Resenha Crítica: “O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926): Vencer ou Não Perder”

Volume 11 | Número 111 | Set. 2024

Por
Eduarda Mussi Honorato
Isabela de Souza Carvalho

Intrinsecamente à compreensão da diplomacia brasileira e ao Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD), Eugênio Vargas Garcia, diplomata, escritor e historiador, com um amplo conhecimento e influência internacional expressada pelas suas produções acadêmico-científicas, consolidou-se como referência notável na disciplina de Relações Internacionais no Brasil. Cônsul-Geral Adjunto e Chefe de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consulado-Geral do Brasil em São Francisco, EUA), ele também é Doutor em História das Relações Internacionais (Universidade de Brasília, 2001) e outrora pertencia ao corpo docente do Instituto Rio Branco.

Em seu trabalho intitulado “O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926): Vencer ou Não Perder” (2000), o autor analisa a atuação do Brasil nessa organização internacional, previamente na adesão como membro fundador até a deliberação de se retirar em 1926. Com isso, ao conduzir magistralmente a atenção para a complexidade da política externa brasileira da época, Eugênio Vargas Garcia destaca a influência dual das motivações, interesses e papéis executados pelo país na Liga referente aos discursos idealistas e realistas  na formulação de estratégias diplomáticas continuamente aprofundados por todo o período.

Estruturado em cinco capítulos, além da introdução e conclusão, o livro contextualiza a participação do Brasil na Liga das Nações dentro do cenário internacional dos entreguerras, o qual foi indiscutivelmente marcado por perplexidades e contradições. Ademais, ancorado em uma argumentação comparativamente crítica e analítica, o autor versa perante um caráter indagatório sobre as limitações e as contradições inerentes ao sistema de Estados soberanos na tentativa de se estabelecer uma gestão coletiva da paz mundial e de criar uma autoridade supranacional nas relações internacionais, ou seja, uma ordem nacional mais justa e pacífica. Numa perspectiva espaçosa, o ensaio traz a realidade da assídua inserção brasileira em um ambiente internacional de resoluta transformação no século XX.

Nesse primeiro capítulo, “O Brasil e o Estabelecimento da Ligas das Nações”, Eugênio Vargas o divide em 4 subtópicos que exploram diferentes aspectos a fim de explicar a instalação do Brasil nesse cenário internacional. Nesse viés, essas subcategorias fornecem uma visão abrangente do estabelecimento brasileiro nas Liga das Nações, eventoseventos centrais e os atores que delinearam o comportamento do país em relação a esse sistema internacional. Dito isso, o trecho em questão inicia-se com o fim da Primeira Grande Guerra em 1918, e a discussão sobre a rendição alemã. O autor cita brevemente a pequena participação brasileira na guerra, e também o seu posicionamento a favor em relação às Ligas da Nações. Entretanto, adiante, o mesmo traz uma reflexão importante de que inicialmente, tal parecer brasileiro tinha como principal interesse a presença na Conferência de Paz em 1919.[1]

Contudo, como pautado pelo autor, esse anseio pela participação ativa na Conferência da Paz, traz a perspectiva, de forma breve, de como o posicionamento brasileiro seria fundamentado no estabelecimento das Ligas das Nações, dado que foi pertinente a colocação do impasse impostos pelas grandes nações ao limitar a participação de países pequenos e como isso foi desaprovado pelos delegados do presente país. Dessa forma, é possível ter um vislumbre de que o parecer do Brasil em meio às discussões das ligas seria de forma a lutar por mais participação. Com isso, como era previsto, no primeiro encontro da liga, o Brasil, especificamente o delegado Epitácio Pessoa, pleiteou que todos os países tivessem representação permanente no Conselho Executivo da liga, o qual o Eugênio de Vargas julga sabiamente como momento que o Brasil consolidou a posição de igualdade com os outros Estados.

Ademais, nesse capítulo é explicado a entrada efetiva do Brasil na Liga e o quão conturbado esse ato foi, devido às numerosas desaprovações e ao debate interno protagonizado majoritariamente entre Rui Barbosa e Epitácio Pessoa durante as eleições presidenciais de 1919. Em suma, o autor expõe que as discussões em relação ao ingresso à Liga das Nações eram alinhadas às críticas à posição adotada pelo Brasil e sua adaptação pragmática. Em conclusão, é interpretado por Eugênio que o apoio à organização teve influência da aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos durante a República Velha, portanto, essa postura reflete a complexidade das relações internacionais e das dinâmicas políticas da época, onde interesses nacionais, alianças estratégicas e considerações pragmáticas influenciaram as decisões do Brasil em relação à Liga das Nações.

O capítulo 2, “Lealdade e Prestígio nos Primeiros Anos em Genebra”, tem como principal foco analisar o posicionamento brasileiro nos anos iniciais em Genebra, sede da Liga, e expor como as relações mantidas pelo Brasil e seus posicionamentos foram percebidos nesse contexto internacional, através de uma análise das transformações geopolíticas e dos diferentes aspectos de sua atuação e estratégias diplomáticas. Nesse prisma, inicialmente, o Brasil buscou adaptar-se às transformações advindas da Primeira Guerra e a nova ordem internacional que emergiu de Versalhes, a qual é posta pelo autor como “embate entre forças contrarias”. Com isso, o mesmo interpreta de forma esclarecedora, que a política externa da década de 20 foi marcada pela aproximação com os Estados Unidos e pela busca de reconhecimento internacional através da diplomacia multilateral, a fim de consolidar seu prestígio.

Além disso, é explicado sobre os dois atores que fundamentaram a diplomacia brasileira, o Barão do Rio Branco e o Rui Barbosa. O criador da presente obra julga que do Barão, perpetuou-se a aliança tácita com os Estados Unidos e a restauração do status sub-regional do Brasil e de Rui Barbosa, preservou-se a matriz universalista do pensamento jurídico-liberal, transformando-se em princípios tradicionais da política externa (GARCIA, 2000). De forma elucidativa, ainda é posto que as relações exteriores eram conduzidas pelas oligarquias dominantes, que utilizavam de uma abordagem realista e um discurso idealista, as quais evitavam incoerências na repetição diplomática. Ademais, apesar dos esforços para a consolidação de influência internacional, é analisado que a participação brasileira nas conferências internacionais, uma nação essencialmente agrícola, era marcada por “uma ilusão de estar participando das decisões internacionais” (GARCIA, 2000).

Nessa perspectiva ainda, o presente capítulo, cita a significância do “duro golpe” dos Estados Unidos, seu egresso da Liga das Nações, em 1920. Entretanto, em contraposição a rumores, o Brasil permaneceu na Liga e reafirmou sua lealdade a essa.  Assim, Gastão da Cunha, Embaixador em Paris, foi designado como representante brasileiro a integrar o Conselho como membro temporário até a deliberação da 1ª Assembleia sobre o assunto. Dessa forma, quando aconteceu, as grandes potências demonstraram-se temerosas a  redução de seus papéis no Conselho, uma vez que, havia a possibilidade da jurisdição da Corte ser compulsória para todos os Estados e divergiram sobre o Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), indo contra com as aspirações das potências menores  que tiveram suas objeções satisfeitas, as quais muita se deram devido aos delegados brasileiros, em específico o diplomata Raul Fernandes, assumirem ativamente posições de atitudes. Para mais, essa sessão trouxe um reconhecimento positivo aos brasileiros, que foi perpassado a 2° Assembleia, realizada em setembro de 1921. Nesse encontro, o país demonstrou papel ativo e de acordo com o escritor, o Brasil usou pela primeira vez o recurso de veto para impugnar uma decisão do conselho, que tinha de ser tomada por unanimidade, ao ir contra a decisão de adicionar apenas mais uma nação a membro permanente, a Espanha. Em conclusão, é julgado que a colaboração brasileira no Conselho como membro temporário se fez de várias maneiras, contudo, originou-se a preocupação se ele continuaria a ser membro temporário ou se precisaria ceder o lugar a outra nação.

O terceiro capítulo, “A Meta do Assento Permanente No Conselho”, Eugênio Garcia esclarece a grande questão pela busca por um assento permanente no Conselho, dado que esse feito representava uma oportunidade da tão desejada influência e participação nas decisões e direcionamentos da organização. De modo inicial, este trecho aborda a um descontentamento crescente ao governo de Epitácio Pessoa e a eleição de Artur Bernardes em 1922, que assumia uma conduta diferente do até então presidente que, de acordo com a caracterização posta pelo escritor do livro,  causou problemáticas reações populares pelo dissenso político. No que concerne à Liga das Nações, é importante destacar que as ações brasileiras se desenrolavam em um cenário desvinculado da realidade enfrentada pelo país. A política externa brasileira passou a ter “uma perspectiva estritamente unilateral ou nacional” (GARCIA, 2000).

Dessa forma, com o acontecimento da 4° Assembleia, a delegação brasileira, em uma tentativa de reivindicar o direito do continente americano de possuir uma vaga permanente, pleiteou a sua promoção como membro interino do Conselho. Nesse contexto, o autor da obra julga essa tarefa como algo mais difícil que o governo brasileiro estava prevendo, dado que o único apoio que a delegação conseguiu foi a sua reeleição como membro temporário. Ainda com mais tentativa e mais dedicação, fez-se a 5° Assembleia, no entanto, um tópico de maior proeminência surgiu: o desejo da Alemanha de se juntar a Liga, a qual fez com o que o assunto brasileiro fosse adiado. De acordo com o escritor, era conveniente para o Brasil esperar um momento propício, pois ele articula que não houve avanço até o momento presente. Entretanto, essa ocasião não chegou, e juntamente com a 6° Assembleia, além das discussões em volta da nação alemã, o Brasil começou a ser pressionado pelos países latinoamericano, os quais desejavam rotatividade com os membros permanentes, já que esses não se sentiam representados. Além disso, sem nenhuma perspectiva internacional de elevar seu patamar, e com sobrecarga de trabalho que a delegação estava enfrentando sem receber algo em troca, concluiu-se que, de concordância geral, a presença brasileira na Liga já não tinha mais sentido.

No quarto capítulo, “Dos acordos de Locarno à Crise de Março de 1926”, o autor trata da postura do Brasil em relação às potências locarnistas, a questão da Alemanha e os desafios diplomáticos que surgiram a partir disso. É merecedor de atenção às motivações por trás das ações do Brasil na Liga das Nações, a qual encerrava sua 6ª Assembleia, e as apreciações contrárias sobre o veto brasileiro à entrada da Alemanha como membro permanente na organização. Para tanto, o autor utiliza de uma custosa demonstração de análise ao parafrasear as investidas fracassadas do Brasil de se estabelecer como igual parceiro para as outras potências permanentes da Liga. Sobre o alumiar das interações diplomáticas se afastando de um desejado contrapeso, o posicionamento da Alemanha de exigir que fosse a única a adentrar no Conselho foi reconhecida como sendo prejudicial ao Brasil, o qual obrigatoriamente, empenhando-se em manter a dignidade nacional, evadiu da decisão já estabelecida favorável aos alemães, um verdadeiro “vencer ou não perder” de acordo com o atual presidente do Brasil na época, Artur Bernardes (GARCIA, 2000).

Ainda conforme Garcia (2000), foi-se instaurada a crise em Genebra, de modo que refletiu substancialmente no ambiente doméstico brasileiro daqueles que eram “patriotas”, apoiadores da política governamental na Liga, e daqueles que eram “derrotistas”, os contrários, os quais se resumiram às páginas dos jornais, sem uma reação popular acalorada sobre o veto à Alemanha (conflito que se manteve restrito ao plano multilateral). Isso só demonstrou o exagero febril da política externa do Brasil perante sua posição na Liga das Nações, de maneira que escancarou a realidade em torno do poder que a política internacional no pós-guerra se acomodava, uma vez que, significativamente, tinha-se pela primeira vez as ações das potências europeias condicionadas aos procedimentos legais de uma organização multilateral.

No quinto e último capítulo, “A retirada do Brasil da Liga das Nações”, o autor informa a decisão do Brasil de se retirar da Liga, a sua relação com a organização, a influência dos Estados Unidos e as negociações financeiras com os banqueiros Rothschild durante esse período. Nessa conjuntura, é importante se atentar ao governo brasileiro que, liderado por Artur Bernardes, expressou a intenção de fortalecer as relações com as Repúblicas americanas, especialmente os Estados Unidos, enquanto se distanciava dos assuntos europeus, uma evidente estratégia de alinhamento que refletiu a atuação do panamericanismo isolacionista norte-americano na política externa brasileira em detrimento do multilateralismo universal centrado na Europa (GARCIA, 2000). Além disso, o autor esmiúça com facilidade que essa mudança aparente também foi uma resposta às condições objetivas da época, o que incluiu a substituição da dependência econômico-financeira brasileira de Londres para Washington e a rivalidade anglo-americana pela penetração na economia brasileira.

Em seu processo perceptivo, Eugênio compreende com tenacidade que o Brasil deteve o papel de protetor do assento das potências menores, mas especificamente das nações americanas, no Conselho. Contudo, essa representatividade voraz não foi exatamente apreciada por todos os países da América Latina, o que aniquilou a tese da representação continental e provocou deliberado ânimo, principalmente, à delegação argentina.  Assim, não é de se espantar que após o projeto britânico de regulamentação dos membros não permanentes no Conselho, o governo Bernardes tenha expressado duras críticas à Liga das Nações, de modo que demonstrou sua inclinação irredutível de retirada da organização antes da 7ª Assembleia, apesar da severa recusa de Melo Franco, chefe da Delegação Permanente.

Além de tudo, o autor salienta o consenso político doméstico adquirido por Artur Bernardes após a grande decisão, uma vez que, isso foi aplaudido pela oposição do governo com afinco. Nesse sentido, a derrota diplomática em Genebra foi capaz de revelar, baseada em uma danação de decoro,  o quão ilusório é buscar um status internacional elevado sem ter um poder nacional suficiente para respaldá-lo. Com isso, o capítulo apresenta a saudosa constatação existente entre as Relações Exteriores do antigo e novo regime, o governo de Washington Luís com a gestão Mangabeira que trouxe a resolução de apreciar devidamente o pessoal e os artifícios do ministério na área das relações econômicas e comerciais do país, instrumentalizando, então, o desenvolvimento econômico nacional (GARCIA, 2000, p.90). Por fim, é pertinente de pontuação a semelhança confidente proferida pelo autor referente ao Brasil com o Estados Unidos frente a Liga das Nações, uma fidelidade atrasada, porém, muito antes estabelecida com base em uma cobiça fundamentalmente unilateral.

Contudo, apesar da engrandecida compreensão transparente fomentada pelo autor, não ter a explicação prévia e específica dos atores presentes no contexto descrito no livro foi passível de gerar uma certa confusão substancial entre os fatos citados. Entretanto, podemosinterpretar que a análise desenvolvida pelo autor é passível de enriquecer o conhecimento dos estudantes, pesquisadores e profissionais da área de Relações Internacionais, História e Ciências Políticas, uma vez que, permite uma compreensão mais ampla dos desafios e das estratégias enfrentadas pelo Brasil em sua atuação no cenário internacional. Nesse ambiente, também, ao explorar temas como a busca por status internacional, a influência de potências globais e a dinâmica da Liga das Nações, a obra consegue estimular maiores reflexões críticas sobre o poder, a diplomacia e a cooperação internacional. Então, ao nos conduzir por esse espaço de “imperfeições e falhas na execução dos dispositivos do Pacto”, o autor infere com perfeição a individualidade dialética da política externa brasileira na época, “uma diplomacia pendular altamente complexa entre grandes potências e potências menores, entre realismo e idealismo, entre pragmatismo e principismo, entre prática e discurso” (Garcia, 2000, p.93).

Referências

GARCIA, E. V. Currículo do Sistema de Currículos Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8513549351456753>. Acesso em: 16 de junho de 2024.

GARCIA, E. V. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926): Vencer ou Não Perder. Porto Alegre, Brasília: Editora da Universidade (UFRGS), Fundação Alexandre de Gusmão, 2000. Prefácio de Celso Lafer, 118 p.


[1]  A conferência de Paz em 1919, foi uma série de reuniões entre as principais nações que participaram da Guerra e tinham objetivo de estabelecer os termos da paz e as punições para os Estados derrotados.

Eduarda Mussi Honorato é graduanda do curso de Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: eduarda.mussih@gmail.com

Isabela de Souza Carvalho é graduanda do curso de Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: isabeladesouzacarvalho23@gmail.com

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353