A necessidade de contar a sua história: a internacionalização das mídias chinesas e de seus institutos culturais.
Volume 7 | Número 70 | Abr. 2020
Pequim. Wikipedia. |
Por Alana Camoça
Histórias tem a capacidade de encantar os mais diversos tipos de pessoas, de todas as idades e tamanhos, contudo, nem todas as histórias são boas e nem mesmo todas podem ou conseguem ser contadas, posto que em diversas situações capacidades econômicas e a predisposição das pessoas escutarem algumas narrativas, por exemplo, influenciam em seu alcance. No sistema internacional não é diferente, posto que diante das hierarquias de poder, das disparidades econômicas e de características históricas do próprio sistema, ideias e narrativas são proferidas, pairam como palavra de ordem e retroalimentam as dinâmicas existentes.
No século XXI, a China vem modificando os cenários geopolíticos e geoeconômicos do mundo e, por esse motivo, vem ganhando cada vez mais notoriedade nos estudos de relações internacionais e tem estimulado visões pessimistas proliferadas no ocidente sobre a ascensão do gigante asiático. De 2001 até 2008, ao passo que o gigante asiático crescia, o país buscou dispensar os medos de que uma China em crescimento seria uma ameaça para o sistema, com isso discursos sobre sua ascensão pacífica, desenvolvimento pacífico e mundo harmonioso foram enaltecidos pelas lideranças políticas. Todavia, a despeito dos constantes discursos chineses entoados sobre seu pacifismo, da ajuda do gigante asiático aos EUA durante a Guerra ao Terror e do comportamento comedido do mesmo no seu entorno regional, o país continuou e continua sendo apresentado de forma negativa e com desconfiança nas mídias e na academia ocidental.
Um exemplo do preconceito em relação à China foram as Olimpíadas de 2008. A China sediou os Jogos Olímpicos e utilizou-se do palco para tentar difundir sua cultura e uma imagem positiva do país internacionalmente. Considerando os megaeventos esportivos, a visibilidade proporcionada por tais eventos detém uma característica híbrida da natureza do domínio político atual, sendo constituída pela confluência de atores governamentais, corporações públicas e privadas (mídia e esporte), federações esportivas e sociedade (ou consumidores), que interagem e perseguem agendas muitas vezes divergentes (SUPPO, 2012).
De acordo com Manheim (1990, p.280), “porque atrai atenção de um grande número de pessoas em vários países e lhes transmite mensagens simples e altamente simbólicas, a competição esportiva internacional de alto nível está intrinsecamente ligada à política internacional”. Dessa maneira, jogos esportivos não escapam do campo da política e em diversos momentos da história foram utilizados para fins políticos e sendo influenciados por questões sistêmicas. Exatamente por isso, os eventos podem servir também aos outros países e não somente ao país sede dos jogos. Apesar de sua propaganda interna para reforçar a coesão nacional e externa para difundir a imagem do país enquanto um importante player internacional (ZHAO, 2015), a Olimpíada na China foi marcada por diversas críticas do ocidente diante da repressão do governo chinês de manifestações separatistas no Tibet e questionamentos sobre liberdade de imprensa e direitos humanos no país asiático.
As críticas ocidentais são exemplos das barreiras existentes para o gigante asiático ascender sem ser visto como uma ameaça pelo ocidente. O governo de Pequim, além de difundir discursos que entoam sobre a ascensão e desenvolvimento pacífico chinês desde 2003, como parte elementar de sua política externa, vem impulsionando, dentre diversas outras iniciativas, (i) a internacionalização de suas mídias (SHAMBAUGH, 2013; YANG, 2018; THUSSU, 2018) e (ii) investindo na proliferação de institutos culturais – principalmente o Instituto Confúcio (YANG, 2018; BECARD; FILHO, 2019).
De fato, a mídia chinesa vem se tornando global por mais de uma década, mas durante o governo Xi Jinping (2012 – atual) são comuns os discursos enfatizando a necessidade do governo chinês “better communicate China’s message to the world” (apud, XINHUA, 2014) e sobre a necessidade de contar “China’s story right” (CHINA DAILY, 2018). Para cumprir com esses objetivos, a CCTV (China Central Television), a China Radio International, People’s Daily, China Daily e outras indústrias e empresas chinesas vêm sendo financiadas pelo governo com o intuito de alcançar os mais diversos espectadores internacionalmente (SHAMBAUGH, 2013; THUSSU, 2018).
O PCC compreende que as visões negativas e a falta de apelo do país internacionalmente representaria um déficit do poder midiático e cultural chinês vis à vis ao ocidente (YANG, 2018). Como afirmou o reitor da universidade de Renmin, Zhao Qizheng, “if you don’t tell China’s stories, others will do; if you don’t tell true stories (of China), false stories go far” (apud YANG, 2018, p. 84).
Principalmente após 2008, o governo chinês vem buscando se legitimar internacionalmente, criticando o sistema ocidental e enaltecendo o modelo econômico e político chinês. A crise de 2008 somada à continuidade do crescimento chinês, estimulou a confiança interna do país que, em contrapartida, teceu críticas ao modelo ocidental. O governo chinês buscou promover o seu modelo econômico e político-partidário, passando a organizar desde 2014 cúpulas anuais para apresentar aos líderes de partidos políticos do mundo o sistema chinês (ZHAO, 2015).
Para além disso, através da ajuda para o desenvolvimento, por exemplo, o governo chinês vem investido em países africanos para criar infraestrutura para os meios de comunicação e difusão de suas mídias e sua cultura. Segundo Thussu (2018, p.20), a expansão midiática chinesa no continente africano é visível, posto que a StarTimes, por exemplo, uma das maiores companias pagas de TV da China, já alcançou sete milhões de assinantes em dez países africanos, incluindo Nigéria, Tânzania, Uganda, Ruanda e Quênia. São crescentes os investimentos chineses redes de comunicação e mídias chinesas, tornando-as mais “globalizadas” através de programações direcionadas para o público estrangeiro nos mais diversos idiomas (Espanhol, Inglês, Árabe e outros).
A Xinhua News Agency, por exemplo, já detêm mais de 180 escritórios internacionais, superando diversas mídias convencionais como a Reuters e a Agence France Press (BECARD; FILHO, 2019). Somente entre 2009 e 2010, por exemplo, o valor investido nas mídias chinesas foi de US$ 880 bilhões (YOMIURI SHIMBUN, 2014).
China is trying to reshape the global information environment with massive infusions of money – funding paid-for advertorials, sponsored journalistic coverage and heavily massaged positive messages from boosters. While within China the press is increasingly tightly controlled, abroad Beijing has sought to exploit the vulnerabilities of the free press to its advantage. In its simplest form, this involves paying for Chinese propaganda supplements to appear in dozens of respected international publications such as the Washington Post (THE GUARDIAN, 2018).
Para além de internacionalizar suas mídias, o governo chinês precisa estimular o consumo de sua cultura, assunto amplamente debatido no trabalho de Becard e Filho (2019). Por esse motivo, há nos anos recentes a proliferação de Institutos Confúcio no mundo todo – que são instituições financiadas pelo governo chinês com o intuito de promover a cultura e língua chinesa. O Instituto Confúcio segue a mesma lógica de outros institutos nacionais (semelhante ao alemão Goethe, ao espanhol Cervantes e outros). Em pouco mais de dez anos de existência, o Instituto Confúcio está presente em todos os continentes: são 173 na Europa, 161 na América (50 estão localizados na América Latina), 118 na Ásia, 54 na África e 19 na Oceania (HANBAN, 2019). Postula-se que o governo chinês tenha investido mais de 500 milhões de dólares de 2004 até 2011 na proliferação e manutenção de seus institutos espalhados pelo mundo (ZHANG; GUO, 2018).
Além da proliferação de suas mídias e de institutos culturais, o governo chinês está realizando parcerias e investindo em conglomerados ocidentais como o caso das parcerias com a Disney, Sony, DreamWorks e etc, com o objetivo de contar a história chinesa (THUSSU, 2018). Para além disso, empresas chinesas como a Dalian Wanda Group, cujo dono é Wang Jianlin, tem investido em produções chinesas, bem como na divulgação delas nas suas cadeias de cinemas nos EUA, Europa e Austrália.
A grande questão é que juntamente com a expansão chinesa para os mais diversos cantos do mundo, o país tem buscado alternativas que sejam capazes de servir aos seus interesses políticos e culturais, difundindo uma visão diferenciada da China. A mídia chinesa e os institutos culturais também estão chegando na América Latina, mas estudos ainda precisam ser realizados. Algumas perguntas em relação à essa iniciativa chinesa surgem, como por exemplo: Será que as mídias chinesas se consolidarão como uma alternativa na região? Tais iniciativas têm capacidade de transformar a imagem da China internacionalmente? Seria essa a etapa necessária para pensarmos uma transformação na ordem liberal e na ascensão da hegemonia chinesa?
Cabe por fim uma pergunta mais atual: Como será que ficará a imagem e a reputação da China diante da pandemia de 2020?
Referências Bibliográficas
BECARD, Danielly S. R.; FILHO, Paulo M. 2019. Chinese Cultural Diplomacy: instruments in China’s strategy for international insertion in the 21st Century. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 62, edição 005, pp.1-20.
CHINA DAILY. 2018. Xi: Spreading China’s story key mission. Disponível vem https://www.chinadaliy.com.cn/a/201808/23/ws5b7de976310add14f387392.html
MANHEIM, Jarol B. Rites of Passage: the 1988 Seoul olympics as public diplomacy. The Western Political Quarterly, Vol. 43, No. 2 , 1990, pp. 279-295.
SHAMBAUGH, David. 2013, China Goes Global: The Partial Power. New York: Oxford University Press.
SUPPO, Hugo. Reflexões sobre o lugar do esporte nas relações internacionais. Contexto Internacional, vol.34, No.2. Rio de Janeiro, 2012.
THE GUARDIAN. 2018. Inside China’s audacious global propaganda campaign. Disponível em: https://www.theguardian.com/news/2018/dec/07/china-plan-for-global-media-dominance-propaganda-xi-jinping Acesso em 10 de janeiro de 2019.
THUSSU, Data K. 2018. “Globalization of Chinese Media: the global context”. In: THUSSU, Daya et al. China’s Media Go Global. New York: Routledge.
XINHUA. 2014. Xi eyes more enabling international environment for China’s peaceful development. Disponível em http://en.people.cn/n/2014/1130/c90883-8815967-3.html Acesso em 10 de agosto de 2018.
YANG, Suzanne X. 2018. Soft Power and the strategic context for China’s ‘media going global’ policy. In: THUSSU, Daya et al. China’s Media Go Global. New York: Routledge.
YOMIURI SHIMBUN. 2014. Behind the Propaganda Wars / China wages 880 billion yen global media campaign. Yomiuri Reshikan Database.
ZHANG, Xiaoling; GUO, Zhenzhi. 2018. The effectiveness of Chinese Cultural Centres in China’s public diplomacy. In: THUSSU, Daya et al. China’s Media Go Global. New York: Routledge.
ZHAO, Suisheng. China’s Power from a Chinese Perspective (I): A Developing Country versus a Great Power. In: CHUNG, Jae-ho. Assessing China’s Power. The Asan Institute, UK: Palgrave Macmillian, pp.251-270, 2015.
Alana Camoça é Pós-Doutoranda em Ciências Militares na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Doutora em Economia Política Internacional pelo Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ.