Philip Kelly em 1997, me conduziu a duas indagações. A primeira está sinteticamente indicada no parágrafo acima, ou seja, como é atrativo separar e qualificar fatos e números, agrupando-os por afinidade, encontrar uma lógica estatística e colocar no mesmo balaio, assim, alhos e bugalhos. Depois disso, usa-se para testar qualquer coisa e concluir que foge do padrão. Se isso faz parte do “ser ciência” e funciona para os estudos da natureza, o mesmo é complicado de ser feito com as ciências sociais (apesar de largamente realizado e aprovado pelos círculos mais avançados do pensamento humano). Como agrupar ações e expectativas esperar encontrar uma fórmula mágica de comportamento? Assim é nossa vida. Deixarei essa discussão para outro momento.
A segunda indagação é da “reutilização de teorias” em outros contextos. Apesar de não deixar claro, Kelly usa a Teoria da Mandala para explicar seu checkerboard. Então, me perguntei o que seria? Comecemos com os conceitos de Kelly.
Para Kelly, na América do Sul foi importante a atuação do conceito de balança de poder, onde se tem que no momento em que um Estado decida se expandir, os outros Estados vão se rearrumar para manter o equilíbrio da balança. Isso teria sido o maior motivo para que neste subcontinente não tenha ocorrido uma guerra hegemônica regional. Assim, na história, o que marcou a América do Sul teriam sido conflitos pequenos, de curta duração, baseados em fronteira e em recursos naturais, em geral com ingerência de potência externa para sua finalização. Esse quadro foi conceituado de Checkerboard, que se revela como uma estrutura de balança de poder multipolar, na qual alianças estratégicas são formadas seguindo um padrão no qual prevalece o ditado “Meu vizinho é meu inimigo, mas o vizinho do meu vizinho é meu amigo”. É um modelo de equilíbrio no qual nenhuma força preponderante individualmente, de dentro da região, ou nenhum alinhamento teria a capacidade de controlar os outros países. O mapa do checkerboard acompanha o post.
[…] was not offering a modern balance of power argument. In the twentieth century, international relations theorists have defended the doctrine of the balance of power, because equally armed nations will supposedly deter each other, and therefore no war will result. One does find this argument occasionally in Kautilya: “In case the gains [of two allies of equal strength] are equal, there should be peace; if unequal, fight” or “the conqueror should march if superior in strength, otherwise stay quiet”. Whereas these balance of power theorists suggest that a nation arm itself so that it can ensure peace, Kautilya wanted his king to arm the nation in order to find or create a weakness in the enemy and conquer, even to conquer the world, or at least the subcontinent of India.
Assim, é possível criticar não somente o uso da Mandala incorporada à conceituação de Kelly, como também, a aplicação da teoria da Mandala para o caso da América do Sul, ou inserida em uma conceituação do tipo balança de poder, é que aquela teoria não se baseia no equilíbrio multipolar que leva à paz. Se na nossa região a manutenção da paz é dada pela constante da contenção de poderes, então, o espectro do tabuleiro conforme a Mandala não explica a ausência de conflitos contínuos de conquista, uma vez que nossos países não têm igual poderio.
REFERÊNCIAS
BANDYOPADHYAYA, Jayantanuja. A General Theory of International Relations. New Delhi: Allied Publishers Limited, 1993.
BOESCHE, Roger. Kautilya’s Arthasastra on War and Diplomacy in Ancient India. Defence Jounal. 2003. Disponível em: http://www.defencejournal.com/2003/mar/kautilya.htm Acesso em: 28/05/2014.
WEBER, Max. Ciência e Política. Duas vocações. Tradução: Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002.
De fato o livro não é muito pretensioso, funciona mais como um inventário das teorias geopolíticas existentes na América do Sul do que como uma teoria inovadora baseada na idéia de checkerboards e shatterbelts. O mais interessante é perceber o sucesso que a geopolítica angariou nos círculos militares sul-americanos e o próprio recorte de América do Sul que o autor adota, se diferenciando de um recorte latino-americano geralmente utilizado pelos norte-americanos. Não conhecia a origem da teoria da mandala bem apresentada no seu artigo e concordo plenamente com a inadequação de sua aplicação para a América do Sul. Entendi que o tabuleiro de xadrez não é mandala. Gostei do artigo, situa bem a falha do argumento principal do livro. (Licio Monteiro)
Glauber, seu texto demonstra que geopolítica serve para muito mais coisas do que simplesmente fazer guerras, apesar de uma insistência de autores da área em partir da premissa da violência para pensar as relações regionais e/ou interestatais. Aqueles que interesse, seu texto é uma ótima introdução aos estudos de Kelly e um instigante chamado aos estudos de Kautilya. Com relação a América do Sul, o Barão do Rio Branco, quando assumiu o Ministério das Relações Exteriores, colocou como objetivo pessoal resolver todos os problemas de fronteira do Brasil, pois para ele esse era um dos focos centrais dos conflitos entre os Estados no sistema interestatal. Pouco antes de falecer, ele havia esquematizado um projeto de integração econômica entre Brasil, Argentina e Chile (o Pacto ABC), como fundamental para a paz e para o desenvolvimento da região. Talvez este Diplomata (com D maiúsculo) ainda tenha muitas coisas a nos ensinar sobre paz, desenvolvimento e América do Sul.
Licio, agradeço seu comentário. Não sei se viu, mas atualizei o texto com um link para o pdf do Arthashastra. Os dois temas principais que vc aborda – geopolítica/militares e América do Sul/América Latina – darão, certamente, novos posts, pois são temas muito interessantes! Volte sempre!
Larissa… pois é… essa aproximação geopolítica/militares que o Licio também apontou acima é algo a ser mais discutido. Aliás, deve ser sempre discutida. Não só para desmistificar essa "premissa da violência" como vc aponta, mas para aproximar os estudos estratégicos da sociedade civil (que de alguma forma, creio, o curso de Defesa, da UFRJ, tem feito. Tem?) Quanto ao Barão… fica a dica para o seu post… sei de sua "queda" por ele…