O Direito à Educação na jurisprudência da Corte IDH
Volume 11 | Número 109 | Jun. 2024
André Luna
Resumo
A proteção ao direito à educação está prevista nos instrumentos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos – SIDH. Neste sistema, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH é o órgão responsável pela interpretação e aplicação das normas. Os integrantes do SIDH precisam dispor de compreensão comum bem delimitada, convindo contar com consolidação atualizada da jurisprudência do órgão. O problema enfrentado neste artigo consiste na pergunta: qual a melhor formulação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação que se pode colher na atualidade na jurisprudência da Corte IDH? Para respondê-la, realiza pesquisa empírica documental abarcando todas as sentenças e todos os pareceres consultivos produzidos pelo órgão desde sua criação até o término de maio de 2023, coletados em seu portal Internet com auxílio de técnica de raspagem de dados por software, também utilizado para inspecionar o conteúdo em busca de menções aos dispositivos protetivos do direito à educação, classificando e quantificando os artefatos. Empreende análise qualitativa textual sobre o resultado, identificando os oito documentos mais significativos. Deles, extrai a melhor formulação protetiva, que define como essenciais quatro elementos: disponibilidade; acessibilidade; aceitabilidade; e, adaptabilidade. A ausência de um ou mais deles, configura violação do direito à educação.
Palavras-chave: Sistema Interamericano de Direitos Humanos; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Sentença; Parecer Consultivo.
Sumário
1. Introdução. 2. Breve histórico dos sistemas protetivos de direitos humanos. 3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos – SIDH. 4. Dinâmica do SIDH. 5. Direito à educação na jurisprudência da Corte IDH. 6. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos – SIDH é o sistema protetivo de direitos humanos que atua nas Américas, sendo mantido pela Organização dos Estados Americanos – OEA. É composto por dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH; e, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH, considerada um órgão judicial autônomo, com funções jurisdicional e consultiva, instância responsável pela hermenêutica de construção de direitos. Tem por objetivo assegurar a observância dos padrões internacionais de direitos humanos no continente, caracterizando-se por responsabilizar os Estados pelas violações de direitos humanos.
A proteção ao direito à educação encontra-se expressamente prevista nos instrumentos normativos do SIDH, mais especificamente, em quatro de seus dispositivos: a) no artigo XII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; b) no artigo 49 da Carta da OEA; c) no artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH; e, d) no artigo 13 do Protocolo de San Salvador.
Visando a consecução desta finalidade, os integrantes do SIDH precisam dispor de uma compreensão comum delimitada para orientarem o seu direito interno e as suas práticas. Além da simples leitura dos dispositivos e das construções doutrinárias da literatura especializada, convém contar com uma consolidação atualizada da jurisprudência da Corte IDH, visto que o conteúdo e alcance do mandamento permanece em constante transformação na medida em que o sistema vai sendo demandado.
O problema enfrentado no presente artigo consiste na seguinte pergunta: qual é a melhor formulação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação que se pode colher na atualidade na jurisprudência da Corte IDH?
Para responder ao questionamento, empreende-se um processo de gradativa aproximação cognitiva do objeto de estudo composto de quatro etapas, que correspondem às seções deste trabalho. Na primeira, apresenta-se um brevíssimo histórico do surgimento e da estruturação dos sistemas global e regional de proteção de direitos humanos. Na segunda, os instrumentos e os órgãos do SIDH, com suas respectivas atribuições, apontando como se deu a adesão dos Estados e quais as principais críticas que lhe são tecidas. Mostra, também, os dispositivos que contêm as prescrições de proteção ao direito à educação.
O itinerário tem continuidade na terceira etapa, onde se expõe a dinâmica do SIDH, isto é, o funcionamento de suas engrenagens nas demandas contenciosas e consultivas. Trata-se de conhecimento útil para compreensão de quais são os produtos resultantes de sua operação. Fluxogramas são empregados com finalidade didática.
A caminhada deságua na quarta etapa com a especificação dos artefatos selecionados – sentenças e pareceres consultivos, aqui entendidos como evidências empíricas mais relevantes para apreensão do posicionamento da Corte IDH. Com eles, fecha-se o cerco ao objeto de estudo, definindo o seu recorte como: a) jurisprudência da Corte IDH; b) manifestada por meio dos enunciados dos documentos de sentenças e de pareceres consultivos; c) documentos que contêm menção a, pelo menos, um dos quatro dispositivos normativos protetivos do direito à educação do SIDH; d) documentos produzidos entre a criação do órgão e o término de maio de 2023; e, e) em que ocupa o polo passivo do julgamento – quando sentença – um dos vinte e dois Estados que reconhecem a competência da Corte.
Nela, descreve-se a metodologia utilizada e os resultados obtidos, detalhando a técnica de coleta de artefatos, de tabulação e quantificação de dados, bem como de classificação e de análise qualitativa do conteúdo textual. A pesquisa documental da jurisprudência, de natureza empírica e método indutivo, conduz – com nível satisfatório de precisão – aos documentos mais significativos. Deles, extrai a melhor formulação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação proferida pelo órgão.
2. Breve histórico dos sistemas protetivos de direitos humanos
Inexiste consenso sobre qual o mais antigo marco histórico concernente à proteção dos direitos humanos. (RAMOS, 2022, p. 39). Há quem argumente que seus precursores seriam os primeiros códigos positivados, em virtude de terem fixado deveres e direitos – reminiscências longínquas do que hoje se compreende por direitos humanos. (CASTILHO, 2018, p. 31-106).
Estariam interconectadas, em maior ou menor potência, as codificações de: Urukagina – século XXIV a.C.; Ur-Nammu – século XXI a.C., Hammurabi – século XVIII a.C., Nesilim – século XVII a.C.; Torah – séculos X a VI a.C.; Draco – séc. VII a.C.; Solon – séc. VI a.C.; Gortyn, e Doze Tábuas – séc. V a.C.; Éditos de Ashoka, e Manusmṛiti – séc. III a.C; Corpus Juris Civilis, e Sharia – século VI; Tang – séc. VII; Magna Carta Libertatum – século XIII; Bula Sublimis Deus – séc. XVI; Bill of Rights – séc. XVII; Declaração de Direitos da Virgínia, Declaração Americana de Independência, Constituição dos Estados Unidos da América, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – século XVIII; Encíclica Rerum Novarum, e 13ª Emenda à Constituição dos EUA – século XIX; e, Constituições do século XX.
De outra parte, merece consideração o contra-argumento de que essas conexões padecem de anacronismo, tratando-se de revisionismo especulativo que atribui ideias, sentimentos, costumes e valores contemporâneos a épocas e a culturas às quais não pertencem, bem como da projeção de uma linearidade no espaço e no tempo incompatível com o devir histórico. Os direitos amparados por alguns desses códigos tinham diferentes abrangências e fundamentos – religiosos, éticos, morais e políticos. (ROBERTSON; MERRILS, 1996, p. 2-15; RAMOS, 2022, p. 39-40).
Gradativamente, foi sendo construída uma concepção – com pretensão universal – de que todas as pessoas, de todos os povos, em todas as condições, deveriam ser reconhecidas como dotadas de dignidade intrínseca, pelo simples fato de ser humana, demandando a proteção de seus direitos contra as diferentes formas de humilhação ou de discriminação. (DONNELLY, 2013, p. 7; PIOVESAN, 2019, p. 65-72; ROBERTSON; MERRILS, 1996, p. 1; MAZZUOLI, 2019, p. 23-25; RAMOS, 2022, p. 35).
A primeira metade do século XX foi fortemente impactada pelas duas grandes Guerras Mundiais. As iniciativas humanitárias anteriores – como a Convenção de Genebra de 1864, por exemplo, que criou a Cruz Vermelha para tratamento dos feridos nos campos de batalha – não se mostraram à altura do desafio.
Essas terríveis catástrofes – não apenas entre países, mas também contra seus próprios povos – elevaram o clamor mundial pelo estabelecimento de instrumentos e de organismos protetivos transnacionais efetivos, abrangentes e profundos, culminando com a estruturação – a partir de meados da década de 1940 – dos atuais sistemas de proteção aos direitos humanos, os quais possuem âmbitos global e regional. (DONNELLY, 2013, p. 161-179; CASTILHO, 2018, p. 168-201; MAZZUOLI, 2019, p. 69-71; ROBERTSON; MERRILS, 1996, p. 25-76; RAMOS, 2022, p. 173).
Após o término da Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas – ONU instituiu o sistema de proteção internacional de direitos humanos de âmbito global, tendo como principais instrumentos normativos: a) Carta das Nações Unidas (ONU, 1945a); b) Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948); c) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1967a); d) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU, 1967b); e, e) Declaração e Programa de Ação de Viena (ONU, 1993).
No âmbito regional, estão consolidados três sistemas de proteção internacional de direitos humanos, subordinados e complementares ao sistema global: a) Sistema Interamericano de Direitos Humanos – SIDH; b) Sistema Europeu de Direitos Humanos; e, c) Sistema Africano de Direitos Humanos – SADH. (DONNELLY, 2013, p. 172-178; CASTILHO, 2018, p. 189; PIOVESAN, 2019, p. 120-121; MAZZUOLI, 2019, p. 137-165).
Salta aos olhos a ausência de um sistema regional asiático, despertando imediata reflexão de que a pretensão universal da concepção de direitos humanos encontra melhor acolhida em parte do hemisfério ocidental. Trata-se de embate recorrente entre universalistas e relativistas culturais. Joaquín Herrera FLORES (2005, p. 227-234) aponta riscos no humanismo abstrato descontextualizado. Boaventura de Sousa SANTOS (1997, p. 11-32) propõe como solução uma formulação multicultural. (DONNELLY, 2013, p. 75-118).
Existem iniciativas em curso, cabe anotar, de estruturação de sistemas regionais asiático e árabe, mas apresentam incompatibilidades com os parâmetros protetivos do sistema global, especialmente no tocante à discriminação contra as mulheres, as crianças e os não-nacionais. (DONNELLY, 2013, p. 178-179; CASTILHO, 2018, p. 198-201; PIOVESAN, 2019, p. 122-123; MAZZUOLI, 2019, p. 166-170; ROBERTSON; MERRILS, 1996, p. 238-273).
3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos – SIDH
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos – SIDH, objeto de interesse deste estudo, é mantido pela Organização dos Estados Americanos – OEA, tendo como instrumentos normativos mais relevantes: a) Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (IX CONFERÊNCIA INTERNACIONAL AMERICANA, 1948); b) Carta da Organização dos Estados Americanos – Carta da OEA (OEA, 1948); c) Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica (OEA, 1969); e, d) Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cognominado de Protocolo de San Salvador (OEA, 1988). (MAZZUOLI, 2019, p. 144-156; PIOVESAN, 2019, p. 156-157).
O caráter de subordinação e de complementaridade ao sistema global é expresso nos dois primeiros artigos da Carta da OEA, parcialmente aqui transcritos: “Artigo 1 […]. Dentro das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos constitui um organismo regional. […]. Artigo 2 […] para cumprir com suas obrigações regionais, de acordo com a Carta das Nações Unidas […]” (OEA, 1948).
Quatro dispositivos normativos do SIDH tratam especificamente do direito à educação: a) Artigo XII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; b) Artigo 49 da Carta da OEA; c) Artigo 26 da CADH; e, d) Artigo 13 do Protocolo de San Salvador. (SANTOS; NIYAMA, 2021, p. 340-341).
O artigo XII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem manifesta que “toda pessoa tem direito à educação […]” e “[…] tem o direito de que lhe seja ministrada gratuitamente, pelo menos, a instrução primária.” (IX CONFERÊNCIA INTERNACIONAL AMERICANA, 1948).
O artigo 49 da Carta da OEA estabelece para os seus Estados-membros o compromisso de que empreenderão os maiores esforços com vistas a assegurar o exercício efetivo do direito à educação. Dispõe, ainda, que: a) o ensino fundamental será obrigatório para a população em idade escolar e será gratuito, quando ministrado pelo Estado; b) o ensino médio será estendido progressivamente à maior parte da população; e, c) o ensino superior será acessível a todos. O artigo 50 prescreve especial atenção à erradicação do analfabetismo. (OEA, 1948).
O artigo 26 da CADH compromete seus Estados-partes à adoção de providências a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade do direito à educação. (OEA, 1969).
O artigo 13 do Protocolo de San Salvador – o mais efusivo dos dispositivos que tratam do tema – reitera que toda pessoa tem direito à educação e que: a) o ensino fundamental deve ser obrigatório e acessível a todos gratuitamente; b) o ensino médio deve ser generalizado e tornar-se acessível a todos, progressivamente ofertado de maneira gratuita; e, c) o ensino superior deve tornar-se acessível a todos, em conformidade com a capacidade de cada um, progressivamente ofertado de maneira gratuita. Acrescenta que: d) deve-se promover o ensino básico para quem não concluiu o ciclo fundamental; e, e) deve-se oferecer ensino diferenciado para formação de pessoas deficientes. (OEA, 1988).
Transcreve-se abaixo a segunda cláusula do citado artigo 13:
2. Os Estados Partes neste Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz. Convêm, também, em que a educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista, conseguir uma subsistência digna, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz. (OEA, 1988).
Não passa despercebido que, em grande medida, o Protocolo de San Salvador, firmado em 1988, tão somente reproduz a mensagem enunciada quarenta anos antes, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Carta da OEA, permanecendo atual quase quarenta anos depois, indicando que a meta de efetivo exercício do direito à educação segue como projeto inacabado no continente americano. (SANTOS; NIYAMA, 2021, p. 342-343).
Dois órgãos integram o SIDH: a) Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH (OEA, 1979a); e, b) Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH (OEA, 1979b). A CIDH procura promover junto aos Estados-membros[1] a observância e a defesa dos direitos humanos, investigando e divulgando as (des)conformidades, formulando recomendações aos governos e atuando como força motriz que põe em movimento as engrenagens da Corte IDH, a qual, por sua vez, é tida como instituição judicial autônoma, responsável pela uniformização da interpretação e da aplicação das normas protetivas, exercendo funções: a) jurisdicional; e, b) consultiva. (OEA, 1969; RAMOS, 2022, p. 369-432; PIOVESAN, 2019, p. 158-198 MAZZUOLI, 2019, p. 149-156).
Uma vez que este estudo tem por objeto a jurisprudência e que a jurisprudência no SIDH é feita pela Corte IDH, os esforços foram concentrados exclusivamente nas suas evidências empíricas, descartando as da CIDH. Não obstante, para melhor compreensão de como se dá a provocação da Corte, apresentam-se mais adiante os papéis desempenhados pela CIDH.
O quadro abaixo mostra os Estados[2] geograficamente localizados nas Américas com suas respectivas datas de adesão ao SIDH – datas de ratificação de tratados e de reconhecimento da competência da Corte IDH:
Quadro 1 – Adesão ao SIDH
Continente | Estado | Carta da OEA | CADH | Protocolo de San Salvador | Corte IDH |
América Central | Antígua e Barbuda | 03/12/1981 | – | – | – |
América do Sul | Argentina | 19/01/1956 | 14/08/1984 | 30/06/2003 | 05/09/1984 |
América Central | Bahamas | 01/03/1982 | – | – | – |
América Central | Barbados | 14/11/1967 | 05/11/1981 | – | 04/06/2000 |
América Central | Belize | 08/01/1991 | – | – | – |
América do Sul | Bolívia | 25/09/1950 | 20/06/1979 | 12/07/2006 | 27/07/1993 |
América do Sul | Brasil | 11/02/1950 | 09/07/1992 | 08/08/1996 | 10/12/1998 |
América do Norte | Canadá | 20/12/1989 | – | – | – |
América do Sul | Chile | 05/05/1953 | 10/08/1990 | 23/03/2022 | 21/08/1990 |
América do Sul | Colômbia | 07/12/1951 | 28/05/1973 | 22/10/1997 | 21/06/1985 |
América Central | Costa Rica | 30/10/1948 | 02/03/1970 | 29/09/1999 | 02/07/1980 |
América Central | Cuba | 08/07/1952 | – | – | – |
América Central | Dominica | 22/05/1979 | 03/06/1993 | – | – |
América Central | El Salvador | 15/08/1950 | 20/06/1978 | 04/05/1995 | 06/06/1995 |
América do Sul | Equador | 21/12/1950 | 08/12/1977 | 10/02/1993 | 24/07/1984 |
América do Norte | Estados Unidos da América | 15/06/1951 | – | – | – |
América Central | Grenada | 13/05/1975 | 14/07/1978 | – | – |
América Central | Guatemala | 18/03/1951 | 27/04/1978 | 30/05/2000 | 09/03/1987 |
América do Sul | Guiana | 08/01/1991 | – | – | – |
Europa | Guiana Francesa[3] | – | – | – | – |
América Central | Haiti | 21/08/1950 | 14/09/1977 | – | 20/03/1998 |
América Central | Honduras | 13/01/1950 | 05/09/1977 | 14/09/2011 | 09/09/1981 |
América Central | Jamaica | 07/08/1969 | 19/07/1978 | – | – |
América do Norte | México | 23/11/1948 | 02/03/1981 | 08/03/1996 | 16/12/1998 |
América Central | Nicarágua | 21/06/1950 | 25/09/1979 | 15/12/2009 | 12/02/1991 |
América Central | Panamá | 16/03/1951 | 08/05/1978 | 28/10/1992 | 09/05/1990 |
América do Sul | Paraguai | 30/03/1950 | 18/08/1989 | 28/05/1997 | 11/03/1993 |
América do Sul | Peru | 15/05/1952 | 12/07/1978 | 17/05/1995 | 21/01/1981 |
América Central | República Dominicana | 11/04/1949 | 21/01/1978 | – | 25/03/1999 |
América Central | Santa Lúcia | 22/05/1979 | – | – | – |
América Central | São Cristóvao e Névis | 12/03/1984 | – | – | – |
América Central | São Vicente e Granadinas | 03/12/1981 | – | – | – |
América do Sul | Suriname | 01/06/1977 | 12/11/1987 | 28/02/1990 | 12/11/1987 |
América Central | Trinidad e Tobago | 14/03/1967 | 03/04/1991 | – | 28/05/1991 |
América do Sul | Uruguai | 17/08/1955 | 26/03/1985 | 21/11/1995 | 19/04/1985 |
América do Sul | Venezuela | 21/12/1951 | 01/07/2019 | 13/07/2020 | 24/06/1981 |
Fonte: OEA (2023a; 2023b).
A lista contém trinta e seis itens. Somente a Guiana Francesa não assina a Carta da OEA. Dos trinta e cinco que integram a OEA, dez não ratificaram a CADH: a) Antígua e Barbuda; b) Bahamas; c) Belize; d) Canadá; e) Cuba; f) Estados Unidos da América; g) Guiana; h) Santa Lúcia; i) São Cristóvao e Névis; e, j) São Vicente e Granadinas. Notória e lamentável a ausência dos Estados Unidos da América e do Canadá. O primeiro, além de abrigar a sede da OEA – em Washington, DC – figura como principal contribuinte financeiro. (GOLDMAN, 2009, p. 883; KOERNER; MACIEL; MAIA, 2017, p. 39; RAMANZINI, 2017, p. 99).
Dos vinte e cinco que ratificaram a CADH, três não reconhecem a competência da Corte IDH: a) Dominica; b) Grenada; e, c) Jamaica. Por fim, sete dos vinte e cinco não ratificaram o Protocolo de San Salvador: a) Barbados; b) Dominica; c) Grenada; d) Haiti; e) Jamaica; f) República Dominicana; e, g) Trinidad e Tobago.
Desse modo, na atualidade, o universo de Estados que ratificam tanto a CADH quanto o Protocolo de San Salvador e que, adicionalmente, reconhecem a competência da Corte IDH é composto pelos seguintes dezoito: a) Argentina; b) Bolívia; c) Brasil; d) Chile; e) Colômbia; f) Costa Rica; g) El Salvador; h) Equador; i) Guatemala; j) Honduras; k) México; l) Nicarágua; m) Panamá; n) Paraguai; o) Peru; p) Suriname; q) Uruguai; e, r) Venezuela.
Os sistemas de proteção aos direitos humanos – tanto global quanto regional – bem como o direito internacional como um todo são criticados pela ausência de mecanismos impositivos efetivos. Pela perspectiva do Juspositivismo Normativo, a juridicidade – qualidade ou caráter do que é jurídico – da norma decorre da possibilidade de se recorrer a um garante, geralmente, Estado-jurisdição, para que faça uso de uma tal força tida como legítima para impor sanção ao infrator da prescrição. Sem a possibilidade de coerção, diz-se que a norma é desjuridicizada. (KELSEN, 1998, p. 23-29; KELSEN, 1986, p. IX; HART, 2001, p. 26-30; BOBBIO, 1995, p. 66-68; BASCH; FILIPPINI; LAYA; NINO; ROSSI; SCHREIBER, 2010; VILANOVA, 2000, p. 190; RAMANZINI, 2017, p. 45-46).
Ocorre que a matéria-prima do direito internacional é o compromisso dos signatários de seus tratados de que cumprirão as normas ou as decisões da instituição convencionada como julgadora. Porém, tanto Estados quanto pessoas, por vezes, assumem compromissos que nem sempre estão convictos de que futuramente pretendem cumpri-los. Para além da sinceridade, acontece também de mudarem de posição com o passar do tempo ou com a alteração de sua condição na relação normativa.
Estudo de 2010, contemplando determinações emanadas dos órgãos do SIDH de 2001 a 2006 mostrou que 50% das medidas não foram cumpridas e que 14% foram cumpridas apenas parcialmente. Do que chegou a ser cumprido, a maior parte referiu-se a reparações monetárias ou simbólicas. Medidas de investigação ou punição de responsáveis foram descumpridas em 76% das ocasiões. (BASCH; FILIPPINI; LAYA; NINO; ROSSI; SCHREIBER, 2010, p. 18).
Isto provoca um certo ceticismo quanto ao efetivo impacto do SIDH na transformação da região, marcada por democracias fragilizadas e persistentes violações de direitos. Não se deve ignorar o elemento de resistência cultural presente nessas sociedades. O discurso de proteção aos direitos humanos é frequentemente deturpado, atribuído a vertente política de esquerda. Parcela significativa de argentinos acolheu o bordão: “nosotros somos derechos y humanos”. O Brasil teve como equivalente: “direitos humanos para humanos direitos”.
Outra crítica ao SIDH diz respeito aos seus recursos, considerados aquém do necessário às suas pretensões. Jack DONNELLY (2013, p. 175-176) afirma que a Corte IDH julga um número demasiadamente pequeno de casos. Robert K. GOLDMAN (2009, p. 882-883), que o SIDH corre risco iminente de colapso financeiro, alertando que a CIDH dispõe de menos de 4,6% do orçamento total da OEA. Isabela RAMANZINI (2017, p. 63-66) destaca que as contribuições voluntárias dos Estados-membros são insuficientes e esporádicas. Os Estados Unidos, maior e mais assíduo contribuinte, não ratificou a CADH, suscitando dúvidas sobre o seu compromisso e acusações de utilizar o SIDH como instrumento de dominação regional.
4. Dinâmica do SiDH
Esta seção mostra como se desenvolvem no âmbito do SIDH as demandas contenciosa e consultiva, tendo por objetivo esclarecer o motivo da seleção das evidências empíricas – mais adiante, examinadas – tidas como as mais significativas para apreensão da jurisprudência da Corte IDH.
O ponto de partida para uma demanda contenciosa no SIDH é a apresentação de petição junto à CIDH, o que, nos termos do artigo 23 de seu regulamento, pode ser feita por “qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros […]” (CIDH, 2009). Nessa instância, além do citado regulamento, o procedimento é regido pelo estatuto da CIDH (OEA, 1979a) e pela CADH (OEA, 1969). O fluxograma exibido abaixo procura ilustrar de maneira didática a sequência de etapas, sem a pretensão de exaurir todas as alternativas. (PIOVESAN, 2019, p. 160-161).
Fluxograma 1 – Procedimento na CIDH
Fonte: Elaboração própria a partir da CADH (OEA, 1969) e do regulamento da CIDH (2009).
A CIDH procederá ao exame de admissibilidade da petição, prescrito nos artigos 46 e 47 da CADH e nos artigos 26 a 36 do regulamento, averiguando se foram cumpridos os pré-requisitos: a) identificação do(s) denunciante(s), Estado e vítima(s); b) relato dos fatos – se houve violação de matéria contemplada pelas normas; c) vigência à época dos fatos – data de ratificação da norma pelo Estado; d) esgotamento dos recursos internos[4] – salvo impedimento, injustificada demora processual ou inexistência de devido processo legal; e) decurso do prazo de seis meses desde a decisão definitiva interna; e, f) ausência de litispendência internacional. (CIDH, 2009; OEA, 1969; RAMOS, 2022, p. 479-480; PIOVESAN, 2019, p. 160-161).
De maneira muito condensada: ouvidas as considerações das partes, caso seja admitida a petição, formaliza-se a abertura do caso; as partes são notificadas para que se manifestem e forneçam informações em prazos prefixados; eventualmente, realiza-se investigação, visando confirmar ou afastar as hipóteses de violações de direitos; enquanto houver consentimento das partes, tenta-se mediar uma solução amistosa; não sendo exitosa a mediação, delibera-se sobre o mérito; ratificado o entendimento de que houve violação, propõem-se recomendações ao Estado; não sendo cumpridas as recomendações, publica-se o resultado no relatório anual da OEA, dando margem para submissão do caso à Corte IDH. (PIOVESAN, 2019, p. 161-163; RAMOS, 2022, p. 479-487; CASTILHO, 2018, p. 408-411; DONNELLY, 2013, p. 175-176).
O Relatório de Mérito, também chamado de Informe de Fundo, previsto no artigo 50 da CADH e no artigo 44 do regulamento da CIDH, constitui o insumo essencial para a instância seguinte, caso se opte pela continuidade da contenda – vide artigo 61 da CADH e artigos 35 e 36 do regulamento da Corte IDH. (OEA, 1969; CIDH, 2009; CORTE IDH, 2009).
O procedimento contencioso na Corte IDH, por sua vez, é regido pela CADH (OEA, 1969), pelo seu estatuto (OEA, 1979b) e pelo respectivo regulamento (CORTE IDH, 2009). O fluxograma exibido abaixo procura ilustrar de maneira didática a sequência de etapas, de igual modo, sem pretensão de exaurir todas as alternativas. (CASTILHO, 2018, p. 411).
Fluxograma 2 – Procedimento na Corte IDH
Fonte: Elaboração própria a partir da CADH (OEA, 1969) e do regulamento da CORTE IDH (2009).
A legitimidade ativa para ingressar com ação junto à Corte IDH é exclusiva da CIDH e dos Estados que reconhecem a sua competência – artigos 61 e 62 da CADH; artigos 35 e 36 do regulamento. Pessoas e organizações não são aptas à submissão de casos ao órgão. Porém, desencadeado o processo, “[…] supostas vítimas ou seus representantes poderão apresentar de forma autônoma o seu escrito de petições, argumentos e provas e continuarão atuando dessa forma durante todo o processo” (CORTE IDH, 2009) – artigo 25 do regulamento. Há também a previsão de atuação como amicus curiae – artigo 44 do regulamento. Somente Estados que reconhecem a competência da Corte IDH podem ocupar o polo passivo – artigo 62 da CADH. (CASTILHO, 2018, p. 411-412; OEA, 1969; CORTE IDH, 2009).
De maneira muito condensada: caso a submissão cumpra os requisitos, notificam-se os juízes da Corte IDH, o Estado demandado, a CIDH e, as vítimas ou seus representantes; abre-se um prazo de dois meses para que as partes – a) vítimas ou seus representantes; b) Estado demandado; e, b) CIDH – apresentem petições, provas e argumentos; exceções preliminares opostas pelo Estado são apreciadas de início, podendo dar termo ao processo, se acolhidas; a qualquer momento, o Estado pode aceitar os fatos e as pretensões, bem como adotar solução amistosa, extinguindo a demanda; a audiência congrega depoimentos, perícias, argumentações e contra argumentações; feitas as alegações finais, o colegiado da Corte delibera e profere sua sentença de mérito – definitiva e inapelável; caso solicitado, emite sentença complementar de interpretação, esclarecendo o conteúdo e o alcance da decisão – dinâmica semelhante à dos Embargos de Declaração; ao término, a Corte supervisiona a execução da sentença. (CORTE IDH, 2009; OEA, 1969; RAMOS, 2022, p. 487-545; CASTILHO, 2018, p. 411-412).
Uma das exceções preliminares de admissibilidade utilizadas com maior frequência pelos Estados demandados refere-se à falta de esgotamento dos recursos internos. Oportuno anotar que a Corte IDH tem reiterado o entendimento de que o argumento precisa ser invocado já no procedimento perante a CIDH, sob pena de desistência tácita da objeção, posto que a alegação a posteriori violaria o princípio do estoppel – princípio de boa-fé nas relações internacionais, que consiste na congruência comportamental ao longo do tempo. Dito de outro modo, vedada a conduta em juízo que seja contrária à conduta anterior – non concedit venire contra factum proprium. (RAMOS, 2022, p. 491; TRINDADE, 1998, p. 28-33).
Merecem menção, ainda, as “medidas provisórias” – prescritas pelo artigo 63 da CADH e pelo artigo 27 do regulamento – que podem sem determinadas pela Corte IDH nos casos de extrema gravidade e urgência antes do término do processo de conhecimento, visando dirimir danos irreparáveis às pessoas. Na terminologia jurídica brasileira, assemelha-se às “medidas cautelares”. (RAMOS, 2022, p. 492-495; OEA, 1969; CORTE IDH, 2009).
A ação que transcorre junto à Corte IDH é uma ação de “responsabilização internacional do Estado por violação de direitos humanos” (RAMOS, 2004, p. 410). O artigo 63 da CADH fixa como objetivos: assegurar “ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados”; e, quando possível e apropriado, reparar as consequências da lesão, eventualmente, através do pagamento de uma indenização. (OEA, 1969). Assim, o conteúdo da sentença de mérito pode constituir obrigações de: a) dar; b) fazer; ou, c) não fazer. (RAMOS, 2022, p. 495-496).
Não menos relevante que a função jurisdicional da Corte IDH é a sua função consultiva – prevista no artigo 64 da CADH e nos artigos 70 a 75 do regulamento. Tendo por objetivo a uniformização da interpretação das normas americanas de proteção aos direitos humanos, os Estados-membros da OEA podem, em qualquer circunstância, acioná-la para: a) delimitar o conteúdo e o alcance das normas e da jurisprudência interamericana; ou, b) realizar o controle de convencionalidade, isto é, a verificação de compatibilidade das normas e práticas internas com o SIDH. (RAMOS, 2022, p. 545-556; OEA, 1969; CORTE IDH, 2009).
Cabe ressaltar que o enunciado do artigo 64 da CADH traz como legítimos à provocação dessa função apenas os Estados-membros da OEA. O artigo 70 do regulamento do órgão, no entanto, expandiu o rol, acrescentando a CIDH, que acabou por se converter na mais prolífica demandante, contribuindo efetivamente com mais de um quarto do total de demandas. (OEA, 1969; CORTE IDH, 2009; CORTE IDH, 2023a).
5. Direito à educação na Jurisprudência da Corte IDH
Dentre os muitos artefatos elaborados pelos participantes durante o processo contencioso, a Sentença representa o produto mais significativo do posicionamento da Corte IDH. Por seu turno, cada demanda consultiva que lhe é submetida resulta num documento denominado de Parecer Consultivo. Tanto as sentenças quanto os pareceres são disponibilizados na íntegra ao público através do Portal Internet do órgão sob a forma de arquivos eletrônicos com formato PDF. No encerramento de maio de 2023, estavam disponíveis quatrocentos e oitenta e quatro sentenças e trinta pareceres consultivos. Todos foram coletados para análise de seu conteúdo. (CORTE IDH, 2023a; CORTE IDH, 2023b).
Selecionadas as evidências empíricas, fecha-se o cerco ao objeto de estudo, definindo seu recorte como: a) jurisprudência da Corte IDH; b) manifestada por meio dos enunciados dos documentos de sentenças e de pareceres consultivos; c) documentos que contêm menção a, pelo menos, um dos quatro dispositivos normativos protetivos do direito à educação do SIDH; d) documentos produzidos entre a criação do órgão e o término de maio de 2023; e, e) em que ocupa o polo passivo do julgamento – quando sentença – um dos vinte e dois Estados que reconhecem a competência da Corte.
A coleta dos arquivos eletrônicos e a tabulação de seus dados foi realizada com a técnica conhecida como raspagem de dados, ou, “Web Scraping”, utilizando o software ParseHub em conjunto com aplicação desenvolvida em linguagem de programação Java na plataforma Eclipse. O programa Java também foi empregado na análise do discurso, fazendo proveito da biblioteca “java.util.regex”, que torna possível o processamento de “expressões regulares” – do inglês, “regular expressions”, abreviada como “regexp” – que simplificam a localização de termos em suas diferentes flexões – número, pessoa, modo, tempo, voz. (FRIEDL, 2006). A automação da atividade viabilizou a inspeção rápida, mas minuciosa, do volumoso material. Foram examinadas quase trinta mil páginas de texto na pesquisa documental.
O itinerário de aproximação cognitiva do objeto de estudo iniciou-se pela quantificação das sentenças por ano e por década para compreensão da evolução do volume de produção jurisdicional da Corte ao longo do tempo. As quantidades são apresentadas na tabela abaixo, demonstrando tendência crescente – embora, em notória desaceleração percentual, o que leva a supor que o teto já se encontra próximo de ser alcançado. Diante do tamanho da população e do histórico da região abarcada, os números parecem demasiadamente acanhados.
Tabela 1 – Sentenças por ano e por década
Ano | Qtd | Ano | Qtd | Ano | Qtd | Ano | Qtd | Ano | Qtd | ||||
1991 | 3 | 2001 | 20 | 2011 | 18 | 2021 | 27 | ||||||
1992 | 0 | 2002 | 7 | 2012 | 21 | 2022 | 34 | ||||||
1993 | 2 | 2003 | 7 | 2013 | 16 | 2023[5] | 3 | ||||||
1994 | 2 | 2004 | 15 | 2014 | 16 | ||||||||
1995 | 5 | 2005 | 20 | 2015 | 18 | ||||||||
1996 | 7 | 2006 | 23 | 2016 | 21 | ||||||||
1987 | 3 | 1997 | 8 | 2007 | 12 | 2017 | 14 | ||||||
1988 | 1 | 1998 | 9 | 2008 | 18 | 2018 | 28 | ||||||
1989 | 4 | 1999 | 17 | 2009 | 19 | 2019 | 25 | ||||||
1990 | 2 | 2000 | 7 | 2010 | 9 | 2020 | 23 | ||||||
10 | 60 | 150 | 200 | 64 |
Fonte: CORTE IDH (2023b).
Na sequência, as sentenças foram classificadas quanto ao seu conteúdo, verificando-se que podem versar – isolada ou conjuntamente – sobre: a) mérito; b) exceções preliminares; c) esclarecimentos – isto é, interpretação de sentença anterior; d) reparações; e) homologação de solução amistosa; e, f) cumprimento de sentença.
Do total de 484 sentenças, 411 (ou seja, 84,9%) contêm decisões de mérito, das quais: a) 373 (90,7%) contêm disposições sobre reparações e 38 não contêm; b) 220 contêm apreciação de oposição de exceções preliminares e 191, não; e, c) 79 referem-se a esclarecimentos e 332, não. Do total, 405 (83,7%) contêm disposições sobre reparações, das quais: a) 373 contêm decisões de mérito e 32, não; b) 213 contêm apreciação de oposição de exceções preliminares e 192, não; e, c) 82 referem-se a esclarecimentos e 323, não.
Do total, 253 (52,3%) contêm exceções preliminares, das quais: a) 220 contêm decisões de mérito e 33, não; b) 213 contêm reparações e 40, não; e, c) 47 referem-se a esclarecimentos e 206, não. Do total, 88 (18%) referem-se a esclarecimentos, das quais: a) 79 contêm decisões de mérito e 9, não; b) 82 contêm reparações e 6, não; c) 47 contêm apreciação de oposição de exceções preliminares e 41, não.
Do total, cinco sentenças (1%) são dedicadas à homologação de solução amistosa: a) 326 – Gómez Murillo y otros Vs. Costa Rica; b) 361 – Escaleras Mejía y otros Vs. Honduras; c) 369 – Trueba Arciniega y otros Vs. México; d) 432 – Buzos Miskitos (Lemoth Morris y otros) Vs. Honduras; e, e) 466 – Huacón Baidal y otros Vs. Ecuador.
Do total, duas (0,4%) consistem em renovação de comando de cumprimento de sentença, reiterando ao Estado – sob o argumento do princípio pacta sunt servanda – que, pelos termos do artigo 68.1 da CADH, ele assumiu o compromisso de execução de sentença da Corte IDH na ocasião do reconhecimento de sua competência: a) 59 – Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú (CORTE IDH, 1999a, p. 7); e, b) 60 – Loayza Tamayo Vs. Perú; e, c) 104 – Baena Ricardo y otros Vs. Panamá (CORTE IDH, 1999b, p. 10).
A percepção de que um mesmo caso pode resultar em mais de uma sentença conduziu à investigação de quantos deles foram efetivamente contemplados pelo órgão. Constatou-se que as 484 sentenças referem-se a 347 casos distintos, dos quais: a) duzentos e quarenta contam com uma única sentença; b) oitenta e seis, com duas; c) dezesseis, com três; d) três, com quatro; e, e) dois, com seis. São eles: e.1) Loayza Tamayo Vs. Perú – sentenças 25, 33, 42, 47, 53 e 60; e, e.2) Cesti Hurtado Vs. Perú – 49, 56, 62, 65, 78 e 86.
Avizinhando-se do cerne da questão, todas as sentenças foram esquadrinhadas em busca de menções simultâneas a: a) direito à educação; e, b) um dos quatro dispositivos normativos do SIDH que tratam especificamente de sua proteção.
O quadro abaixo demonstra os trinta e quatro documentos que satisfazem os critérios da pesquisa. A primeira coluna contém o identificador numérico da sentença – também compõe a nomenclatura do respectivo arquivo eletrônico. A segunda, o título do caso. Por fim, as quatro últimas referem-se aos dispositivos normativos – abreviados para facilitar sua exibição.
Quadro 2 – Sentenças localizadas
Serie | Caso | DADDH Art. XII | C. OEA Art. 49 | CADH Art. 26 | P. SS Art. 13 |
112 | “Instituto de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay | – | – | X | X |
125 | Comunidad indígena Yakye Axa Vs. Paraguay | – | – | X | – |
130 | Niñas Yean y Bosico Vs. República Dominicana | X | – | X | – |
198 | Acevedo Buendía y otros Vs. Perú | – | – | X | – |
214 | Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay | – | – | – | X |
246 | Furlan y familiares Vs. Argentina | – | – | X | – |
261 | Suárez Peralta Vs. Ecuador | – | – | X | – |
296 | Canales Huapaya y otros Vs. Perú | – | – | X | – |
298 | Gonzales Lluy Vs. Ecuador | – | – | X | X |
318 | Trabajadores de la Hacienda Brasil Verde Vs. Brasil | – | – | X | – |
325 | Yarce y otras Vs. Colombia | – | – | X | – |
340 | Lagos del Campo Vs. Perú | – | – | X | – |
344 | Trabajadores Cesados de Petroperú y otros Vs. Perú | – | – | X | – |
348 | San Miguel Sosa y otras Vs. Venezuela | – | – | X | – |
349 | Poblete Vilches y otros Vs. Chile | – | – | X | – |
359 | Cuscul Pivaral y otros Vs. Guatemala | – | – | X | X |
375 | Muelle Flores Vs. Perú | – | – | X | – |
394 | ANCEJUB-SUNAT Vs. Perú | – | – | X | – |
400 | Comunidades indígenas miembros de la Asociación Lhaka Honhat (Nuestra Tierra) Vs. Argentina | – | – | X | X |
405 | Guzmán Albarracín y otras Vs. Ecuador | – | X | X | X |
407 | Empleados de la Fábrica de Fuegos en Santo Antônio de Jesus y sus familiares Vs. Brasil | – | – | X | – |
419 | Casa Nina Vs. Perú | – | – | X | – |
423 | Guachalá Chimbo y otros Vs. Ecuador | – | X | X | – |
427 | Empleados de la Fábrica de Fuegos en Santo Antônio de Jesus y sus familiares Vs. Brasil | – | – | X | – |
443 | Profesores de Chañaral y otras Municipalidades Vs. Chile | – | – | X | – |
448 | Federación Nacional de Trabajadores Marítimos y Portuarios (FEMAPOR) Vs. Perú | – | X | – | |
449 | Pavez Pavez Vs. Chile | X | X | X | – |
453 | Guevara Díaz Vs. Costa Rica | – | X | – | |
464 | Mina Cuero Vs. Ecuador | – | – | X | – |
465 | Benites Cabrera y otros Vs. Perú | – | – | X | – |
469 | Valencia Campos y otros Vs. Bolivia | – | – | X | – |
474 | Brítez Arce y otros Vs. Argentina | – | – | X | – |
477 | Nissen Pessolani Vs. Paraguay | – | – | X | – |
483 | Aguinaga Aillón Vs. Ecuador | – | – | X | – |
Fonte: CORTE IDH (2023b).
Na etapa seguinte, eminentemente humana, o texto contido nos documentos localizados foi lido com o auxílio do software Adobe Acrobat, próprio para arquivos PDF, confirmando a assertividade do resultado. Em dois, foi mencionado o artigo XII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; em três, o artigo 49 da Carta da OEA; em seis, o artigo 13 do Protocolo de San Salvador. A redação do artigo 26 da CADH é muito genérica, tratando a um só tempo de diversos direitos – econômicos e sociais, de educação, ciência e cultura – o que explica sua quase onipresença no universo amostral.
Constatou-se que apenas duas sentenças reconheceram a violação do direito à educação[6]: 298 – Gonzales Lluy Vs. Ecuador (CORTE IDH, 2015, p. 120); e, 405 – Guzmán Albarracín y otras Vs. Ecuador (CORTE IDH, 2020b, p. 83). Em ambas, a Corte IDH posicionou-se pelo descumprimento do artigo 13 do Protocolo de San Salvador.
No primeiro caso, Talía Gabriela Gonzales Lluy foi contaminada pelo HIV aos três anos de idade, durante uma transfusão de sangue, sendo impedida por causa disso de frequentar o ensino fundamental do Equador. (CORTE IDH, 2015, p. 4-12). No segundo, entre os 14 e 16 anos de idade, Paola del Rosario Guzmán Albarracín foi vítima de violência sexual enquanto estudante do Colegio Fiscal Técnico de Comercio y Administración Dr. Miguel Martínez Serrano, no Equador, cometida pelo vice-reitor e pelo médico da instituição pública de ensino. (CORTE IDH, 2020b, p. 4-11).
Oito sentenças trazem uma abordagem incidental sobre o direito à educação das vítimas, mas sem deliberação quanto ao mérito de sua violação: a) 112 – “Instituto de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay (CORTE IDH, 2004); b) 125 – Comunidad indígena Yakye Axa Vs. Paraguay (CORTE IDH, 2005a); c) 130 – Niñas Yean y Bosico Vs. República Dominicana (CORTE IDH, 2005b); d) 214 – Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay (CORTE IDH, 2010); e) 246 – Furlan y familiares Vs. Argentina (CORTE IDH, 2012); f) 318 – Trabajadores de la Hacienda Brasil Verde Vs. Brasil (CORTE IDH, 2016); g) 407 – Empleados de la Fábrica de Fuegos en Santo Antônio de Jesus y sus familiares Vs. Brasil (CORTE IDH, 2020a); e, h) 474 – Brítez Arce y otros Vs. Argentina (CORTE IDH, 2022b).
Nas demais vinte e oito sentenças, a abordagem é ainda mais vaga. Em algumas, o direito à educação não foi o bem propriamente lesionado; noutras, refere-se a vítimas secundárias, como, por exemplo, dependentes da vítima primária; também houve situações em que foi tido como menos relevante que outros direitos – à vida ou à integridade pessoal, por exemplo.
Exatamente o mesmo procedimento foi realizado sobre os pareceres consultivos. Cinco documentos satisfazem os critérios da pesquisa. Em dois deles, foi mencionado o artigo XII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; em um, o artigo 49 da Carta da OEA; em três, o artigo 26 da CADH; em dois, o artigo 13 do Protocolo de San Salvador.
A leitura atenta revelou que somente dois pareceres abordaram especificamente o direito à educação: a) OC-17/02; e, b) OC-29/22. O primeiro discorreu superficialmente sobre a sua correlação com os direitos da criança – artigo 19 da CADH; e, artigo 16 do Protocolo de San Salvador. (CORTE IDH, 2002, p. 41-71). O segundo, sobre os direitos de pessoas privadas de liberdade, inclusive, crianças, em cuja seção, citou o Comentário Geral nº 13 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que define precisamente quais são as quatro “características inter-relacionadas e essenciais” (ONU, 1999, p. 2, tradução nossa) ao efetivo exercício do direito à educação: a) disponibilidade; b) acessibilidade; c) aceitabilidade; e, d) adaptabilidade. (CORTE IDH, 2022a, p. 80-83; ONU, 1999, p. 2-3).
O Comentário Geral nº 13 representa um esforço de aprofundamento da compreensão do conteúdo normativo do direito à educação prescrito pelo artigo 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1967a) – dispositivo do sistema protetivo de âmbito global cuja reprodução no âmbito do SIDH foi operacionalizada por meio do artigo 13 do Protocolo de San Salvador.
As quatro características essenciais são descritas em minúcias que deixam pouca margem para dúvidas quanto à sua satisfação. Por disponibilidade, entende-se a existência de institutos e de programas de ensino em quantidade suficiente e em condições adequadas, envolvendo fatores como instalações sanitárias, água potável, docentes qualificados, material de ensino. (ONU, 1999, p. 2-3; HUAROTO; ALVAREZ, 2011, p. 10; IIDH, 2008, p. 288).
Acessibilidade refere-se à possibilidade de todos ingressarem nos institutos e programas de ensino. Desdobra-se em: a) não discriminação – especialmente, grupos mais vulneráveis; b) acessibilidade física – localização geográfica ou uso de tecnologia para acesso remoto; e, c) acessibilidade econômica. Aceitabilidade, por seu turno, diz respeito a conteúdo e a método pedagógico culturalmente pertinente, de boa qualidade, ausência de riscos e de exposição a violência. (ONU, 1999, p. 3; HUAROTO; ALVAREZ, 2011, p. 10; IIDH, 2008, p. 288-289).
Por adaptabilidade, compreende-se a flexibilidade necessária para acomodar alunos com diferentes necessidades, de acordo com seus contextos, respeitando a diversidade, procurando acolher minorias étnicas e raciais, deficientes, imigrantes, menores de idade que não podem frequentar o sistema convencional – infratores ou trabalhadores, por exemplo. (ONU, 1999, p. 3; HUAROTO; ALVAREZ, 2011, p. 10; IIDH, 2008, p. 289).
O Comentário Geral nº 13 parece ter encontrado a melhor formulação para delimitação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação ao fixar as suas quatro características essenciais. Trata-se de uma formulação negativa, indicando quais elementos são tidos como indispensáveis. A ausência de um ou mais deles aponta para sua violação. O primeiro momento em que a Corte IDH o levou em consideração foi em 2010, no âmbito da sentença 214 – Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay (CORTE IDH, 2010, p. 54), embora figure apenas numa breve e inexplorada nota de rodapé.
Porém, foi somente em 2015 que o órgão veio a explorar todo o potencial da formulação, na ocasião da já citada sentença 298 – Gonzales Lluy Vs. Ecuador (CORTE IDH, 2015, p. 67-68), motivo pelo qual se julga aqui ser a mais significativa para apreensão do posicionamento da Corte IDH. Na tradição da Common Law, poderia constituir um caso paradigmático.
Além dessas duas, o Comentário Geral nº 13 consta noutras cinco sentenças exibidas no quadro 2 – Sentenças Localizadas. São elas: a) 261 – Suárez Peralta Vs. Ecuador; b) 349 – Poblete Vilches y otros Vs. Chile; c) 375 – Muelle Flores Vs. Perú; d) 405 – Guzmán Albarracín y otras Vs. Ecuador; e, e) 449 – Pavez Pavez Vs. Chile. Por sua vez, um único parecer consultivo o menciona: OC-29/22 (CORTE IDH, 2022a, p. 82).
Muitas vezes, o direito à educação surge correlacionado ao direito da criança, levantando a hipótese de que isto delimitaria os limites de sua abrangência, restringindo sua proteção aos menores de idade – pelos termos prescritos pelo artigo 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, “considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade” (ONU, 1989, p. 2, tradução nossa).
Para confirmá-la ou rejeitá-la, realizou-se um exame adicional sobre os documentos do quadro 2 em busca de menções aos dispositivos protetivos do direito da criança. No âmbito do SIDH, são três: a) Artigo VII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; b) Artigo 19 da CADH; e, c) Artigo 16 do Protocolo de San Salvador.
Das trinta e quatro, dezoito sentenças (53%) satisfazem o critério de pesquisa: 112; 125; 130; 214; 246; 261; 296; 298; 318; 325; 400; 405; 407; 419; 423; 449; 469; e, 474. Dezesseis (47%) não satisfazem: 198; 340; 344; 348; 349; 359; 375; 394; 427; 443; 448; 453; 464; 465; 477; e, 483. Os percentuais obtidos constituem condição suficiente para rejeição da hipótese. Dito de outra forma, a proteção ao direito à educação é frequentemente invocada à revelia de sua correlação com a proteção ao direito da criança.
Não obstante, convém examinar melhor a influência da correlação num estudo posterior. Certamente, quando a vítima é menor de idade – independentemente de sua condição: rural ou urbana; privada ou não de liberdade; nata ou estrangeira; indígena; quilombola; deficiente; em situação de rua; pobreza extrema – o julgamento é simplificado, sobretudo quanto ao ensino fundamental, de pretensão gratuita, obrigatória e universal, mas também facilmente extensível ao ensino médio. Constatada a ausência de um ou mais dos quatro elementos essenciais, configura-se fatalmente a violação. Outros grupos de destinatários acabam por provocar uma deliberação mais criteriosa.
A investigação em busca da resposta ao questionamento inicial produziu dois resultados: a) identificação dos documentos resultantes da atuação da Corte IDH mais significativos no tocante à proteção ao direito à educação; e, b) localização da melhor formulação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação na jurisprudência da Corte IDH.
O documento mais significativo é a sentença 298 – Gonzales Lluy Vs. Ecuador. Também se recomenda a leitura do parecer OC-29/22 e das sentenças 214, 261, 349, 375, 405 e 449. A melhor formulação localizada na jurisprudência da Corte IDH sobre a proteção ao direito à educação consiste na averiguação da presença concomitante dos seguintes quatro elementos: a) disponibilidade; b) acessibilidade; c) aceitabilidade; e, d) adaptabilidade. A ausência de um ou mais deles, fatalmente, configura violação do direito à educação.
6. Considerações finais
1. O escopo da pesquisa desenvolvida neste artigo foi a proteção ao direito à educação na jurisprudência da Corte IDH.
2. Tentou-se responder a seguinte pergunta: qual é a melhor formulação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação que se pode colher na atualidade na jurisprudência da Corte IDH?
3. Para tanto, procurou-se introduzir o contexto ao leitor, expondo um breve histórico do surgimento e da estruturação dos sistemas global e regional de proteção de direitos humanos, bem como os instrumentos e órgãos que compõem o SIDH, com suas respectivas atribuições, apontando como se deu a adesão dos Estados e quais as principais críticas que lhe são tecidas, destacando os quatro dispositivos normativos que prescrevem especificamente a proteção ao direito à educação: a) artigo XII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; b) artigo 49 da Carta da OEA; c) artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH; e, d) artigo 13 do Protocolo de San Salvador.
4. Ainda a título de familiarização, apresentou-se como funciona o SIDH nas demandas contenciosas e consultivas, facilitando a compreensão de quais são os produtos resultantes de sua operação e do motivo pelo qual se optou pela seleção de sentenças e pareceres consultivos como evidências empíricas mais relevantes para apreensão do posicionamento da Corte IDH.
5. Com a seleção dos artefatos que constituem os alvos da investigação, fechou-se o cerco ao objeto de estudo, cujo recorte foi especificado como: a) jurisprudência da Corte IDH; b) manifestada por meio dos enunciados dos documentos de sentenças e de pareceres consultivos; c) documentos que contêm menção a, pelo menos, um dos quatro dispositivos normativos protetivos do direito à educação do SIDH; d) documentos produzidos entre a criação do órgão e o término de maio de 2023; e, e) em que ocupa o polo passivo do julgamento – quando sentença – um dos vinte e dois Estados que reconhecem a competência da Corte.
6. A pesquisa produziu dois resultados concretos: a) identificação dos documentos resultantes da atuação da Corte IDH mais significativos no tocante à proteção ao direito à educação; e, b) localização da melhor formulação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação na jurisprudência da Corte IDH.
7. Oito documentos foram considerados os mais significativos para o objetivo pretendido. Deles, o mais relevante é a sentença 298 – Gonzales Lluy Vs. Ecuador. O parecer consultivo OC-29/22 e as seguintes seis sentenças completam o conjunto: a) 214 – Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay; b) 261 – Suárez Peralta Vs. Ecuador; c) 349 – Poblete Vilches y otros Vs. Chile; d) 375 – Muelle Flores Vs. Perú; e) 405 – Guzmán Albarracín y otras Vs. Ecuador; e, f) 449 – Pavez Pavez Vs. Chile.
8. A melhor formulação de conteúdo e alcance da prescrição de proteção ao direito à educação que se pode colher na atualidade da jurisprudência da Corte IDH foi extraída desses documentos, consistindo na averiguação da presença concomitante dos seguintes quatro elementos: a) disponibilidade; b) acessibilidade; c) aceitabilidade; e, d) adaptabilidade. A ausência de um ou mais deles, fatalmente, configura violação do direito à educação.
9. Incidentalmente, afastou-se a hipótese de que a proteção ao direito à educação teria sua abrangência restrita aos menores de idade, decorrência de sua correlação com a proteção ao direito da criança. Todavia, convém examinar melhor qual a influência num estudo posterior.
Referências
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[1] No SIDH, a expressão “Estados-membros” refere-se aos Estados que integram a OEA, enquanto que “Estados-partes”, aos que ratificaram a CADH. Vide: artigos 1, 35 e 62 da CADH (OEA, 1969); artigos 1 e 2 do estatuto da CIDH (OEA, 1979a); artigos 3 e 4 do estatuto da Corte IDH (OEA, 1979b); e, artigo 2 do regulamento da Corte IDH (CORTE IDH, 2009).
[2] Neste ponto, o termo Estado é empregado em sua acepção ampla.
[3] A Guiana Francesa não é um estado soberano, mas um território ultramarino da França. Desde 2015, possui estatuto de coletividade territorial, contando com legislativo unicameral e alguma autonomia administrativa.
[4] A jurisprudência dos órgãos de supervisão da proteção internacional dos direitos humanos – tanto de âmbito global quanto regional – aponta para a flexibilização da regra do esgotamento dos recursos internos, atribuindo maior ônus de prova aos Estados demandados, tendo por fundamento o imperativo de proteção do ser humano. (TRINDADE, 1998, p. 16-17).
[5] Alerte-se o leitor que a quantidade de sentenças concernentes ao ano de 2023 é uma parcial, está incompleta, considerando apenas os meses de janeiro a maio.
[6] O estudo de Celso de Oliveira SANTOS e Beatriz Mendes NIYAMA (2021, p. 344-355) incorreu em erro ao afirmar que as sentenças 112 – “Instituto de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay e 130 – Niñas Yean y Bosico Vs. República Dominicana reconheceram a violação do direito à educação. De fato, elas reconheceram inúmeras violações – vida, integridade pessoal, criança, dever de adoção de disposições de direito interno, garantias judiciais, proteção judicial, nacionalidade, igualdade perante a lei, nome e personalidade jurídica – mas não especificamente do direito à educação (CORTE IDH, 2004, p. 154; CORTE IDH, 2005b, p. 89). Por sua vez, o estudo de Beatriz Ramirez HUAROTO e Brenda Alvarez ALVAREZ (2011, p. 16) afirmou que nenhuma sentença da Corte reconheceu violação do direito à educação, informação correta à época, mas que já se encontra desatualizada.
André Luna é doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Ciências Jurídicas (2021) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bacharel em Direito (2014) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Direito Tributário (2017) pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). MBA em Gerenciamento de Projetos (2004) pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-DF). Especialista em Redes de Computadores (2001) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bacharel em Ciência da Computação (1999) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Auditor fiscal tributário estadual – Secretaria de Estado da Fazenda da Paraíba (Sefaz-PB).