Espaço cibernético – quinta dimensão do conflito geopolítico

Volume 6 | Número 56 | Jan. 2019

Por Bernardo Salgado Rodrigues
A guerra cibernética é a arena de combate do século XXI. Ela se apresenta como novo palco de confrontos não convencionais, de inimigos invisíveis, definida como uso ofensivo e defensivo de informações e sistemas de informações para negar, explorar, corromper ou destruir valores do adversário baseados em informações, sistemas de informação e redes de computadores.
Interpretada como uma externalidade negativa da 4ª Revolução Industrial (SCHWAB, 2016), esta nova dimensão do conflito geopolítico permite vislumbrar uma inédita maneira de relação entre a economia, o Estado e a sociedade que, com o advento da Web 3.0[1]e um considerável aumento na velocidade, capacidade e flexibilidade na coleta, produção e disseminação de informações, ensejou um conjunto de recursos relacionados à criação, controle e comunicação de informações eletrônicas.
Ao seguir uma lógica cronológica das dimensões dos conflitos geopolíticos a partir das teorias realizadas pelos seus precursores, a marítima, com oalmirante americano Alfred T. Mahan, é considerada a primogênita. Em seu clássico livro de 1890, The Influence of Sea Power Upon History: 1660–1783, ele revisa os acontecimentos militares e navais dos séculos XVII e XVIII, alinhando a ideia básica de que “o domínio do mar traz a vitória na guerra e a riqueza na paz” (MELLO, 1997, p.14) com a hipótese de uma universalidade nos princípios que norteiam as operações navais. Num segundo momento, Halford Mackinder agrega o Poder Terrestre como segunda dimensão, defendendo-o como território onde são “mais propícias as condições para o poder terrestre construir uma esquadra e lançar-se ao oceano a partir de sua plataforma continental, que para o poder marítimo organizar um exército e lançar-se à terra a partir de sua base insular.” (MELLO, 1999, p.40) Na terceira dimensão geopolítica, o poder aéreo teve em Alexander Seversky, William Mitchell, J. Douhet e Von Seecket os defensores de uma nova estratégia que deveria ser adotada pelas nações, ou seja, o controle dos ares. Na concepção desses autores a existência de uma força aérea eficaz é que seria determinante nos resultados de uma guerra. (MIYAMOTO, 1981, p.77) No contexto da Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética, visando expandir suas áreas de influência, buscaram demonstrar superioridade em vários setores, extrapolando, inclusive, os limites da própria Terra: o espaço sideral. Assim, se inicia a corrida espacial, abrindo um quarto campo de disputa geopolítica, que vem sendo expandida até a atualidade com a criação de comandos ou forças espaciais em diferentes Forças Armadas do mundo.
No modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade encontra-se na tecnologia de geração de conhecimentos e de processamento da informação como fonte de produtividade. Ao contrário de certas premissas de diminuição relativa do poder estatal nesse novo contexto, o Estado informacional (BRAMAN, 2006) é o maior provedor e consumidor de informação e seus fluxos em uma nova forma particular de poder, controlando e vigiando as atividades do cidadão por meio das Tecnologias de Informação e Comunicações (TICs), além de vir cada vez mais adaptando seu papel e funções às circunstâncias cambiantes. Assim, essa nova categoria de poder, o poder informacional, envolve um conjunto de estratégias (informacionais), se configurando como uma nova dimensão geopolítica que afeta a natureza das demais dimensões, principalmente quando se trata da segurança da informação. 
Num mundo em que os ataques cibernéticos[2]são uma ameaça para a segurança nacional, a defesa cibernética[3]é um imperativo cada vez mais imprescindível para o Estado lidar com ameaças como espionagem econômica, crime cibernético, ciberguerra e ciberterrorismo. Logo, o espaço cibernético se apresenta como um espaço não geográfico em rede, fundamental para todo e qualquer país que busque se inserir de maneira adequada nesta quinta dimensão do conflito geopolítico; é uma demanda necessária, consciente ou não, para os governos, com a finalidade de proteger suas infraestrutruas críticas[4]e a segurança da informação[5].

In an era characterized by what the Pentagon calls “the Long War,” when it is already apparent that the importance of information strategy is growing relative to that of military strategy, it seems clear that this is a struggle that will not be won simply by force of arms. In such a world, skillful information strategy is likely to prove the difference between victory and defeat. (ARQUILA, 2007, p.9) 

Assim, pode-se inferir um axioma desta nova era: a informação/conhecimento é poder, cujas novas formas de guerra demandam novos desafios para a proteção da sociedade. Nas relações internacionais, aspectos da revolução da informação ajudam os pequenos Estados nesta nova dimensão geopolítica, mas, concomitantemente, auxiliam na manutenção do status quodas grandes potências, principalmente, devido: 1) às barreiras à entrada e economias de escala permanecem concentradas em alguns aspectos do poder e Estados; 2) coleta e a produção de novas informações geralmente exigem investimentos dispendiosos; 3) Estados pioneiros são os criadores dos padrões e arquitetura dos sistemas de informação; 4) poder militar continua importante em domínios críticos; 5) posse de hardware sofisticado ou sistemas avançados não será o ponto central, mas a capacidade de integrar um sistema de sistemas; 6) revolução da informação, em termos gerais, não descentralizou ou igualou o poder entre os Estados, e sim realizou o efeito oposto.
Ataques de hackers pagos pelos próprios governos a fim de se apropriar de informações sigilosas de outros países; interferências em eleições de forma direta e indireta; investimentos em defesa redirecionados para o âmbito da tecnologia da informação; uma espécie de “Guerra Fria cibernética” entre Estados Unidos, China e Rússia pela supremacia do ciberespaço; esses e vários outros elementos constituem a nova “guerra tecnológica”, em que todos os países do mundo, sem exceção, terão que realizar grandes investimentos para se adaptar a esses imperativos da nova realidade. Entretanto, como afirmou Nye (2011), “the Information Revolution is leading to a diffusion of power, but larger states still have larger resources.” Em outros termos, a velha retórica de que o sistema internacional é competitivo, assimétrico e hierárquico continua vigente, somente tendo sido agregada uma nova esfera de conflito geopolítico: o espaço cibernético. 
Referências bibliográficas
ARQUILLA, John; BORER, Douglas A. Information strategy and warfare: A guide to theory and practice. New York: Routledge, 2007.
BRAMAN, Sandra. Change of State: information, policy, and power. Cambridge: MIT, 2006.
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. A geopolítica do Brasil e a Bacia do Prata. Manaus: Ed. da Universidade do Amazonas, 1997.
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec; Edusp, 1999.
MIYAMOTO, Shiguenoli. Os estudos geopolíticos no Brasil: uma contribuição para sua avaliação. Perspectivas, São Paulo, v. 4, p.75-92, 1981
NYE JR, Joseph. The future of Power.New York, PublicAffairs, 2011.
SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
[1]Esta nova geração prevê que os conteúdos online, além da amplitude de acesso às pessoas e a produção de conteúdo mais abrangente, estarão organizados de forma semântica, mais personalizados para cada internauta, sites e aplicações inteligentes, com publicidade baseada nas pesquisas e nos comportamentos. Assim, as máquinas se unem aos usuários na produção de conteúdo e na tomada de ações, tornando a infraestrutura da internet de coadjuvante para protagonista na geração de conteúdos e processos. No campo político, com a web 3.0, ferramentas como painéis em tempo real, que monitoram a presença de opositores através de tags, inteligência na internet e mídias sociais, softwares de georeferenciação em tempo real, são todos elementos que ajudam a monitorar as eleições e a democracia em tempo real. 
[2]Ataques cibernéticos são definidos como ações deliberadas com o emprego de recursos da Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC) que visam interromper, penetrar, adulterar ou destruir redes utilizadas por setores públicos e privados essenciais à sociedade e ao Estado
[3]Defesa cibernética é definida como conjunto de ações defensivas, exploratórias e ofensivas, no contexto de um planejamento militar, realizadas no espaço cibernético, com as finalidades de proteger os nossos sistemas de informação, obter dados para a produção de conhecimento de inteligência e causar prejuízos aos sistemas de informação do oponente
[4]As infraestruturas críticas são as instalações, serviços e bens que, se forem interrompidos ou destruídos, provocarão sério impacto social, econômico, político, internacional e/ou à segurança nacional. Em suma, um ataque a essas estruturas coloca em risco a integridade de infraestruturas sensíveis, essenciais à operação e ao controle de diversos sistemas e órgãos diretamente relacionados à segurança nacional, tais como telecomunicações, energia, transportes, água e finanças. Assim, sua securitização torna-se um componente essencial da política de segurança nacional.
[5]A segurança da informação diz respeito à proteção de determinados dados, com a intenção de preservar seus respectivos valores para um Estado, organização (empresa) ou indivíduo. Entende-se como informação todo o conteúdo ou dado valioso, com capacidade de armazenamento ou transferência, que serve a determinado propósito útil. A Segurança da Informação possui quatro características principais: 1) disponibilidade: propriedade de que a informação esteja acessível e utilizável sob demanda (autorizada) por uma pessoa física ou determinado sistema, órgão ou entidade; 2) integridade: propriedade da informação que não foi modificada no caminho entre a fonte e o receptor; 3) confidencialidade: propriedade de que a informação não esteja disponível ou revelada a pessoa física, sistema, órgão ou entidade não autorizado e credenciado; 4) autenticidade: propriedade de que a informação foi produzida, expedida, modificada ou destruída por uma determinada pessoa física, ou por um determinado sistema, órgão ou entidade.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353