Resenha: Perspectivas acerca da obra de Germana D’Acquisto

Volume 9 | Número 94 | Out. 2022

Por Débora Magalhães Ferreira da Costa

 Toda obra de caráter científico é um produto da necessidade humana de compreender. Seja de compreender o universo como um todo, a partir de       cálculos físicos e de       equações matemáticas, a vida em sua especificidade, usando-se de ferramentas bioquímicas, ou, até mesmo, a idiossincrasia da humanidade como espécie socialmente única. Dessa forma, não sendo uma exceção, a obra da docente da Università degli Studi di Napoli Federico II, Germana D’Acquisto, como muitos dos demais escritos académicos da área de Ciências Sociais e Humanísticas, é uma consequência direta da sede humana por tentar entender as correlações entre linguagem e sociedade política. 

 A obra em questão, publicada originalmente no ano de 2017, pela Cambridge Scholar Publishing, é a primeira edição de A Linguistic Analysis of Diplomatic Discourse: UN Resolutions on the Question of Palestine, ou “Uma Análise Linguística do Discurso Diplomático: as Resoluções da ONU sobre a Questão da Palestina”, em tradução livre. O escrito consiste em uma tese monográfica, publicado na forma de um livro estruturado. Trata-se acerca da linguística, como explicita o próprio título, e a sua importância dentro das resoluções das Nações Unidas referentes ao conflito que envolve a Palestina. Ao longo da tese são explicitados e analisados trechos das resoluções da Assembleia Geral da ONU e do Conselho de Segurança. Assim, a obra procura tratar do conflito quase secular entre Israel e Palestina, um assunto altamente debatido no meio académico e político, a partir de um novo ponto de vista: o ponto de vista da linguagem. 

Para estruturar tamanha complexidade em apenas um volume de cento e trinta e oito páginas, a obra constitui-se de uma organização muito bem definida. O livro, para além do prefácio escrito por Gabriella Di Martino, os agradecimentos e as referências, subdivide-se em introdução, três capítulos, conclusão e apêndix. Embora aparentemente o escrito não conte com muitos capítulos, isso se dá devido à quantidade de subcapítulos que apresenta: quinze no total. O mais curto dos três capítulos, o primeiro, tem como temática “as Nações Unidas e a Questão da Palestina” – no original, The United Nations and the Question of Palestine– e o seu conteúdo consiste em um breve histórico do conflito árabe-israelense, para que o leitor possa melhor compreender a conjuntura abordada. O segundo, A Functional Analysis of UN Resolutions, em tradução livre “Uma análise funcional das resoluções da ONU”, aborda, por sua vez, as resoluções da ONU enquanto formato e faz uma análise minuciosa de como se dão os textos. Por fim, o último capítulo, Modality in UN Resolutions, fala acerca dos modais linguísticos empregados nas resoluções anteriormente analisadas e a frequência com que eles aparecem. Trata-se      de um capítulo especialmente maçante, devido a sua carga linguística e demanda um grande conhecimento técnico do leitor     . Após a conclusão, que tem o título de Concluding Remarks, há a presença de quatro apêndix que servem como auxílio de leitura     . O primeiro se refere às resoluções da ONU, e o segundo      a uma cronologia histórica do conflito árabe-israelense, já o terceiro consiste em exercícios de compreensão para o leitor       e o último aborda a      ONU. O livro termina, então, com suas referências bibliográficas, o que é indispensável para qualquer obra de cunho científico. 

O trabalho em questão tem como objetivo investigar o papel e a importância do sistema verbal da língua inglesa e das expressões modais arcaicas na linguagem institucional das Nações Unidas. A obra também visa investigar os diferentes objetivos pragmáticos dos géneros textuais normativos da ONU. Assim, embora abranja um tema extremamente político, o enfoque da pesquisa em questão é muito mais linguístico, como o explicitado pela própria autora.

“In particular, the aim is to investigate the role of the English verbal system and archaic expressions in relation to modality in the institutional language of the United Nations as well as the different pragmatic purposes of its normative text types, taking into account the communicative interaction between the legal authority, the United Nations, and the addressees, the Member States and the International Community.” (D’ACQUISTO, Germana. 2017. pg. 1)

 Para atingir os seus objetivos, Germana D’Acquisto faz o uso de uma metodologia científica muito bem definida, embora esteja apenas implícito      ao longo do texto. A autora utiliza-se de uma pesquisa básica, extremamente descritiva, fazendo, assim, um uso constante de figuras e imagens das resoluções originais para construir o seu pensamento e a sua argumentação. Observa-se     um extenso uso da pesquisa documental, muito provavelmente em decorrência do teor de sua pesquisa, tendo em vista seu caráter linguístico-textual. Sua pesquisa pode ser classificada     , também,      como ex-post facto e de estudo de caso, uma vez que se trata de uma análise específica de resoluções da ONU referentes à Palestina e ainda publicadas, em sua maioria, no século XX. Por fim, pode-se dizer      que a metodologia utilizada é majoritariamente quantitativa e aparenta ser essencialmente dedutiva. 

Embora a metodologia utilizada seja adequada, tendo em vista os objetivos da pesquisa, é importante ressaltar que ela limita, em parte, as possibilidades da mesma. De facto, já o trabalho restringe, a partir dos seus intuitos majoritariamente linguísticos, a análise política a algo minoritário, conquanto, levando-se em conta a escolha de caso do estudo – a Palestina- valia estar presente na obra final uma maior crítica política acerca da conjuntura abordada. Seria mais adequado se, além de uma utilização extensa da pesquisa documental, a autora tivesse utilizado mais fontes secundárias e teorias das Relações Internacionais. Convinha      um maior aprofundamento relativo à influência das Grandes Potências em relação ao conflito,      que foi apenas superficialmente mencionado. Cabendo     , portanto, uma maior análise política do conflito, que por sua vez necessitava do      uso de um método mais misto de investigação social. 

Quanto às fontes utilizadas para o feitio da monografia, vale ressaltar que, referentes aquelas explicitamente citadas ao longo da obra, muitas dessas consistem em fontes primárias. Além da utilização das resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas, são citados diversos renomados autores da ciência linguística ao longo do texto, como J. K. Austin, F. R. Palmer, Birgmingham, D. Biber, M. Krug e Cohen, que por sua vez podem ser caracterizados como fontes secundárias. É importante frisar      que a autora faz o uso de uma extensa bibliografia, como é perceptível em suas referências.       O grande trabalho documental que a pesquisadora teve ao escolher e estruturar sua investigação é evidente. Embora D’Acquisto pudesse ter se utilizado de mais fontes primárias para além das resoluções da ONU e, em alguns momentos, cabia a citação a clássicos linguísticos, como Noam Chomsky e Ferdinand de Saussure, sua escolha bibliográfica é, inegavelmente, adequada. 

A respeito do problema teórico, a pesquisadora não o enuncia explicitamente, o que, por muitas vezes, acaba por deixar a construção textual enfadonha e abstrusa. É possível, contudo, inferi-lo ao fazer uma leitura minuciosa da monografia – trabalho que não seria necessário se o mesmo tivesse claro ao longo da obra. Assim, pode-se dizer que a problemática central circunda a influência das escolhas lexicais nas resoluções da ONU na tradução inglesa, e o impacto dessa influência no conflito árabe-israelense e a questão da Palestina. É possível argumentar      que omais adequado seria se a investigadora italiana o tivesse explicitado ainda nas primeiras páginas da obra. Isso ainda contribuiria      para definir a obra em sua essência: como uma produção mais linguística do que política. Por não o fazer, a cientista social      permite que o leitor crie certa expectativa      com o livro que não condiz com a realidade, deixando, assim, a experiência de leitura menos agradável. 

Já ao que refere aos aspectos mais relevantes da problemática apresentada, embora a autora não os problematize de facto     , são, sem dúvidas, a ambiguidade e multiplicidade de interpretações dos textos diplomáticos. Tal situação, que ocorre devido a utilização muitas vezes arcaica dos modais e ao emprego sistemático de ambivalências, abre a possibilidade para diferentes interpretações acerca de uma mesma resolução. Esta conjuntura presente nos textos diplomáticos pode acabar por dar uma brecha legal para a interpretação ao bel-prazer das grandes potências. Tal conjuntura política pode ser mais bem analisada na obra de Michael J. Cohen, “Palestine and the Great Powers, 1945-1948”, de 1982. Essa questão, contudo, não é pormenorizada ao longo da obra, como já citada anteriormente. Isso, por sua vez, leva a uma certa superficialidade do que deveria ser a mais relevante problemática, visto que a autora se contém a puramente analisar as questões linguísticas. Faltou à Germana D’Acquisto certa      valentia e destemor ao tratar das questões internacionais. É certo que a linguagem abre um grande espectro de investigação, contudo, no mundo contemporâneo as análises políticas se fazem de maior relevância e impacto no cenário internacional. Ora, é uma pena que tal investigação tenha sido desperdiçada por uma simples apreensão em contrapor os gigantes imperialistas do Sistema Internacional. 

De maneira geral, A Linguistic Analysis of Diplomatic Discourse: UN Resolutions on the Question of Palestine, apresenta-se como uma obra extremamente concisa e coerente, Utilizando-se de uma linguagem extremamente técnica e científica, Germana D’Acquisto consegue fazer a análise linguística que se propõe, embora, por fim, sua conclusão seja demasiadamente diminuta e sucinta, o que acaba por comprometer parte da consistência da obra. Isso pode ser claramente exemplificado pela extensão da mesma, que compõe apenas 0,0145% da obra – isto é, apenas duas páginas. Vale ressaltar que o terceiro e mais extenso capítulo, Modality in UN Resolutions, traz, em especial, uma grande carga linguística. Ao longo de cinquenta e duas páginas a autora apresenta um repertório vocabular extraordinariamente complexo e passa a fazer uma minuciosa análise linguística de praticamente cada um dos discursos apresentados no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral da ONU. A autora, nesse espaço, atua até mesmo contabilizando a frequência do uso de vocábulos específicos, sendo eles em sua maioria modais e conectores. Embora seja um capítulo coerente      com o resto da obra, ele torna-se extremamente cansativo e enfadonho, até mesmo para leitores da área.  O dialeto demasiadamente linguístico exige que o leitor esteja minimante familiarizado com a ciência da linguagem, com termos como modais de obrigação e modais de volitividade. Caso contrário     , boa parte das informações contidas no texto podem ser perdidas, o que torna o livro, de certa maneira, elitista. 

Por fim, ainda que demasiadamente linguística e pouco relacionada ao conflito em questão, a obra é extremamente única e original em sua área. A conjuntura da Palestina é um dos maiores temas da atualidade e a possibilidade de abordá-lo de uma maneira singular e inovadora já é um grande feito de Germana D’Acquisto. Definitivamente, é uma boa leitura para o internacionalista que quer melhor compreender o impacto da linguagem em sua área de atuação, muito embora não apresente uma grande componente política. 

REFERÊNCIAS:

D’Acquisto, G. (2017) A Linguistic Analysis of Diplomatic Discourse: UN Resolutions on the Question of Palestine. Cambridge Scholars Publishing. 

Fiorin, J. L. (2004) Introdução à Linguística. Editora contexto

Marcuschi, L. A. (2008) Produção textual, análise de gêneros e compreensão. Editora Parábola

Spray, S. Roselle, L. (2012) Research and Writing in International Relations. Longman

Cohen, Michael J. (1982) Palestine and the Great Powers, 1945-1948. Princeton

Débora Magalhães Ferreira da Costa é graduanda no curso de Relações Internacionais da UFRJ, com estudos realizados na Universidade do Porto, onde realizou diversos cursos livres, entre eles cursos sobre Diplomacia, Política Externa e Geopolítica e Geoestratégia.

Como citar:

COSTA, Débora Magalhães Ferreira da. Resenha: Perspectivas acerca da obra de Germana D’Acquisto, Diálogos Internacionais, vol.9, n.94, set.2022. Disponível em: https://dialogosinternacionais.com.br/?p=2750

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353