Soft Asia: o poder da cultura pop no soft power japonês e sul-coreano
Volume 11 | Número 111 | Set. 2024
Por Bruna Reis Travassos
INTRODUÇÃO
A Coreia do Sul tem se tornado cada vez mais popular através da sua cultura. O país passou a investir na sua promoção cultural no final da década de 1990, quando tentava se recuperar da crise econômica que atingiu a Ásia. A princípio, houve a exportação de suas séries (k-dramas) para países vizinhos (GENTIL, 2017), e após a boa recepção, o governo decidiu continuar com essa estratégia, sendo então chamado de “hallyu[1]”, no final da década de 1990. A segunda onda aconteceu no começo de 2010, tendo a música coreana, o k-pop[2], como protagonista. E a terceira começou no final da segunda década do século XXI, com foco em seus produtos (JUN, 2017).
Com o resultado positivo com o passar dos anos, o governo coreano viu a oportunidade de investir nessa estratégia de diplomacia cultural e pública, o que acabou por se tornar um projeto de política externa. O Ministério de Relações Exteriores da Coreia do Sul considera a diplomacia pública o terceiro pilar de sua política externa (MOFA – REPÚBLICA DA COREIA, 2018).
Mas, o Japão foi um dos primeiros países asiáticos a iniciar esta estratégia de utilização da sua cultura como parte de sua política externa. O país já praticava sua diplomacia cultural desde o final da Segunda Guerra Mundial, e como resultado, nos anos 1970 e 1980 elementos como o ‘anime[3]’ e produtos japoneses passaram a ter uma presença forte na região, o que fez o país começar a promover sua indústria de animação, que poderia ajudar na economia japonesa (NETO, 2018).
No entanto, em meados de 1990, com a globalização, o país viu que era necessária uma mudança na forma de praticar diplomacia cultural, apostando em elementos modernos, como a música pop, os videogames, a moda, o mangá[4], sem deixar de lado o anime (OGOURA, 2009). No começo da segunda década do século XXI, foi criado pelo governo japonês o programa estatal “Cool Japan” com o intuito de promover uma imagem positiva do país no cenário internacional, a partir da atração de outras nações por meio de sua cultura pop (música, anime, moda), tradições, tecnologia e o turismo, que representam o lado “cool” do Japão (ARAUJO, 2020).
Durante a Guerra Fria, a diplomacia pública foi muito usada pelas superpotências protagonistas do conflito em questão para a disseminação de seus valores e ideologias para outros Estados. A diplomacia pública é uma ferramenta estratégica de um Estado para influenciar outros sobre o país que o pratica, focando mais no público. Mark Leonard (2002) acredita que o envolvimento direto do governo na diplomacia pública pode ser desfavorável, não sendo efetiva. Por isso, com o tempo, a diplomacia vem sendo feita também a partir de métodos em que inspire maior confiança ou interesse nas populações de outros países com o intuito de construir uma relação de confiança ou admiração e alcançar objetivos desejados pelo Estado utilizando uma terceira via como porta-voz. Mais recentemente, a diplomacia cultural, considerada uma das dimensões da diplomacia pública (MARK, 2009), vem sendo utilizada como estratégia de política externa.
Um conceito importante ao falar dessas diplomacias é o de “soft power”, nome dado à capacidade de um Estado em “obter o que deseja por meio de atração, em vez de coerção ou pagamentos [e] surge da atratividade da cultura, dos ideais políticos e das políticas de um país”[5] (NYE, 2004, p.10), o que faz com que possamos relacionar este conceito com a diplomacia cultural e a pública. No pós-Guerra Fria, com o fim do mundo bipolar e o começo do novo cenário multipolar, os países começaram a criar estratégias e se projetar internacionalmente, fazendo com que a diplomacia cultural começasse a ter um papel de extrema importância na política externa dos Estados, e podemos ver essas estratégias ainda sendo utilizadas e evoluindo com o passar dos anos (BOUND et al., 2007).
Este artigo tem como objetivo analisar como o Japão e a Coreia do Sul praticaram diplomacia cultural para aumentar sua relevância enquanto atores no cenário internacional. Desta forma, procuramos investigar de maneira mais profunda o período de 1980 a 2020, pois são períodos importantes para ambos países estudados neste trabalho no que tange suas diplomacias culturais, voltadas para a cultura pop, devido ao desenvolvimento de seu soft power. Podemos ver o resultado dessa influência com o Japão sendo considerado o país asiático mais influente, ocupando o quinto lugar em um estudo realizado pela U.S. News & World Report em conjunto da empresa VMLY&R e da Universidade de Pensilvânia em 2020[6], e com a Coreia do Sul seguindo seus passos, ficando em vigésimo lugar.
A pergunta que esse texto procura responder é: De que maneira, nos últimos 40 anos, o Japão e a Coreia do Sul procuram se inserir no cenário internacional a partir da diplomacia cultural? Como resposta a esse questionamento, a hipótese que esta pesquisa procura investigar é que esses países criaram estratégias e programas estatais envolvendo suas culturas pop como recursos de soft power, de forma a desenvolver suas diplomacias culturais.
Esta pesquisa se utiliza do conceito de Soft Power, proposto pelo autor Joseph Nye (2004). Em sua obra “Soft Power: The Means to Success in World Politics” (2004) o autor explica a importância da boa utilização do soft power, pois se utilizado de forma eficiente, um Estado pode atrair outros Estados alcançando seus objetivos desejados. Também se utilizam os conceitos de diplomacia pública e de diplomacia cultural. Sven Windahl, Benno Signitzer e Jean Olson (1992), ao falar de diplomacia pública, apresentam como os Estados a utilizam para se comunicar e compartilhar suas ideologias com outros países. O estudo da Diplomacia Cultural conta com a obra de Simon Mark (2009), que explica como os conceitos citados se complementam, e também a obra “Cultural Diplomacy”, de Kirsten Bound, Rachel Briggs, John Holden e Samuel Jones (2007), que explica a importância da política cultural no cenário internacional dentro do marco temporal deste estudo.
A metodologia deste artigo se baseia na obra de Lakatos e Marconi (2003), tendo uma abordagem de pesquisa dedutiva, por ser um trabalho que consiste em explicar premissas de contexto geral para um contexto mais específico, no caso deste trabalho, fazemos uma pesquisa sobre Diplomacia Cultural, Diplomacia Pública e o Soft Power, focando em objetos mais específicos, Japão e Coreia do Sul. Como método de procedimento, utilizamos o método comparativo, que compara objetos para embasar uma pesquisa, o que justifica sua escolha para este trabalho, pois um dos objetivos é a comparação da diplomacia cultural japonesa e a sul-coreana.
JAPÃO E SUA ASCENSÃO CULTURAL
Como citado anteriormente, a Segunda Guerra Mundial foi um marco importante para a mudança da forma de atuação da política externa japonesa, pois após o fim da guerra, o país se encontrava em um cenário que exigia reconstrução não só domesticamente, mas também reestruturar sua imagem no exterior (OGOURA, 2012).
Utilizar cultura como parte da política externa japonesa se tornou uma estratégia oficial do Ministério de Relações Exteriores do Japão na década de 1970; em 1972 durante um encontro da Dieta Nacional[7], foi estabelecida a criação de uma entidade chamada Fundação Japonesa, com um investimento 50 bilhões de yen (OGOURA, 2008). Os objetivos desta fundação foram de organizar e melhorar a imagem internacional do Japão com a propagação de sua cultura (IWABUCHI, 2015), criando relações com Ministérios de outros países para “incentivar o conhecimento da língua japonesa, de estudos sobre o Japão e o intercâmbio cultural, intelectual e artístico” (FUNDAÇÃO JAPÃO SÃO PAULO, 2021, s/p).
A indústria cinematográfica e de animação haviam alcançado países vizinhos desde o final da Segunda Guerra, como os animes Astro Boy, Jaspion, e Cavaleiros do Zodíaco, que ganharam popularidade mundial (IWABUCHI, 2002). É importante também citar o Estúdio Ghibli, pois muitos acreditam que o mesmo “fez mais para aumentar a reputação do anime como um gênero genuinamente artístico do que qualquer outro estúdio”[8] (NAPIER, 2011, p. 234, tradução nossa). Com a popularidade de animes e mangás no exterior na década de 1980, que o soft power e diplomacia cultural do Japão ganharam força em escala mundial com a Diplomacia Kawaii[9] e os personagens Doraemon e Hello Kitty sendo os principais protagonistas com produtos da estética sendo exportados com grande sucesso.
Outro elemento cultural que ajudou na diplomacia pública japonesa foi o mercado de videogames, em especial a empresa Nintendo, uma das líderes do mercado de jogos até atualmente. Em 1983 foi lançado o console Famicomno Japão sendo um sucesso de vendas e marcando o início do domínio japonês no setor (REIS, 2005). Nesse mesmo ano, os Estados Unidos passaram por uma crise de jogos, sendo a razão da empresa Atari, a mais famosa da época, ter falido, perdendo então o controle do mercado para a marca japonesa.
A diplomacia cultural desenvolvida pelo país durante a década de 1960 e 1970 fez com que o Japão conseguisse continuar colhendo seus frutos mesmo durante a “Década Perdida”[10], quando foi obrigado a focar menos na propagação de sua cultura para o exterior. Durante o período de 1980, a indústria de entretenimento foi a maior protagonista da diplomacia cultural japonesa lançando animes e filmes animados que alcançaram sucesso mundial, como Dragon Ball Z, Pokémon, Sailor Moon, entre diversos outros (VIDAL, 2014).
Em 2001, Junichiro Koizumi se tornou Primeiro-Ministro do Japão e foi sob seu comando que ocorreu a consolidação da aplicação da política com o uso da cultura para aumentar os interesses nacionais (IWABUCHI, 2015). Koizumi foi o primeiro a falar diretamente sobre o avanço da diplomacia cultural com a intenção da disseminação da cultura, declarando que seu governo iria fortalecer a projeção internacional do Japão, promovendo as indústrias de conteúdo como filme, animação e moda (IWABUCHI, 2015). Durante seu mandato foram criadas instituições com o objetivo de organizar uma estratégia para a nova era da diplomacia cultural japonesa. Um dos principais foi o Conselho sobre a Promoção de Diplomacia Cultural, criado em 2004, que realizava reuniões para que fossem feitas recomendações para estratégias de diplomacia cultural. Foi também sob o mesmo governo que o Ministério de Relações Exteriores do Japão falou sobre a diplomacia pública pela primeira vez no Bluebook[11] de 2004, e oficialmente adotou uma política de diplomacia da cultura pop (IWABUCHI, 2015).
A exportação da cultura virou um pilar essencial para o Japão nos anos 2000 por diversas razões. Uma delas se dá pela crise financeira do Sudeste Asiático em 1997, quando o Japão ainda se encontrava em um cenário de recuperação da perda econômica sofrida nos anos 1990. Desta forma, o governo se viu obrigado a focar nos benefícios desta indústria para a economia do país, vendo a oportunidade de impulsionar a indústria de conteúdo, que tinha um lucro de pelo menos 20 bilhões de dólares para o país no começo da década (BREMNER, 2007). Por fim, a diplomacia cultural estava sendo usada fortemente em outros países como a Coreia do Sul com seu hallyu, e Inglaterra com o Cool Britannia[12], causando então competição (ZYKAS, 2011).
Um grande passo para o desenvolvimento da diplomacia cultural do Japão foi dado em 2013 com a criação da campanha Cool Japan. Este nome foi inspirado por Douglas McGray, autor do artigo “Japan’s Gross National Cool“, onde afirma que o Japão se transformou em um dos países mais culturalmente influentes do mundo (MCGRAY, 2002) devido à expansão de sua diplomacia cultural, nas regiões da Europa e da Ásia, e posteriormente das Américas.
Com essa campanha, o governo pode utilizar seus produtos e cultura como ferramenta de soft power de forma “oficial”, pois foi fundada com o objetivo de promover uma imagem “cool” e positiva do país internacionalmente, utilizando sua cultura. Em conjunto com a campanha, foi criado um fundo de investimentos chamado de ‘Cool Japan Foundation’, com um investimento inicial de 37,5 bilhões de ienes, sendo que cerca de 30 bilhões vieram diretamente do governo (GREEN, 2015), e o restante vindo de empresas privadas. O projeto é comandado por mais de 10 atores do governo no processo de decisão sobre a diplomacia cultural japonesa, muitas vezes incluindo a opinião pública (CUNHA, 2020).
Passados 10 anos de sua criação, muitos analistas acreditam que a campanha tem falhado. Apesar dos esforços do governo, o mesmo não soube construir um plano efetivo para atingir os objetivos de cativar o público internacional com o seu projeto (SMITH, 2019), como por exemplo, um dos objetivos da campanha era de investir em diversos projetos, no entanto, segundo documentos internos, mais de 10 não obtiveram os lucros esperados (SAITO, 2017). Portanto, o maior desafio está sendo na execução da campanha, que deve adotar uma estratégia que se ajuste com os interesses nacionais e os do público-alvo de forma paralela.
Atualmente, o Japão conta com uma grande competidora, a Coreia do Sul, que vem crescendo no cenário internacional por uma perspectiva da diplomacia cultural com elementos pop desde o começo dos anos 2000.
COREIA DO SUL E SEU RENASCIMENTO CULTURAL
A relação da Coreia do Sul com sua cultura é diferente da do Japão, pois devido à ocupação japonesa e a entrada dos Estados Unidos no país sul-coreano após a Guerra da Coreia, a população consumia a cultura estrangeira por muitos anos. Foi apenas no começo da década de 1990 que esse cenário mudou, as rádios passaram a tocar mais músicas locais, conteúdos coreanos estavam cada vez mais presentes nas TVs do país, e os cinemas passaram a receber mais espectadores para assistir filmes sul-coreanos (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE, 2011).
A música sul-coreana começou a ter seu “próprio som”, com a chegada do grupo Seo Taiji & Boys em 1992, que virou um grande marco na música pop coreana, pois foi pioneiro no estilo musical tão conhecido atualmente, o kpop, transformando a indústria musical do país.
Foi durante o mandato do ex-presidente sul-coreano Kim Yongsam (1993-1998) que ocorreu uma maior mudança na relação entre o país e sua cultura, uma vez que o mesmo identificou uma necessidade de desenvolvimento nacional, e considerou a cultura um instrumento essencial para desenvolver essa identidade nacional (GENTIL, 2017). Dessa forma, o governo propôs um plano de desenvolvimento cultural de cinco anos para aprimorar o setor cultural e de tecnologia (JIN; KIM, 2016).
Foram esses elementos de sua cultura que ajudaram no seu crescimento internacional, com as chamadas “Ondas Coreanas”, que fizeram o mundo conhecer e se interessar na cultura da Coreia do Sul. Kim Daejung, presidente da Coreia do Sul durante os primeiros anos do hallyu, passou a relacionar a cultura de seu país como algo a ser promovido externamente, como indica seu discurso na Terceira Conferência de Promoção Turística da Coreia do Sul em 2001:
Devemos desenvolver Hallyu no sentido de torná-lo duradouro e benéfico para nossa economia. No detalhe, devemos constantemente criar conteúdos em música, novelas, filmes, animações, jogos e personagens. Em 2003, o tamanho da indústria cultural criativa crescerá para US $ 290 bilhões, que é maior do que o tamanho do mercado de semicondutores – estimado em US $ 280 bilhões. Estas perspectivas sugerem que devemos preocupar-nos com conteúdos culturais que criem valor acrescentado sem grandes investimentos e ao mesmo tempo melhorem a nossa imagem nacional[13] (KIM, 2001, apud KIM; JIN, 2016, p. 5522, tradução nossa).
A primeira onda foi mais localizada na Ásia e durou de 1997 a 2005, tendo como líder as minisséries coreanas (k-dramas) (CHANG; LEE, 2017). As emissoras sul-coreanas passaram a incentivar a exportação de suas séries, se expandindo por países asiáticos (JIN; YOON, 2017). A série “Winter Sonata“, que chegou no Japão em 2004, teve grande impacto econômico, arrecadando mais de 3 trilhões de won nas vendas de DVDs no Japão, e trazendo mais de 84 milhões de won na área de turismo para a Coreia do Sul em 2004 (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE, 2011). Ao todo, calcula-se que a exportação de programas televisivos aumentou cerca de US$5,5 milhões em 1995 para US$150,9 milhões em 2007 (JIN, 2012).
A segunda onda, conhecida como Hallyu 2.0, teve início em meados dos anos 2000 com fim em 2015, tendo o kpop como grande protagonista desta onda. O maior objetivo do Hallyu 2.0 foi expandir o alcance da cultura pop contemporânea (KIM, 2015). Com isso, foi criado o KOFICE (Korea Foundation for International Culture Exchange – Fundação Coreana para Intercâmbio Cultural Internacional) em 2003, instituição que trabalha sob a direção do Ministério de Cultura, Esportes e Turismo da Coreia do Sul com o intuito de “revigorar o intercâmbio cultural que transcende as fronteiras nacionais” (KOFICE, 2021, s/p).
Em 2007, a cultura sul-coreana teve um alcance maior devido ao uso de redes sociais, (JIN, 2012), pois as ferramentas digitais desempenharam papel essencial na divulgação do kpop e de outros elementos culturais sul-coreanos. Foi em 2012 que o kpop atingiu o mercado musical global com o idol PSYganhando popularidade com sua música Gangnam Style, falando sobre o bairro mais rico da capital Seoul, considerado o começo “mais significativo do Soft Power sul coreano e o mundo [oficialmente] acordando para o que seria a cultura da Coreia do Sul” (SILVA, 2020, p.35).
Foi estabelecido então o Comitê Hallyu 3.0 em 2014, um órgão privado para gerenciar a terceira onda, com o propósito de apresentar e impulsionar mais a cultura sul-coreana (BUTSABAN, 2020). O comitê era composto por 22 especialistas de diversas áreas relacionadas a hallyu como moda, turismo, comida, filmes, séries, música e estudos coreanos (KOFICE, 2017). Seguindo os planos do mesmo, as empresas sul-coreanas passaram a ter dois principais tipos de propaganda de marketing de seus produtos. como a colocação de produtos de forma estratégica em séries e filmes (JUN, 2017), e utilizar celebridades para se tornarem embaixadores da marca. Essa terceira onda, que teve seu começo em 2015, foi considerada o “pico” do desenvolvimento do hallyu wave, pois foi nela que o mundo teve uma maior oportunidade de conhecer os produtos da Coreia do Sul e sua cultura através das séries e do kpop, como diz Kim Bokrae (2015):
A disseminação do hallyu foi graças ao afeto de fãs ao redor do mundo, e o alvo de seu afeto foi nada menos do que a imagem de estrelas do hallyu. Todas as imagens assimiladas a estrelas hallyu representam sua identidade. O direito de usar comercialmente sua identidade é o da publicidade. À medida que os fãs amam e imitam a identidade das estrelas hallyu, eles começam a gostar do estilo das estrelas. Eles estão interessados no estilo de vida (comida, roupas e casa) das estrelas hallyu[14] (KIM, 2015, p.158, tradução nossa).
É importante deixar claro que o hallyu em si não é um soft power e sim um recurso dela, como diz Lee Geun (2009). Além disso, a posse de recursos soft não garante a conversão automática em soft power, sendo necessário desenvolver estratégias para atingir os objetivos políticos e econômicos. Desse modo, o governo sul-coreano vem realizando investimentos, criando instituições e órgãos especiais para administrar o hallyu e a diplomacia cultural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como proposto, este artigo buscou responder de que maneira o Japão e a Coreia do Sul procuram se inserir no cenário internacional a partir da diplomacia cultural nos últimos quarenta anos. Neste sentido, a hipótese trabalhada é que os países estudados criaram estratégias e programas estatais envolvendo elementos de suas respectivas culturas pop, como recursos de soft power para desenvolver suas diplomacias culturais, alcançando maior influência internacional. Como objetivo, buscou-se analisar como o Japão e a Coreia do Sul praticaram diplomacia cultural como política externa para aumentar sua relevância enquanto atores no cenário internacional.
Como visto, a diplomacia pública e a diplomacia cultural foram essenciais para aumentar a influência japonesa e sul-coreana. A escolha, por parte de ambos os Estados, de fazer diplomacia buscando se comunicar diretamente com o público estrangeiro, fez com o que os governos passassem a olhar para esses Estados com o propósito de criar relações diplomáticas e comerciais. A tabela abaixo apresenta os dois países e as estratégias usadas em comparação.
Tabela 1 – Iniciativas em Comparação
País | Atores Envolvidos | Estratégias |
Coreia do Sul | KOCIS;KOFICE;Ministério da Cultura, Esportes e Turismo.KOCCA;Comitê Hallyu 3.0. | Incentivo financeiro na cultura;Criação de entidades especializadas;Celebridades como atores de diplomacia cultural;Exportação de cultura na Ásia e posteriormente em escala Global. |
Japão | Ministério de Relações Exteriores do Japão;Fundação Japonesa;Conselho sobre a Promoção de Diplomacia Cultural;Cool Japan. | Diplomacia Kawaii;Impulso nas indústrias cinematográficas e de animação;Criação de entidades especializadas;Estabelecimento de centros culturais no exterior. |
Fonte: Elaboração própria (2021)
A tabela apresenta as iniciativas de ambos os países em comparação indicando as estratégias e os atores envolvidos para cada país. Dessa forma, é possível notar que o Japão procura promover sua cultura pop para representar seu soft power e colaborar com o gerenciamento de sua marca nacional, usando a globalização como um benefício para se apresentar à população global. O governo, nos últimos 40 anos, vem ajustando suas políticas para criar uma estratégia de soft power que traga resultados benéficos, criando instituições como a Fundação Japão, e campanhas internacionais de disseminação cultural, em que boa parte é voltada para sua cultura pop, como o Cool Japan.
Por outro lado, a Coreia do Sul se aproveitou do sucesso do hallyu para gerar um interesse constante do público internacional, possibilitando uma maior atratividade do país que pode levar a um aumento de relações diplomáticas e comerciais. É possível ver como o soft power é utilizado fortemente no setor cultural do país, utilizando-se da cultura para desenvolver uma economia firme e crescente. De forma parecida com o Japão, a Coreia do Sul também se aproveitou da criação de associações voltadas especificamente para esse setor cultural, como o KOFICE, o Comitê Hallyu 3.0 e o novo departamento para guiar as próximas ondas coreanas.
Pode-se concluir pela análise que a ligação de soft power, diplomacia cultural e diplomacia pública com a cultura pop é um aspecto essencial para o crescimento econômico e político dos dois países, comprovando a hipótese de que o Japão e a Coreia do Sul utilizaram elementos de cultura pop para criar programas estatais e estratégias como recursos de soft power com o intuito de desenvolver suas diplomacias culturais para aumentar sua influência em escala global.
REFERÊNCIAS
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[1] Palavra chinesa referida ao fenômeno “Onda Coreana”.
[2] Nome dado à música pop coreana.
[3] Animação japonesa.
[4] Nome dado às histórias em quadrinhos japonesas.
[5]“Get what you want through attraction rather than coercion or payments. It arises from the attractiveness of a country’s culture, political ideals, and policies” (NYE, 2004, p.10).
[6] Disponível em: https://www.usnews.com/news/best-countries/influence-rankings.
[7] Poder legislativo do Japão.
[8] “Ghibli has probably done more to increase anime’s reputation as a genuinely artistic medium than any other studio” (NAPIER, 2011, p. 234).
[9] Termo que nasceu na década de 1970 no Japão, sem uma tradução exata, virou um adjetivo japonês similar à fofura, adorável; ganhou grande popularidade nas escolas por conta de uma caligrafia com aparência infantil usada pelas meninas, se tornando uma estética que passou a englobar o modo de se vestir e se comportar de forma inocente e “fofa”, tendo como características a cor de rosa, vestidos e saias de babados e laços, ou seja, aspectos que possam representar a inocência e graciosidade de uma menina (NAÍSA, 2020).
[10] Período entre 1991 – 2001 em que o Japão passou por uma grande crise financeira.
[11] O Diplomatic Bluebook of Japan é um relatório sobre a política externa e diplomacia do Japão, publicado pelo Ministério das Relações Exteriores do Japão todo ano.
[12] Nome dado pela mídia britânica para o período em que a cultura contemporânea nacional ganhou muita força.
[13] We should develop Hallyu in the direction of making this as lasting and beneficial for our economy. In detail, we should constantly create contents in music, soaps, movies, animations, games, and characters. In 2003, the size of creative cultural industry will grow up to $290 billion, which is bigger than the size of the semi-conductor market—which is estimated at $280 billion. Such prospects suggest that we must concern cultural contents which create high-added value without big investment while improving our national image (KIM, 2001, apud KIM; JIN, 2016, p. 5522).
[14] The spread of hallyu was all thanks to the affection of fans around the world, and the target of their affection was nothing less than the image of hallyu stars. All images assimilated to hallyu stars represent their identity. The right to commercially use their identity is that of publicity. As fans love and imitate the identity of hallyu stars, they get to like every style hallyu stars show. They are interested in the lifestyle (food, clothing and shelter) of hallyu stars (KIM, 2015, p.158).
Bruna Reis Travassos é graduada em Relações Internacionais pela UniLasalles-RJ. Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/9548661481507617