Os esforços dos novos bancos multilaterais de desenvolvimento em tempos de crise: BAII e NBD no combate à pandemia da Covid-19
Volume 7 | Número74 | Ago. 2020
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Por Ana Rachel Simões
A emergência dos novos bancos multilaterais de desenvolvimento, mais especificamente o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), idealizado pelos países membros dos BRICS em 2014, e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura[1] (BAII), criado em 2015 pela China, despertam a atenção mundial para os impactos que estes novos arranjos têm trazido para o sistema internacional e para a governança global. Tal mecanismo desperta, ainda, grande inquietude na literatura, uma vez que representa uma articulação inter-regional, caracterizada pelo protagonismo de Estados para além do eixo Norte Global.
Ambos foram criados com o intuito de funcionar como mais uma possibilidade de financiamento, uma vez que existe uma enorme lacuna de fomento à infraestrutura desde a crise econômica de 2008, já que nem o Banco Mundial e nem os outros bancos internacionais e regionais conseguem atender a essa demanda. Trata-se, assim, de articulações que buscam promover estratégias para alcançar o desenvolvimento assim como o crescimento econômico sustentado, em resposta a desafios sistêmicos e geopolíticos no século XXI. Nesse contexto, esses novos bancos multilaterais de desenvolvimento vêm ampliando o quadro geral de créditos, abrindo aos países um leque mais amplo de provedores de ajuda internacional, rompendo parcialmente com a onipresença das potências ocidentais e do Banco Mundial.
Muito se discute sobre como o reordenamento do sistema internacional acelerou-se no século XXI. Novas formas de multilateralismo liderados pelos atuais poderes emergentes e regionais colocaram a ideia do Sul Global novamente no mapa intelectual. Como resultado, e especialmente após a crise financeira de 2008 e a criação do G20, estamos assistindo a uma série de negociações ainda mais aberta e dinâmica entre o Norte e o Sul sobre a agenda de desenvolvimento e governança global. A crise que vem sendo desencadeada pela pandemia do novo coronavírus acelera cada vez mais esse processo. O que começou na cidade chinesa de Wuhan, hoje demonstra as fragilidades do capitalismo financeirizado centrado nos Estados Unidos que há quarenta anos dita as regras do sistema econômico internacional.
Diante desse cenário de múltiplos desafios em que os países principalmente aqueles em desenvolvimento necessitam de auxílio para a manutenção de suas economias, os novos bancos multilaterais de desenvolvimento são instituições fundamentais para fornecimento de recursos. De fato observa-se que tanto o NBD quanto o BAII estão mobilizando recursos e articulando projetos direcionados para o combate á pandemia. Em 28 de abril de 2020, o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS anunciou que alocará US$ 15 bilhões para os países membros mitigarem os efeitos da pandemia da Covid-19. O valor estipulado foi decidido por vídeoconferência realizada entre os ministros das relações exteriores do BRICS. Até o presente momento, o banco aprovou três empréstimos: (1) 7 bilhões de Renminbi para o Programa de Assistência de Emergência da China; (2) US$ 1 bilhão para Índia destinado ao ministério da economia; e (3) US$ 1 bilhão para África do Sul para os programas de assistência médica no país (NDB, 2020[2]).
Já o BAII comunicou em 17 de abril que designará US$ 10 bilhões em assistências. De janeiro até o momento, foram aprovados doze projetos referentes à Covid-19: (1) US$ 1 milhão convertidos em suprimentos médicos para a China; (2) US$ 500 milhões para a Índia, para o sistema nacional de saúde indiano; (3) US$ RMB 485 milhões para Pequim e Chongqing, cidades chinesas; (4) US$ 250 milhões para Bangladesh em conjunto com o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD); (5) € 91,34 milhões para a Geórgia financiado em conjunto com o Banco Mundial; (6) US$ 750 milhões para as Filipinas cofinanciado com o BAD; (7) US$ 500 milhões para a Turquia, aos bancos de desenvolvimento TKYB e TSKB; (8) US$ 1 bilhão em empréstimos para dois projetos na Indonésia, o primeiro no valor de US$ 750 milhões cofinanciado com o BAD e o segundo em parceria com o Banco Mundial, no valor de US$ 250 milhões; (9) US$ 100 milhões para a Mongólia cofinanciado com o BAD; (10) US$ 500 milhões para o Paquistão em parceria com o BAD; (11) US$ 750 milhões à Índia com o BAD destinado a programas de ajuda econômica para pequenas e médias empresas; e (12) US$ 7,3 milhões para as Maldivas juntamente com o Banco Mundial (BAII, 2020[3]).
Ao contrário do NBD, cujos empréstimos para combater a Covid-19 se baseiam em suas próprias diretrizes e sem parcerias com outros bancos multilaterais de desenvolvimento, o BAII chama atenção pelo fato de alguns de seus projetos relacionados à pandemia serem em conjunto com o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento. Em uma das cláusulas estabelecidas para os empréstimos relacionados à Covid-19 o BAII estipulou que o banco utilizará das políticas de financiamentos dessas instituições, ao invés de aplicar suas diretrizes[4]. Além das decisões conjuntas aprovadas para os empréstimos, cabe ressaltar que devido ao caráter emergencial desencadeado pela pandemia, o BAII vem permitindo financiamentos a outros países para além do continente asiático (SIMÕES; VADELL; RAMOS; 2020).
Para Xing (2018) esses novos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento acabam por gerar expectativas com relação a mudanças no padrão de financiamento multilateral, principalmente com relação ao Banco Mundial, tanto em termos dos métodos operacionais quanto também de resultados em termos de crédito para o desenvolvimento. No entanto, nota-se que o BAII vem seguindo os padrões internacionais vigentes das principais instituições financeiras internacionais, pelo menos no que tange aos empréstimos relacionados à pandemia, ao cofinanciar essas operações com o Banco Mundial e o BAD utilizando dos padrões para empréstimos desses bancos. No que se refere ao NBD, o então presidente do banco KV Kamath[5] afirmou que o objetivo central é “atender as necessidades dos países membros com políticas de financiamento rápidas e flexíveis, evitando a mentalidade tradicional de doadores e concentrando-se em contribuir para as metas de desenvolvimento sustentável” (NBD, 2020).
Mesmo que a criação do BAII e NBD representam pontos de disputa entre potências emergentes e os polos de poder tradicionais, demonstrando alterações na arquitetura econômica internacional, o fato de o BAII articular projetos com o Banco Mundial e o BAD indica que, embora seja um novo arranjo multilateral liderado pela China, ele não se apresenta explicitamente como uma alternativa que rompa com aos padrões tradicionais de investimentos. Em relação ao NBD, nota-se sua capacidade limitada de atuação ao prover créditos apenas para os BRICS, mesmo em seu artigo 1ª da carta constituitva específicando à autorização de recursos para outras economias do Sul Global. Ademais, a atual conjuntura do BRICS, com a desaceleração das economias brasileira, russa e sul-africana, juntamente com mudanças significativas na política interna e externa desses países e a rivalidade China-Índia, podem gerar incertezas sobre o futuro do banco.
Nessa lógica, levando em consideração o contexto de criação desses novos bancos, cabe questionar quais seriam as principais diferenças dessas novas instituições em relação às instituições tradicionais criadas em Bretton Woods como também a real capacidade desses bancos de fornecer e auxiliar economias de baixa e média renda. Com a crise sanitária e econômica desencadeada pela Covid-19 são necessárias investigações cada vez mais amplas sobre os processos de mudanças no sistema internacional como também sobre a função e o comportamento do NBD e do BAII frente á conjuntura capitalista global em decurso.
Referências
ASIAN INFRASTRUCTURE INVESTMENT BANK , 2020. Disponível em: https://www.aiib.org/en/news-events/media-center/news/index.html. Acesso em: 24 de mai.2020.
GARCIA; RAMOS; RODRIGUES; PAUTASSO. Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS. Carta Internacional. Belo Horizonte, v.13, n.3,2018, p.5-26.
NEW DEVELOPMENT BANK, 2020. Disponível em: < https://www.ndb.int/press_release/ndb-board-governors-holds-fifth-annual-meeting-virtual-format/ >. Acesso em: 03 mai. 2020
RAMOS, Leonardo; SIMÕES, Ana Rachel; VADELL, Javier. Das parcerias com bancos multilaterais a pesquisas sobre infraestrutura e desenvolvimento: Os esforços do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura no combate à pandemia da Covid-19. GPPM, 2020. Disponível em: https://potenciasmedias.com/2020/05/29/das-parcerias-com-bancos-multilaterais-a-pesquisas-sobre-infraestrutura-e-desenvolvimento-os-eforcos-do-banco-asiatico-de-investimento-em-infraestrutura-no-combate-a-pandemia-da-covid-19/. Acesso em: 10 jun.2020
SIMÕES, Ana Rachel. Novo Banco de Desenvolvimento: atuação no combate a pandemia da Covid-19 e os desafios em tempos de crise. GPPM, 2020. Disponível em: https://potenciasmedias.com/2020/05/15/analise-conjuntural-novo-banco-de-desenvolvimento-atuacao-no-combate-a-pandemia-da-covid-19-e-os-desafios-em-tempos-de-crise/. Acesso em: 10 jun. 2020
XING, Li. Mapping China’s ‘One Belt One Road’ Initiative. New York. Palgrave Macmillan, 2018.
[1] O BAII atualmente possui 102 membros, incluindo países da Europa Ocidental como Alemanha e Grã-Bretanha (BAII, 2020).
[2] [2] Para acessar todos os projetos, disponível em: https://www.ndb.int/projects/list-of-all-projects/.
[3] Para acessar todos os projetos, disponível em: https://www.aiib.org/en/projects/list/index.html.
[4]Disponível em: https://www.aiib.org/en/_common/_download/Paper-on-the-Decisions-to-Support-the-AIIB-COVID-19-Crisis-Recovery-Facility.pdf.
[5] Em 27 de maio de 2020, a Assembléia do NBD realizou uma reunião em formato virtual. Nessa reunião, o brasileiro Marcos Prado Troyjo foi eleito o novo Presidente do NBD, assumindo a partir do dia 7 de julho de 2020 (NBD, 2020).
Ana Rachel Simões é Mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharela em Relações Internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro com mobilidade acadêmica na Universidade do Porto. Foi pesquisadora PIBIC-Jr e PIBICCNPq. Possui interesse na área de Economia Política Internacional, atuando nos seguintes temas: Teoria crítica das Relações Internacionais, Organizações Internacionais e Estudos sobre China. Atualmente é monitora do Grupo de Pesquisa Relações Internacionais do Atlântico Sul (GAS), membro do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM) e membro do corpo editorial das revistas Estudos Internacionais, Conjuntura Internacional e Fronteira do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas.