A Amazônia Azul e o Atlântico Sul: proteção e projeção geopolítica brasileira

Volume 6 | Número 56 | Jan. 2019

Por Bernardo Salgado Rodrigues

“Navegar é preciso, viver não é preciso”. Essa antológica frase do poeta português Fernando Pessoa, que buscava descrever a tradição histórica dos portugueses na exploração dos mares, converge com os ideais do almirante americano Alfred Thayer Mahan, grande idealizador da Teoria do Poder Marítimo. A partir de seu livro “A influência do poder marítimo sobre a história”, o clássico autor demonstra que o uso e o controle do mar desempenharam papel fundamental na história do mundo, com profunda influência da guerra e do comércio marítimo na acumulação de riqueza das nações. Assim, o Sea Poweré uma estratégia marítima de domínio do mar através da marinha mercante e naval, em tempos de paz e guerra. Logo, aqueles que possuem poder marítimo têm segurança contra invasão através dos oceanos, mobilidade e capacidade de alcançar a costa inimiga, proteção do tráfego marítimo e controle de áreas marítimas. 
Num contexto brasileiro da importância do mar, a Marinha do Brasil criou o termo “Amazônia Azul[1]“, área marítima brasileira que faz uma analogia com os recursos estratégicos da região terrestre. Buscando ampliar sua área, o Estudo do Limite Exterior da Plataforma Continental Brasileira foi encaminhado à ONU em 2015 a fim de acrescentar 960.000 km² ao território brasileiro que, somados aos 3,5 milhões de km² de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), totalizaria uma área marítima de 4,5 milhões de km². Essa ampliação, somado às áreas marítimas dos Arquipélagos de Fernando de Noronha e São Pedro e São Paulo e as ilhas Oceânicas de Trindade e Martim Vaz, faria com que a área disponível para a exploração científica e de riquezas se assemelhasse à atual superfície amazônica e mais de 50% da extensão territorial brasileira. 
Além das vertentes ambiental, científica e soberana, a Amazônia Azul possui dados impressionantes acerca da ótica econômica: 95% do comércio exterior brasileiro é realizado por via marítima, mais de 90% do petróleo brasileiro tem origem no oceano, além das potencialidades econômicas da pesca, do turismo e dos recursos naturais (sal, cascalhos, areias, fosforitas, crostas cobaltíferas, sulfetos e nódulos polimetálicos, entre outros). Esta imensidão de recursos e possibilidades engendra uma perspectiva de soberania e defesa, uma vez que “é preciso que sejam delineadas e implementadas políticas para a exploração racional e sustentada das riquezas da nossa ‘Amazônia azul’, bem como que sejam alocados os meios necessários para a vigilância e a proteção dos interesses do Brasil no mar.” (CARVALHO, 2004)
Ampliando o escopo geopolítico, o Atlântico Sul é compreendido como a área localizada entre a América do Sul e a África, ao sul do Equador, separada do oceano Índico, a leste, pelo meridiano de 20° longitude E, e do Pacífico, a oeste, pela linha de maior profundidade entre o cabo Horn e a Antártica. Em geral, ele abarca áreas geoestrategicamente importantes, como a Foz do Amazonas, os Salientes Africano e Nordestino, o Golfo da Guiné, as Bacias de Santos, Campos e do Espírito Santo, o Estuário do Prata, os trampolins insulares do Atlântico Sul como interconexão oceânica e com a Antártica, o Cabo da Boa Esperança e o Estreito de Magalhães e Drake, além de constituir-se como uma zona de comunicação marítima direta entre zonas polares (diferentemente de todos os demais oceanos, tornando-o o mais intercontinental). 
Outro fato de interesse consiste no complexo mapa de potências estrangeiras no Atlântico Sul. Da presença europeia atual, como um reflexo do imperialismo do século XIX, tem-se o território ultramarino francês da Guiana, as possessões britânicas das Ilhas de Ascensão, Santa Helena, Tristão da Cunha, Gough, Sandwich do Sul, Georgia do Sul, Orcadas do Sul e as Ilhas Falklands/Malvinas, cuja derrota argentina na Guerra das Malvinas revelou uma “gibraltarização” do Atlântico Sul (CASTRO, 1998, P.25) com uma revalorização por parte da Inglaterra e da própria OTAN. Além disso, a reativação da Quarta Frota dos Estados Unidos, em 24 de abril de 2008, acendeu o radar da superpotência marítima que, ao buscar garantir a liberdade e a segurança marítimas por meio da cooperação regional ou mundial que permita a atuação do poder naval dos EUA (SILVA, 2014, p.205-206), possivelmente visualizou as potencialidades geopolíticas e geoeconômicas do Atlântico Sul no século XXI. 
O Brasil é o maior país do Atlântico Sul, o primeiro em extensão de costa com 7.491 quilômetros, com relevo favorável para o estabelecimento de bons portos, com 80% de sua população nas faixas litorâneas, posicionado no saliente oriental da América do Sul, na zona de estrangulamento do Atlântico e com maior proximidade da África (Natal-Dakar). Por esses e demais fatores, agregando-se a importância recente da Amazônia Azul para o país, a revalorização brasileira do Atlântico Sul, aliada a uma estratégia naval para o século XXI pautada no desenvolvimento e segurança, é imprescindível. 
Seja para proteção da Amazônia Azul ou projeção no Atlântico Sul, o Brasil vem demonstrando cada vez mais interesse nas questões marítimas. Têm-se como exemplos a Política Nacional de Defesa (PND), de 2005, que visou intensificar o intercâmbio com as FFAA das nações amigas, inclusive do Atlântico Sul; a Estratégia Nacional de Defesa (END), de 2008, que considera o Atlântico Sul, conjuntamente com a Amazônia, como área estratégica para o Brasil em termos de defesa; e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), de 2012, que ao demonstrar as atividades de defesa do Brasil, assenta políticas e ações que norteiam os procedimentos de segurança e proteção do Atlântico Sul. Como destaca Aguilar (2013, p.64), a prioridade foi oriunda “da necessidade de proteger os recursos naturais da sua plataforma continental […] e do comércio exterior brasileiro majoritariamente realizado pela via marítima do Atlântico. Ou seja, garantir a utilização sem constrangimentos deste espaço.”
Na virada do século XXI, a cooperação Sul-Sul passou a delinear as pautas da Política Externa do Brasil (PEB). No Atlântico Sul, tem havido uma cooperação de segurança e defesa visando a garantia da paz interna e regional, com a capacidade de atuar sem constrangimentos ou ameaças. Assim, o Brasil vem buscando, desde a criação da ZOPACAS[2]e da Guerra das Malvinas, revalorizar o Atlântico Sul e reduzir a interferência de potências extrarregionais, visando estabelecer a criação de uma identidade sul-americana e sul-atlântica.
Para tal, o país necessita de um poder dissuasório de desenvolvimento, em que o projeto do submarino nuclear brasileiro é o exemplo mais elucidativo, inclusive, a fim de diminuir o apartheid tecnológico, que nega aos países em desenvolvimento a oportunidade de desenvolver tecnologia nuclear para usos pacíficos. “Thus, the nuclear-submarine program can also be understood within the context of an effort to overcome external technological dependence” (SILVA; MOURA, 2016, p.618), uma vez que visa alcançar o ciclo de combustível nuclear em escala industrial, desenvolver recursos humanos, prospectar reservas de urânio em território nacional, desenvolver tecnologias civis a partir do programa nuclear, melhorar a capacidade estratégica da Marinha Brasileira, dominar uma tecnologia importante para o desenvolvimento nacional e ambicionar um papel mais significativo no cenário mundial. 
Uma das conquistas práticas do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) tem sido a produção de centrífugas a gás para as indústrias nucleares do Brasil, um reator multiuso que produzirá isótopos para uso médico e industrial e contribuirá para a pesquisa em nanotecnologia, biologia estrutural e outros campos, além da própria construção de submarinos nucleares e convencionais. No dia 14 de dezembro de 2018, foi lançado o Submarino Riachuelo, o primeiro modelo Scorpène adquirido no âmbito do Acordo de Transferência de Tecnologia firmado entre a França e o Brasil em 2008. Segundo dados da Marinha, a previsão é de que o submarino Humaitá seja lançado ao mar em 2020, o Tonelero em 2021, o submarino Angostura em 2022 e, por último, o submarino com propulsão nuclear, Álvaro Alberto, em 2029. Entretanto, o estabelecimento de uma política de Estado e o emprego do poder naval via dissuasão nuclear ou convencional requer, no médio-longo prazo, impreterivelmente, três elementos essenciais e constantes: vontade política, recursos financeiros e capacidade tecnológica. (SILVA; MOURA, 2016, p.629)
Diferentemente do século XX, o Atlântico Sul tende a ganhar maior importância caso se confirme o dinamismo do Brasil, da Argentina e dos países africanos, assim como o comércio exterior entre estes e as maiores economias mundiais. Se, na dimensão global, o Atlântico Sul tem um papel secundário como via de comunicação marítima, no âmbito regional, sua importância econômica e geopolítica é fundamental, principalmente para o Brasil, que possui como objetivos manter esse espaço marítimo como zona de paz e cooperação, livre de armas nucleares, reafirmando o direito dos estados regionais de desenvolver tecnologia nuclear para usos pacíficos.
Como constatam Silva e Moura (2016, p.627), a tarefa mais importante para a Marinha Brasileira continua sendo a “negação do mar”, ou seja, impedir que um inimigo tenha acesso ao mar. Assim, um dos objetivos estratégicos é a criação de uma força submarina tanto convencional como nuclear. O Brasil necessita de consciencioso desenvolvimento marítimo e correspondente influência transatlântica para base de sua expansão econômica e liberdade de tráfego pelos mares. Como afirmou Therezinha de Castro (1998, p.44), “que o Brasil nascia do mar, no mar e, em seu destino manifesto tem que viver pelo mar, não lhe podendo, pois virar as costas.” Em suma, a importância da Amazônia Azul para o Brasil é extremamente relevante, e é função da Marinha Brasileira proteger esse patrimônio, assim como assegurar o controle das vias de comércio marítimo pelo Atlântico Sul. 
Referências Bibliográficas
AGUILAR, Sérgio Luiz Cruz. Atlântico Sul: as relações do Brasil com os países africanos no campo da segurança e defesa. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, v2 n. 4, jul-dez 2013, pp. 49-71.
CARVALHO, Roberto de GuimarÃes. A outra Amazônia. Folha de São Paulo. São Paulo, 25 fev. 2004.
Castro, Therezinha de. Atlântico Sul: Geopolítica e Geoestratégia. Rio de Janeiro, Escola Superior de Guerra, 1998.
SILVA, A. Ruy de Almeida; MOURA, José Augusto de Abreu. The Brazilian Navy’s nuclear-powered submarine program. The Nonproliferation Review, Vol.23. NOS. 5-6, 2016, pp. 617-633.
SILVA, A. Ruy. A. O Atlântico Sul na Perspectiva da Segurança e da Defesa. In: Reginaldo Mattar Nesser e Rodrigo Fracalossi de Moraes (Orgs.). O Brasil e a segurança no seu entorno estratégico: América do Sul e Atlântico Sul. Brasília: Ipea, 2014.
[1]No que concerne a área da denominada “Amazônia Azul”, apartir da entrada em vigor daConvenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) em 16 de novembro de 1994, os espaços marítimos brasileiros foram assim definidos: o Mar Territorial, que não deve ultrapassar o limite de 12 milhas náuticas (MN); a Zona Contígua, adjacente ao mar territorial, cujo limite máximo é de 24 MN e é medida a partir das linhas de base do mar territorial; a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), medida a partir das linhas de base do mar territorial e que não deve exceder a distância de 200 MN; e a Plataforma Continental, que compreende o solo e o subsolo das áreas submarinas, além do mar territorial, podendo estender-se além das 200 milhas até o bordo exterior da margem continental. Assim, a distância máxima de 350 milhas é o limite, a partir da linha de base da qual se mede a largura do mar territorial.
[2]A Zona e Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) foi estabelecida em 1986, por meio da Resolução 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Desde 1986, a Assembleia-Geral aprovou 22 resoluções sobre ZOPACAS. A resolução mais recente foi adotada em 2015 e enfatizou o papel da ZOPACAS como fórum para interação crescente e apoio mútuo entre os Estados do Atlântico Sul. A ZOPACAS é integrada por 24 países banhados pelo Atlântico Sul e visa o tratamento de temas relativos à segurança e preservação da paz do Atlântico Sul, mantendo-se a região como zona livre de armas nucleares e de outras armas de destruição em massa.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353