Volume 6 | Número 59 | Abr. 2019
Por Bernardo Salgado Rodrigues
Hoje, dia 10 de abril, é a marca dos 100 primeiros dias de Jair Bolsonaro na presidência do Brasil. Ainda que esse período inicial não seja tão representativo, se considerado um mandato de 4 anos, ele é simbólico em termos políticos, uma vez que demonstra a orientação desejada pelo governo recém-eleito.
Nestes termos, a política externa é considerada uma das áreas que possui maior relevância no novo governo, buscando desvencilhar-se de seus predecessores e visando a uma nova geometria de poder nas relações internacionais, dizendo distanciar-se de qualquer viés ideológico em seu discurso. Sob a tutela de Ernesto Henrique Fraga Araújo, diplomata brasileiro e atual ministro das Relações Exteriores, o pêndulo da política internacional brasileira realizou uma rotação de quase 180º, findando em um movimento para a extrema-direita.
Este texto não busca debater a negação do atual chanceler acerca do aquecimento global
[1], nem uma trama internacional para transferir poder econômico do Ocidente para a China
[2], ou ainda uma conspiração política da esquerda
[3], tampouco a suposta ideologia anticristã do globalismo
[4]ou ainda a influência no Itamaraty do “marxismo cultural”
[5]. Ele busca debater o entusiasmo explícito do chanceler brasileiro com a política externa de Donald Trump, comprovado em seu artigo “Trump e o Ocidente
[6]“.
Em seu artigo, Ernesto Araújo (2017) analisa que a presidência de Donald Trump propõe uma recuperação da história e da cultura das nações ocidentais, demonstrando que o nacionalismo é a essência do Ocidente. Assim, não seria uma doutrina econômica e política, mas uma vontade divina que agiria na história, visando ainda inserir o Brasil nessa discussão, que mistura política com religião. Saindo do texto e preceitos do ministro para a realidade concreta dos fatos, seus pensamentos e ações nada possuem de inovador, apenas replicando algo que ficou conhecido como “realismo periférico” no âmbito das relações internacionais, numa versão tupiniquim.
O termo “realismo periférico” surgiu com o cientista político argentino Carlos Escudé (1992), assessor especial do ministro das Relações Exteriores da Argentina, Guido di Tella, em relação à estratégia de política externa daquele país diante das potências ocidentais. Em termos gerais, é o estabelecimento de um alinhamento automático e incondicional com os Estados Unidos.
Segundo esta doutrina, ao considerar a Argentina um país dependente, periférico, endividado e pouco relevante aos EUA e países centrais, ela deveria reduzir os enfrentamentos e discordâncias em sua política exterior com a finalidade de atrair investimentos e facilitar negociações com os organismos financeiros internacionais. O exemplo prático desta política externa ocorreu no governo de Carlos Menem (1989-1999) quando este retirou a Argentina do Movimento dos Países Não-Alinhados e a completa identificação da Argentina com a Aliança Ocidental, chegando-se a dizer, explicitamente, o desejo de estabelecer “relações carnais
[7]” com os americanos.
Na Argentina, a teoria do realismo periférico não resultou em ganhos significativos, apesar de suas concessões em termos de privatizações, políticas macroeconômicas, dentre outros. Esse “tipo ideal de política exterior”, segundo Bandeira (2010, p.476), acabou negando “à Argentina a capacidade de ter uma política exterior própria, um dos atributos da soberania, e subordinava-a à dos EUA”. Em outros termos, diferentemente de uma política externa ativa e altiva − ou de exemplos históricos no caso brasileiro, como a “Política Externa Independente” (1961-1964) de Quadros/Goulart, ou a “Diplomacia da Prosperidade” (1967-1969) e o “Pragmatismo Responsável e Ecumênico” (1974-1979), nos governos militares − o realismo periférico visa o entrelaçamento ideológico irrestrito com os Estados Unidos, desconsiderando o tabuleiro de xadrez geopolítico global e as contrapartidas negativas que tal política pode acarretar em termos geoeconômicos.
As próprias visitas de Estado aos Estados Unidos e Israel logo nos primeiros dias de Governo visaram reafirmar uma versão brasileira dessa análise teórica presente num passado recente de nosso país vizinho, cuja presença da “essência do Ocidente” proposta por Ernesto Araújo é intensa. O estabelecimento de “relações carnais” com os americanos é explícito, em que não se visualiza nenhum questionamento crítico de quaisquer políticas estadunidenses, tanto internas quanto externas, apoiando incondicionalmente todas as ações de Donald Trump, desde a construção do muro no México até a deportação de imigrantes brasileiros.
A versão brasileira do realismo periférico se encontra presente na formulação da política exterior do atual governo brasileiro, na qual os acordos incluem cessão de território nacional para lançamento de foguetes sem transferência tecnológica; venda de ativos nacionais estratégicos sem contrapartida social; liberação de vistos para estrangeiros sem o princípio da reciprocidade; incorporação na geoestratégia estadunidense sem ganhos políticos nem econômicos para o Brasil. Realizando mais um paralelo com a Argentina da década de 1990,
O que os teóricos do realismo periférico pretenderam não foi que a Argentina estabelecesse com os EUA uma relação madura e equilibrada, construída sobre razoável balanço de coincidências e divergências. O que buscaram foi uma relação especial […] Desse modo, conforme o sociólogo José Paradiso observou, os teóricos do realismo periférico imaginaram que, se o país fora tão bem, acoplando-se à Grã-Bretanha, a potência hegemônica no século XIX até o início do século XX, o aconselhável era repetir a fórmula que consistia em torná-la o key country dos EUA. (BANDEIRA, 2010, p.477)
Em 100 dias de governo Bolsonaro, visualiza-se uma política interna baseada no liberalismo econômico e no autoritarismo político, enquanto na política externa retomam-se fronteiras ideológicas dos tempos de Guerra Fria somados ao alinhamento incondicional com o Ocidente, um “realismo periférico tupiniquim”.
Referências
ARAUJO, Ernesto. Trump e o Ocidente. Cadernos de Política Exterior. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, v. 3, nº 6, dezembro de 2017. Brasília : FUNAG, 2015, p. 323-358
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Brasil, Argentina e Estados Unidos: conflito e integração na América do Sul (da Tríplice Aliança ao Mercosul). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
ESCUDÉ, Carlos. Realismo periférico: fundamntos para la nueva política argentina. Buenos Aires: Planeta; Política y Sociedad, 1992.
[1]“Bolsonaro appoints climate change denier and conspiracy theorist as foreign minister”, Ben Cowles. 15 de Novembro de 2018. Disponível em: https://morningstaronline.co.uk/article/bolsonaro-appoints-climate-change-denier-and-conspiracy-theorist-as-foreign-minister
[2]“climate change is a ‘globalist’ plot to help China, claims pro-trump brazilian foreign minister”,
David Brennan, 16 de Novembro de 2018
Disponível em: https://www.newsweek.com/climate-change-cultural-marxist-plot-claims-pro-trump-brazilian-foreign-1218722
[3]“Sequestrar e perverter”, Ernesto Araújo. 12 de outubro de 2018.
Disponível em: https://www.metapoliticabrasil.com/blog/sequestrar-e-perverter
[4]“Sou Ernesto Araújo. Tenho 28 anos de serviço público e sou também escritor. Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história. Obrigado pela sua atenção a este blog!” Disponível em: https://www.metapoliticabrasil.com/about
[5]“Futuro chanceler diz que vai libertar o Itamaraty do “marxismo cultural” “, Estadão Conteúdo. 28 de Novembro de 2018. https://exame.abril.com.br/brasil/futuro-chanceler-diz-que-vai-libertar-o-itamaraty-do-marxismo-cultural/
[6]Disponível em Cadernos de Política Exterior. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, v. 3, nº 6, dezembro de 2017. Brasília : FUNAG, 2015, p. 323-358
[7]“O próprio ministro das Relações Exteriores da Argentina, Guido di Tella, declarou: ‘Nosotros queremos pertenecer al Club de Occidente. Yo quiero tener una relación cordial con los Estados Unidos y no queremos un amor platónico. Nosotros queremos un amor carnal con Estados Unidos. Nos interesa, porque podemos sacar un beneficio.” (BANDEIRA, 2010, p.478)
Como citar:
RODRIGUES, Bernardo Salgado. Realismo periférico tupiniquim. Diálogos Internacionais. vol.6, n.59, abr. 2019. Acessado em [10/04/2019]. Disponível em: http://www.dialogosinternacionais.com.br/2019/04/realismo-periferico-tupiniquim.html