Complexo industrial-militar estadunidense: passado e presente

Por Bernardo Salgado Rodrigues

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Desde o final do século XIX – quando o governo dos Estados Unidos, para fortalecer sua esquadra, começou a demandar vários encouraçados à indústria pesada e metalúrgica – se inicia o denominado complexo industrial-militar, constatando-se a importância do militarismo como campo de acumulação de capital, de luta pelo domínio de territórios e do aperfeiçoamento constante dos meios de produção/destruição.

O militarismo constituía, então, o meio privilegiado de realização do excedente econômico, i.e., de acumulação de capital, fundamental ao seu crescimento e à sua expansão. Desde o início do século XX, tornava-se, portanto, necessário alimentar continuamente a indústria bélica e os grandes negócios, nos quais os militares e industriais se associavam, forjando um clima de ameaças, um ambiente de medo, de modo a compelir o Congresso a aprovar vultuosos recursos para o Pentágono e para outros órgãos vinculados à defesa. (BANDEIRA, 2014, p.211-212)

O termo “complexo industrial-militar” tem origem a partir das correlações entre militarismo, indústria e pesquisa tecnológica (principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, tendo Eisenhower cunhado o termo naquele momento), constituindo a base da economia estadunidense até os dias atuais e, destarte, sendo o caso mais emblemático,

onde inúmeros investigadores mostraram a enorme influência dos imperativos bélicos para a pesquisa científica de universidades e de institutos ligados a empresas, para a inovação tecnológica nos ramos mais avançados da indústria (eletrônica, informática, naval, aeroespacial, química, nuclear, etc.) e até para próprio volume de produção das principais firmas multinacionais. (VESENTINI, 1990, p.58-59)

Analisando o Orçamento de defesa em dólares e em termos de percentagem do total (The White House), podemos observar um aumento dos gastos militares na primeira década de 2000, ultrapassando os 600 bilhões de dólares e 20% do orçamento total, devido principalmente às Guerras do Iraque e Afeganistão durante o governo Bush, seguido de uma diminuição no segundo governo Obama a partir das reduções das operações em larga escala no Oriente Médio, mas que ainda representa um sexto do orçamento federal direcionado para gastos militares.
Como porcentagem do PIB, as despesas militares americanas da década de 1990 até 2015 oscilaram entre 3% e 6%, segundo dados oficiais. (Banco Mundial, World Development Indicators). Além disso, o orçamento militar dos Estados Unidos corresponde a 35% do orçamento militar mundial (2016), quase três vezes maior que o orçamento da China e mais de oito vezes que o da Rússia.
Em fevereiro, o governo Trump enviou a proposta orçamentária para o ano fiscal em curso, cujos aumentos dos gastos militares “históricos”[1] em defesa seriam na ordem de 10%, ou 52 bilhões de dólares, totalizando 639 bilhões[2]. Concomitantemente a esse aumento, cortes seriam realizados em outros programas, levando a profundas reduções nos programas federais de caráter não-militar. A Casa Branca sinalizou que começaria os cortes em agências como a United States Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental), com redução de 24% do orçamento, uma redução de 2 bilhões de uma agência que possui orçamento anual de 8,1 bilhões; Internal Revenue Service (a Receita Federal estadunidense), que seria amortizada em 14% por cento; os programas de seguridade social, que possuem divergências nos cortes, inclusive entre os republicanos; e de ajudas americanas ao exterior[3].
O 45º presidente estadunidense disse que expandiria o Exército para 540.000 tropas de serviço ativo de seus atuais 480.000; aumentaria o Corpo de Fuzileiros Navais para 36 batalhões de 23 – ou até 10.000 fuzileiros navais a mais –; impulsionaria a Marinha para 350 navios e 276 submarinos; e elevaria o número de aeronaves táticas da Força Aérea para 1.200 de 1.100. Ainda, reforçaria o desenvolvimento de defesas de mísseis e capacidades cibernéticas[4]. Tais aumentos dos gastos em defesa visam incrementar a construção naval, de aeronaves militares e, sobretudo, estabelecer uma presença mais vigorosa em vias-chave de navegação internacionais e em choke points (rota estratégica estreita que fornece passagem através de/para outra região), tais como o Estreito de Hormuz e o Mar do Sul da China.
O projeto final do orçamento será apresentado em maio pela administração Trump, no qual o Congresso – controlado pelos republicanos – deve avaliá-lo e aprová-lo, sob constantes oposições. Ainda que tradicionalmente o projeto prévio orçamental seja considerado como a descrição das prioridades da Casa Branca, enquanto o orçamento final resulte das negociações e compromissos entre a Administração e o Congresso, o considerável aumento proposto por Trump neste primeiro ano – e que tende a ser progressivo nos próximos três anos de mandato – retoma o enfoque militarista da atuação americana no exterior.
Entretanto, os gastos militares de anos prévios foram postos em prática antes mesmo da aprovação do orçamento proposto por Trump. O ataque à base aérea na Síria no começo de abril, em retaliação a um suposto ataque químico numa cidade de opositores de Bashar al-Assad, foi a primeira amostra do ímpeto intervencionista militar do governo Trump, sendo inclusive a primeira vez que fora realizado um ataque estadunidense direto contra o regime sírio[5]. Tal iniciativa, ao não levar em consideração o Conselho de Segurança da ONU e até mesmo a aprovação do próprio Congresso Americano[6], abre uma prerrogativa perigosa em termos político-militares.
A crescente tensão entre Estados Unidos e Coreia do Norte, devido aos testes com armas nucleares por conta do país asiático, alertam para a escalda militar na região e intensificação militar dos Estados Unidos no Leste Asiático. A presença estadunidense na Península Coreana, mais especificamente no Mar do Japão e no Mar Amarelo, com seu USS Carl Vinson (CVN-70, um super-porta-aviões de propulsão nuclear norte-americano da classe Nimitz) e o USS Michigan (o segundo submarino de mísseis guiados por energia nuclear da classe Ohio na Marinha dos Estados Unidos), assim como a realização de exercício conjuntos entre a Marinha dos Estados Unidos e o Japão[7], a instalação de um sistema anti-mísseis na Coreia do Sul[8], são alguns fatores que corroboram o ímpeto militarista no início do mandato de Trump e o histórico da influência do complexo industrial-militar na economia estadunidense.

Referências

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Formação do Império Americano: da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

VESENTINI, José William. Imperialismo e geopolítica global: espaço e dominação em escala planetária. 2. ed. Campinas: Papirus, 1990.

[1] http://www.reuters.com/article/us-usa-trump-budget-idUSKBN1661R2

[2] https://www.theguardian.com/us-news/2017/mar/16/trump-military-budget-proposal-congress-obama-spending-cap

[3] https://www.nytimes.com/2017/02/27/us/politics/trump-budget-military.html?_r=0

[4] http://www.reuters.com/article/us-usa-trump-budget-idUSKBN1661R2

[5] https://www.theguardian.com/world/2017/apr/06/trump-syria-missiles-assad-chemical-weapons

[6] https://www.usnews.com/news/politics/articles/2017-04-06/can-the-president-attack-another-country-without-congress

[7] http://www.nydailynews.com/newswires/news/national/latest-uss-carl-vinson-exercises-japan-air-force-article-1.3097307

[8] http://www.reuters.com/article/us-southkorea-usa-thaad-idUSKBN17R2VA

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353