A Era Reiwa e os ventos da nova primavera no Japão

Volume 6  |  Número 60  |  Mai. 2019
Por Alana Camoça Gonçalves de Oliveira
Foto: Imagem de Kohji Asakawa por Pixabay

Foi na nova primavera, em um mês belo (rei), 
Quando o tempo estava bom e soprava uma gentil (wa) brisa
As flores de ameixeira desabrocharam em uma linda cor branca 
e na fragrância exalada das orquídeas, sentia-se um doce 
perfume (Man’yoshu. Tradução Interpretativa)
初春の令月にして、気淑く く風和ぎ、
梅は鏡前の粉を披き、蘭は珮後の香を薫らす.
Desde o final do século XIX, o Japão moderno vivenciou cinco transições de Imperador. A primeira foi a Era Meiji (1868-1912), onde o o arquipélago buscou emular tecnologias e instituições ocidentais com o objetivo de fortalecer o país diante de um cenário internacional cada vez mais ameaçador. Afinal, o século XIX foi marcado pelo expansionismo europeu e a queda de seu mais poderoso vizinho: a China.
A segunda Era foi a Taisho (1912-1926), sendo uma das mais curtas. Durante esse período, o Japão se fortalecia econômica, política e militarmente, após suas vitórias na Guerra Sino-Japonesa (1894-1895) e na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905). A terceira Era, a mais longa de todas, foi a Showa (1926-1989), onde o Japão viveu profundas transformações. Afinal, enquanto nos anos iniciais o arquipélago consolidou seu expansionismo e a estratégia da “Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental”[1], pouco depois sofreu sua grande derrota na Segunda Guerra Mundial (GORDON, 2003; PYLE, 2007). 
O Japão foi o primeiro e único país a vivenciar os horrores de ataques de bombas nucleares. O Fat Man e o Little Boy deixaram marcas indeléveis na sociedade japonesa e até hoje o poder nuclear é um taboo no país. A despeito de qualquer capacidade de deterrence que é fundamental para a sobrevivência de um país no sistema internacional anárquico e, apesar de diversos primeiro-ministros como Kishi Nobusuke (1957-1960) e Yasuhiro Nakasone (1983-1986), por exemplo, expressarem posicionamentos sobre a possível necessidade do país estabelecer poder nuclear, o arquipélago continua a abraçar preceitos anti-militaristas. 
O anti-militarismo se tornou um importante ponto para analisar o Japão e o seu comportamento no sistema internacional, dividindo discussões entre realistas, como Waltz (1993) e Pyle (2007), e construtivistas, como Berger (1996) e Katzenstein (1998). No caso dos construtivistas, os mesmos endossam o papel das ideias e das normas através de análises da sociabilização das mesmas, onde ganha destaque a Constituição de 1947 e a sua cláusula pacifista. No Artigo 9º do documento, há a proibição da manutenção do potencial de forças de guerra e o direito a guerra é renunciado, assim como a ameaça e o uso da força são meios que não devem ser utilizados para resolver disputas internacionais. Contudo, isso não impossibilitou o Japão de constituir forças militares de cunho defensivo, Afinal, desde 1950 há a reestruturação de seu poder militar com a Reserva Nacional de Polícia e, posteriormente, com as Forças de AutoDefesa. 
A Constituição foi produto da Ocupação das Forças Aliadas (1945-1951), onde para além das reformas políticas e a democratização, os outros objetivos eram a desmilitarização e a reabilitação econômica japonesa – ou desmonopolização com o fim das Zaibatsu[2]. Com a Constituição e as transformações no pós-guerra, o Japão passou a difundir sua imagem como um país pacífico e ser pecebido como tal pelas potências ocidentais (PYLE, 2007; UEHARA, 2003). 
Cabe destaque ao sistema político nipônico, posto que o seu reordenamento retirou do Imperador seu poder político, deixando-o apenas com poder simbólico. Ademais, no mesmo contexto, no dia 1º de janeiro de 1946, o Imperador renegou sua divindade em público no que ficou conhecido como “Declaração de Humanidade” ou no japonês人間宣言(Jinkansengen) afirmando que “the ties between Us and Our people have always stood upon mutual trust and affection. They do not depend upon mere legends and myths. They are not predicated on the false conception that the Emperor is divine, and that the Japanese people are superior to other races and fated to rule the world” (NDL, 1946). Desde então, o Japão se constituiu em uma democracia, onde o primeiro-ministro detêm o maior poder decisório. 
Logo no pós-Guerra e ainda na mesma Era, ao contrário do expansionismo dos anos iniciais, o Japão buscou uma política externa que esteve alicerçada na Doutrina Yoshida que se baseava: (i) na reabilitação econômica do Japão deve ser o principal objetivo do país, por isso a cooperação econômica com os EUA é necessária; (ii) no fato do Japão precisar se manter levemente armado para evitar o envolvimento em conflitos internacionais; e (iii) na necessidade do arquipélago garantir sua segurança, providenciando bases para as forças armadas, navais e militares norte-americanas (PYLE, 2007). Nesse contexto, há a reconstrução das alianças do Japão com seu entorno regional, bem como sua reinserção internacional com o apoio norte-americano.
Em 1989, a era Heisei, cujo significado era “alcançar a paz”, a segunda mais longa até então, evocou mudanças que acompanharam as transformações do sistema internacional, posto que o fim da bipolaridade trouxe novos desafios para o arquipélago. Da década de 1990 até os dias atuais, o Japão continuou buscando se inserir internacionalmente e transparecer uma imagem de país pacífico. Todavia, com os custos da aliança nipo-americana e as pressões do sistema internacional, o arquipélago teve que transformar aos poucos sua postura anti-militarista e seu isolamento no que tangia assuntos militares. Por esse motivo, desde a década de 1990, o Japão passou a atuar, em algumas circunstâncias, de forma a enviar as FAD para assistência missões da ONU, operações de paz e etc (GORDON, 2003; PYLE, 2007). 
No século XXI, o Japão continuou promovendo sua militarização e estimulando relações próximas com países do mundo todo, fosse através da Ajuda para o Desenvolvimento (ODA) ou da cooperação nas mais diversas áreas. Ao passo que o Japão construiu a imagem de um importante player no cenário internacional, o mesmo passou a vivenciar diversas ameaças no seu entorno regional com a imprevisibilidade da Coreia do Norte e a assertividade marítima chinesa no Mar do Leste da China e no Mar do Sul da China.
Desde a ascensão de Shinzo Abe em 2012, o Japão vem promovendo importantes mudanças em suas políticas de segurança com, por exemplo, a reinterpretação do direito de AutoDefesa Coletiva (Collective Self-Defense) de 2014/2015 que aumentou a capacidade do país arcar com os custos da aliança nipo-americana (SALTZMAN, 2015). Além das políticas de segurança, o governo japonês tem adotado uma política externa intitulada como “Pacifismo Pró-Ativo”, visando contribuir regional e internacionalmente com a ordem mundial (DRIFTE, 2016). 
Em 2019, vivenciamos uma nova Era com a renúncia de Akihito e a ascensão de seu filho, Naruhito. A Era Reiwa emerge na primavera, juntamente com o desabrochar das flores, definindo a imagem que o corpo político japonês deseja difundir, a imagem de um país belo, harmonioso e pacífico.
O significado da palavra Reiwa é alvo de debates, posto que quando a divulgaram, diversas traduções entoaram que significaria “ordem harmônica”, trazendo um caráter mais autoritário para o novo período. Entretanto, a tradução oficial do governo japonês é “bela harmonia” e é interpretada nas palavras de Shinzo Abe como “a culture nurtured by people bringing their hearts together in a beautiful manner” (apud OSAKI, 2019). 
Tal concepção coaduna com as impressões de Shinzo Abe no seu livro de 2006, “Towards a Beautiful Country”, onde apresenta seu nacionalismo, enaltece o Japão e endossa as imagens da necessidade de revigorar o país. De trazer o Japão de volta. Não por acaso, a palavra foi escolhida com base em um poema tradicional da literatura japonesa com mais de 1200 anos que versa sobre o florescer das ameixeiras, que sinalizam a chegada da primavera após um longo inverno. 
Tal transição e escolha de nome ocorre no momento em que Shinzo Abe entoa sobre a necessidade de rejuvenescer o Japão e apresenta como um dos objetivos principais do seu governo a emenda do artigo 9º de sua Constituição. Shinzo Abe tem como interesse acrescentar menções que legitimem as Forças de AutoDefesa do Japão, posto que muitos ainda as veem como inconstitucional. 
De todo modo, para a promoção das imagens do país, as Olimpíadas de 2020 servirão de palco para o governo japonês difundir não só a sua imagem internacionalmente (como um país pacífico e participativo da ordem internacional), como para tentar instigar dentro da própria população o sentimento de que o Japão está de volta. 
Apesar de ser cedo para precisarmos as transformações que a política externa adotará e quais serão os percalços vivenciados pelo Japão nessa nova Era, podemos compreender que o novo período, muito provavelmente, trará grandes mudanças para o país e consolidará as transformações que se iniciaram ainda na Era Heisei, quando Shinzo Abe assumiu em 2012. À luz dos discurso de Abe, sem dúvida, a nova Era será marcada pelo desejo de rejuvenescer o Japão, fortalecer o seu prestígio e recuperar aspectos de seu passado. Em todos os casos, precisamos ver quais os meios o arquipélago adotará para alcançar seus objetivos. 
Referências
BERGER, T. Norms, identity, and national security in Germany and Japan. In: KATZENSTEIN, P. (Org.) The Culture of National Security: norms and identity in world politics. New York: Columbia University Press, 1996.
DRIFTE, Reinhard. The Japan’s Policy towards the South China Sea – Applying “Proactive Peace Diplomacy”? PRIF Report No. 140. Peace Research Institute Frankfurt, 2016.
GORDON, Andrew. A Modern History of Japan: From Tokugawa Times to the Present. Oxford University Press. Oxford, 2003. 
KATZENSTEIN, P. Cultural Norms and National Security: police and military in postwar Japan. New York: Cornell University Press. 1998.
NDL. Emperor, Imperial Rescript Denying His Divinity. 1946. Disponível em https://www.ndl.go.jpAcesso em 10 de janeiro de 2018.
OSAKI, Tomohiro. Japan assures world that Reiwa is all about ‘beautiful harmony’ and has nothing to do with ‘command’. The Japan Times. 2019. Disponível emhttps://www.japantimes.co.jp/news/2019/04/03/national/japan-assures-world-reiwa-beautiful-harmony-nothing-command/#.XMnlkuhKjIUAcesso em 1 de maio de 2019.
PYLE, Kenneth B. Japan Rising: the resurgence of Japanese power and purpose. Nova York: Public Affairs, 2007.
SALTZMAN, I. Growing Pains: Neoclassical Realism and Japan’s Security Policy Emancipation, Contemporary Security Policy, vol 36, n. 3, 2015, p.498-527.
WALTZ, K.. The emerging structure of international politics. International Security vol. 18, n. 2, 1993.
[1]Tal política tinha como base ideológica o pensamento de unificar e organizar articulando de maneira múltipla questões militares, políticas, culturais e econômicasdo Japão com os países da Ásia. A região era pensada enquanto um bloco de nações asiáticas liderados pelos japoneses e livre das potências ocidentais, a ideia de uma pan-região asiática liderada pelo Império japonês.
[2]De forma resumida, os Zaibatsu eram conglomerados econômicos liderados por grandes famílias como a Mitsubishi, Mitsui e Sumitomo. Esta tese não tem como interesse debater de forma detalhada a recuperação econômica do Japão no pós-guerra, todavia cabe ressaltarmos que areabilitação econômica dos EUA visava o desmantelamento dasZaibatsu, conglomerados industriais ou financeiros do Império japonês.De acordo com Torres (1999), só foi possível a reestruturação de sua política econômica, do seu contexto institucional e da consolidação de novas formas de conglomerados através da rearticulação doszaibatsusob a forma de keiretsu.
Como citar:

OLIVEIRA, Alana Camoça Gonçalves de. A Era Reiwa e os ventos da nova primavera no Japão. Diálogos Internacionais, vol. 6, n. 60, mai. 2019. Acesso em [06/05/2019]. Disponível em: http://www.dialogosinternacionais.com.br/2019/05/a-era-reiwa-e-os-ventos-da-nova.html

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353