A atualidade geopolítica de Spykman: política de contenção, equilíbrio de poder e disputa territorial

Por Bernardo Salgado Rodrigues

Dentre as análises que foram realizadas durante o prólogo da Guerra Fria, os preceitos do geopolítico Nicholas John Spykman se destacam na visão estratégica de longo prazo tanto em uma visão estadunidense como soviética e “antecipa o quadro básico e as estratégias dominantes das relações internacionais do pós-guerra”. (COSTA, 1992, p.176) Spykman pleiteava uma política de poder sustentada na segurança nacional dos Estados Unidos e, ao teorizar durante a 2ª Guerra Mundial, a contemporaneidade de seus conceitos consiste no uso de ferramentas metodológicas instrutivas para a compreensão da geopolítica e da política de segurança dos Estados Unidos, desde o início da Guerra Fria até a Guerra ao Terror.

A denominada “política de contenção” foi um termo utilizado no final da década de 1940 a fim de inflamar a opinião pública no preâmbulo da Guerra Fria. Tal política “se tornou o slogan-chave que liga a atmosfera interna e as operações externas em uma única frente e garante a passagem do New Deal para a Doutrina Truman” (ANDERSON, 2015, p.39), garantindo uma política nacional que instaurava a prerrogativa de interferir em qualquer parte do globo a partir do discurso sobre os perigos do comunismo e a necessidade de sua contenção para a segurança nacional.

O perigo do comunismo/nacionalismo, que se faz presente na formulação política norte-americana, vem sendo substituído pelo terrorismo internacional como discurso para a base da estratégia de alianças internacionais, bases militares e guerras por procuração a fim de garantir a segurança estadunidense no sistema internacional, evitar a propagação de ideais contrários aos preceitos liberais democráticos e aumentar a influência militar, econômica e política em distintos países do globo, uma vez que o terrorismo não possui uma base territorial centralizada.

Outro conceito chave para compreender a importância de Spykman na atualidade é o equilíbrio de poder. A partir de uma projeção azimutal equidistante centrada no Polo Norte que demonstra uma proximidade geográfica entre a América do Norte e a Eurásia através dos Oceanos Atlântico e Pacífico e do Mar Ártico (COSTA, 1992, p.178), reforça a necessidade do equilíbrio de poder na Eurásia:

Spykman não dissimula o fato de que uma teoria estratégica e a conseqüente política de defesa dos EUA, para a guerra e a situação mundial que a sucedesse, envolviam forçosamente o reconhecimento de que o país, como grande potência global, ao defender-se, o faria através de movimentos, alianças e ofensivas que o projetariam como força determinante no chamado equilíbrio do poder mundial. (COSTA, 1992, p.171)

Caso a Eurásia fosse dominada por um único poder, acumularia uma força não compensada que poderia se projetar para o Oceano Atlântico e Pacífico e, em um movimento de pinças, cercar o hemisfério ocidental, uma vez que “era o cerco potencial da América pela Eurásia ou da Eurásia pela América que definiria neste século as grandes linhas da política mundial.” (MELLO, 1999, p.103-105) Para Spykman (apud TOSTA, 1984, p.78), “a possibilidade de cercar ou ser cercado depende dos potenciais do poder de ambos os mundos e da capacidade de integrar-se ou não, cada um deles, em uma só unidade ou coalizão política”.

A resolução deste dilema seria “uma participação direta americana no equilíbrio de poder eurasiático para manter divididas e neutralizadas as forças político-militares da Europa e do Extremo Oriente” (MELLO, 1999, p.118), não dispondo de recursos excedentes que pudessem colocar em perigo a segurança e os interesses estratégicos dos Estados Unidos. Assim, ocasionaria em um excedente de poder norte-americano para projetar-se nos dois oceanos e fixar sua primeira linha de defesa transoceânica nas duas bordas, tanto da Europa como da Ásia, consistindo no “principal vetor da grande estratégia estadunidense na política mundial.” (MELLO, 1999, p.97-98)

A disputa territorial consiste num elemento central da análise da política internacional e na formulação da grande estratégia americana contemporânea. Ao examinar o mapa-múndi e as duplas frentes oceânicas da Eurásia e dos Estados Unidos, Spykman definiu a zona estratégica do poder mundial capaz de compensar o domínio da massa continental eurasiana e essencial para a política de segurança norte-americana: o Rimland. Para ele, o “caminho circunferencial marítimo” (COSTA, 1992, p.179) consistiria “numa vasta zona tampão de conflitos entre o Poder Terrestre e o Poder Marítimo” (TOSTA, 1984, p.76), determinando o Rimland como poder anfíbio de expansão tanto pelo mar como por terra, cujas áreas marginais da Eurásia seriam, “com sua orientação marítima, crucial para o contato com o mundo exterior” (KAPLAN, 2013, p.98), ressaltando a importância das “fímbrias marítimas que contornavam a grande planície central da Eurásia”. (MELLO, 1999, p.120)

Geograficamente, a tese do Rimland compreende as zonas marginais da Europa, Oriente Médio, subcontinente indiano e Extremo Oriente, entre o “anel desértico e montanhoso que circundava a planície siberiana e, por outro lado, com o semicírculo marítimo que contornava o continente eurasiano” (MELLO, 1999, p.120), assim como “a área de contato entre o litoral da Eurásia e o cordão de mares marginais que a cercam” (TOSTA, 1984, p.79) e constituindo-se como “a via expressa marítima do tráfego comercial e militar da Ilha Mundial, conectando África e Oriente Médio ao Leste Asiático”. (KAPLAN, 2013, p.104)

A disputa e o controle em torno do Rimland consistiram no “centro nevrálgico da disputa americano-soviética” (MELLO, 1999, p.129) durante toda a Guerra Fria e, atualmente, da contenda com a Rússia e China. Para os Estados Unidos, era peça chave para o seu perímetro de segurança a contenção do expansionismo na Eurásia através do “avanço da primeira linha de defesa estadunidense para a borda eurasiana e a montagem de alianças militares com os países anfíbios e insulares do Velho Continente” (MELLO, 1999, p.131), constatados nos pactos militares norte-americanos no auge da Guerra Fria e que se fazem presentes até os dias de hoje: 

a) a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança dos Estados Unidos com os países do Rimland europeu, que vedava o acesso russo à periferia ocidental da Eurásia e ao oceano Atlântico; b) a OTASE (Organização do Tratado do Sudeste Asiático), aliança dos Estados Unidos com os países do Rimland asiático, que bloqueava aos russos as saídas para o oceano Pacífico; c) CENTO (Organização do Tratado Central), aliança dos Estados Unidos com os países do Rimland do Oriente Médio, que fechava aos russos as passagens para o golfo Pérsico e o oceano Índico. (MELLO, 1999, p.132).

Em outros termos, em um sistema internacional anárquico, o principal objetivo da política externa de cada Estado consiste na preservação e no aumento de excedente de poder, em um esforço para neutralizar o poder de outros Estados com o objetivo de obter uma supremacia internacional (MELLO, 1999, p.96). Uma interpretação da atualidade geopolítica (em favor dos Estados Unidos) de Spykman gira em torno desses três conceitos: 1) política de contenção, mantendo uma situação de indiscutível hegemonia no Hemisfério Ocidental; 2) equilíbrio de poder, assegurando o controle na Eurásia para evitar que se estabeleça um centro de poder excessivamente influente na Europa e no Extremo Oriente; 3) Rimland, impedindo o seu controle pelas forças russas, isolando-as no interior da Eurásia sem acesso aos mares quentes e, no caso chinês, buscando o cerco de seu acesso ao Mar do Sul da China e posterior acesso a Bacia do Pacífico. Um dos clássicos da geopolítica ainda serve de sustentáculo para a compreensão mais apuradas acerca dos embates geopolíticos e geoeconômicos mundiais contemporâneos.


Referências

ANDERSON, Perry. A política externa norte-americana e seus teóricos. São Paulo: Boitempo, 2015.

COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder. São Paulo: Hucitec; Edusp, 1992.

KAPLAN, Robert. A vingança da geografia: a construção do mundo geopolítico a partir da perspectiva geográfica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013

MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec; Edusp, 1999.

TOSTA, Octavio. Teorias geopolíticas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353