Uma nova Dama de Ferro? A ascensão de Theresa May ao Gabinete

Por Mário Afonso Lima

Theresa May. Foto: The Guardian

Ao longo das últimas semanas, o processo de integração europeu e tudo sobre o futuro de uma das maiores potências europeias tem sido amplamente debatido. O processo do Brexit (saída do Reino Unido do processo de integração europeu) chegou a sua fase de maior tensão em 42 anos de participação britânica no bloco. A relação entre o Reino Unido (RU) e a União Europeia (UE)¹  nunca foi uma relação tranquila. A insularidade britânica, aliado com a sua própria percepção de potência hegemônica, ou pelo menos de ex-potência hegemônica, aliado com a sua aliança especial com os EUA acabaram por distanciar o RU dos demais países europeus.

No entanto, por mais estranha – com momentos de maior aproximação e distanciamento das CE/UE – que a relação entre RU e CE/UE seja, são inegáveis os impactos de uma das partes em relação a outra. A promessa de David Cameron em fazer o referendo sobre a permanência do RU na UE é o resultado de anos de debates e de clivagens internas que acabaram por degastar a relação RUxUE. Para entender o contexto geral do Brexit e a ascensão de Theresa May a chefia de Gabinete é necessária a compreensão sobre a “estranha parceria” entre RUxCE/UE.
 

A relação RUxCE/UE tem suas origens em meados da década de 1940 com o discurso de Churchill e no início da década de 1950 as sucessivas tentativas de boicote a Comunidade Econômica do Carvão e do Aço. Essa relação foi marcada por uma postura britânica inconsistente e a consciência relativa à soberania, o que faz com que surja a indagação dos motivos para o Reino Unido entrar no bloco europeu e neste se manter. Por diversos momentos, a percepção de que a associação à União Europeia é benéfica para o Reino Unido foi dominante, no entanto clivagens internas frente à questão europeia, acabaram por marcar momentos de inconsistência quanto a permanência dentro do projeto de integração, levando ao referendo que ocorreu no último dia 23 de junho.
A aproximação britânica com o bloco europeu no início do processo de integração foi marcada por um antagonismo britânico, por parte de Westminster (sede do Parlamento britânico), chegando a tentar boicotar a Comunidade Econômica Europeia. Na esfera de Whitehall (sede burocrática do governo), a situação foi diferente, sendo possível notar certa reparação para lidar com a integração, capacitando seus funcionários para atuar em conjunto com Bruxelas.

A candidatura britânica foi o último recurso de um país que vinha decaindo e não via a possibilidade de não mais fazer parte do bloco europeu. A relação de dependência desigual entre o Reino Unido e as Comunidades Europeias era clara na década de 1960, assim como a postura francesa, personalizada na figura de De Gaulle, em vetar a entrada britânica no bloco por se sentir ameaçada por esta e temer a relação especial existente entre RU e EUA.

Após a entrada britânica em 1973, Westminster propôs um referendo para saber a posição da população britânica a respeito da permanência do Reino Unido na Comunidade Europeia. A dura política de negociação através da confrontação exercida por Margareth Thatcher e suas contestações a PAC e ao orçamento europeu fizeram com que o Reino Unido fosse visto como um parceiro estranho. No entanto, as indagações de Thatcher fizeram a Comunidade Europeia perceber que eram necessárias reformas no bloco europeu.

A questão econômica é muitas vezes a principal análise que demonstra que a União Europeia é um custo para o Reino Unido. No entanto, os ganhos colaterais, como a unificação do mercado, os investimentos obtidos, os ganhos de escala e de localização da indústria, são maiores do que os custos, que muitas vezes fica limitado as questões do orçamento, e a PAC. Na questão da União Econômica Monetária, assim como na Zona de Schengen, o Reino Unido sempre se mostrou muito cauteloso, mas nunca excluiu a possibilidade de participação.

No referendo do Brexit, a população britânica se mostrou dividida, não só por faixas etárias e por classes sociais, mas também geograficamente. Essas divisões acabaram por impossibilitar a continuidade de David Cameron como primeiro ministro britânico, dando início a uma corrida pelo o posto de Primeiro Ministro. A corrida para assumir o posto contou com participantes pró-Brexit (como Boris Johnson e Michael Gove) e contou com os contrários a saída (como Angela Eagle), mas após a terceira votação, o nome de Theresa May, que já era sussurrado há algum tempo como a possível próxima Primeira Ministra, foi confirmado.

A nova Premier britânica possui uma trajetória bem diferente do seu antecessor, e bem similar com Margareth Thatcher. Vinda de uma família de classe média, May estudou em escolas públicas até entrar para a Oxford, por méritos escolares. Durante seus estudos em Oxford, acabou por conhecer seu marido Philip May, que era o presidente da Oxford Union, um grupo de debate que é famoso por gerar líderes políticos, do qual Theresa fazia parte.

Após a sua formação em Geografia, May foi trabalhar na City de Londres (centro financeiro londrino) e pouco tempo depois se voltou para a política. Seu grande salto na carreira política ocorreu em 1997 quando se tornou Membro do Parlamento por Maidenhead, posição que detém até hoje, sendo considerado o segundo mandato mais longo da história britânica. Durante a sua trajetória política, ela se engajou em campanhas pelas classes mais baixas e sempre foi considerada uma pessoa que fala verdades inconvenientes.  May fez parte do Shadow Cabinet (gabinete formado pela oposição do governo britânico) de 1999 até 2010, sendo que em 2002 até 2003 ela também foi a primeira mulher a ser eleita presidente do partido conservador. Em 2010 ela foi nomeada Secretária de Estado para Assuntos Internos, posto que manteve até a sua nomeação como Primeira Ministra.

Desde nova, ela almejava se tornar a primeira mulher a ser Primeira Ministra britânica e por esse motivo desenvolveu uma certa antipatia com Margareth Thatcher, quando essa ascendeu a posição. O fato de May ascender a posição de Primeira Ministra após muitos anos de busca por esse objetivo, mostra sua força de vontade. Como Anne Perkins – comentarista política do jornal The Guardian – escreveu, a ascensão de May foi como se “ao acordar descobríssemos que o nosso gatinho domesticado cresceu 100 vezes e desenvolveu um baixo rugido da noite para o dia”.

Durante o seu discurso de posse, Theresa May, falou muito diretamente para a classe trabalhadora de que o seu governo não iria abandoná-la, que esse seria um governo do povo e que respeitaria as decisões e vontades do povo inglês. Sua fala marcante “Brexit significa Brexit” deixa claro de que apesar dela ter apoiado a permanência do RU na UE durante a campanha, ela entendeu a vontade do povo e descartou qualquer hipótese de um novo referendo ou da permanência dentro do bloco. Uma das nomeações mais curiosas de seu governo, foi a de Boris Johnson como Secretário de Estado dos Negócios Internacionais e da Commonwealth, o grande apoiador do Brexit, e provavelmente um dos negociadores desse processo.

No entanto, mesmo com esse discurso e seu posicionamento férreo a respeito do Brexit, May enfrenta uma situação muito mais delicada no ambiente interno do RU. Em sua primeira viagem oficial, May foi a Edimburgo negociar com Nicola Sturgeon, chefe do governo autônomo da Escócia, um posicionamento comum frente a questão europeia. O resultado do referendo na Escócia foi de que deveria permanecer na UE, diferentemente do resultado geral do referendo. Essa disparidade de vontades, reforçou a postura separatista da Escócia e fez com que Sturgeon cogitasse convocar um novo referendo pela independência da Escócia, ideia que já foi descartada pela nova Premier britânica.

A principal preocupação da nova Primeira Ministra é a integridade do RU, e para tal ela irá buscar posicionamentos comuns entre todas as partes do RU antes de invocar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa. Os próximos meses serão de muitas negociações internas e externas focando o tema de como dar sequência ao processo do Brexit. May acredita que o Artigo 50 não será invocado antes do final do ano.

Seu governo será formado em sua maioria por homens, brancos, e de mais de 50 anos, ou como ela já vem sendo criticada, o governo conservador clássico e sem grandes ideias progressistas, porém a maioria de seu gabinete foi educado em instituições públicas, o que já demonstra um diferencial dos governos anteriores. O que pode se perceber é uma leve guinada da volta da direita mais tradicional, em alguns aspectos o governo de May é mais conservador do que o de seu antecessor, David Cameron. Um grande diferencial é a força que Theresa May projeta devido a sua personalidade, mostrando que sua nomeação como Primeira Ministra não foi um golpe de sorte ou do acaso, mas sim uma longa estrada percorrida e planejada durante décadas.

O que podemos esperar de Theresa May é um governo forte e centrado ao redor de seu gabinete, bem diferente dos governos anteriores formados pelo “Conjunto de Notting Hill”, um clube informal formado por jovens conservadores que acabam por se reunir ao redor de David Cameron compondo e influenciando o seu governo. As comparações com Margareth Thatcher são óbvias, ambas são mulheres marcantes, de personalidade forte, entrando em momentos delicados da política nacional e internacional. No entanto, as similaridades acabam por aí. Diferentemente de Thatcher, May não é um “arauto do neoliberalismo”, os comentaristas acreditam que May está mais próxima a personalidade de Angela Merkel, acreditando em um Estado com certas responsabilidades para a sua sociedade e buscando se utilizar do assistencialismo para alcançar.

O discurso de posse de May mostrou o tom de seu governo e nos permite perceber algumas de suas políticas para os próximos meses. Será necessário arrumar a casa e fortalecer as bases do Reino Unido, para que permaneça uma unidade forte o suficiente para garantir a maior quantidade de benefícios para o RU na negociação com a UE. Após esse primeiro momento, que deve durar pelo menos até o final do ano, May ira acionar o Artigo 50 e começará o processo de saída da UE. Ao mesmo tempo, a Premier irá buscar reafirmar a posição britânica na Europa e no mundo como uma potência econômica, política e militar.

May não é uma nova “Dama de Ferro”, mas o seu estilo de negociação – característica marcante de Thatcher – e a sua personalidade, aliado com a sua vontade de reerguer um RU que vem enfrentando uma pesada crise econômica há quase uma década, fazem com que as comparações sejam legítimas. Sua ascensão e o seu governo decidirá muito do futuro de como são as Relações Internacionais na Europa, e no mundo, e sua ascensão já é compara a de Merkel na Alemanha. De fato, o futuro do processo de integração europeu se dará nas negociações entre essas duas forças políticas marcadas nas personalidades fortes dessas mulheres.

1 – Vale ressaltar que a UE só foi concretizada, sob esse nome, no ano de 1992, com o acordo de Maastricht. Antes da assinatura desse acordo, o bloco europeu era chamado de Comunidades Europeias, que era a união entre a Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA), a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a EURATOM (Energia Atômica).

Referências
LIMA, M. Um Fardo Aceitável: A relação entre o Reino Unido e a União Europeia. Monografia, Unilassale-RJ, Niterói, 2009. 
MASON, R. Theresa May’s cabinet: state-educated but mostly male. Disponível em: <http://www.theguardian.com/politics/2016/jul/14/theresa-mays-cabinet-state-educated-but-mostly-male> Acessado em:18/07/2016
MASON, R. May appoints former advisers as joint chiefs of staff. Disponível em: < http://www.theguardian.com/politics/2016/jul/15/may-appoints-former-advisers-as-joint-chiefs-of-staff> Acessado em:18/07/2016
MAY, T. Discurso de posse. Disponível em: <http://www.tmay.co.uk/news/335/theresa-s-statement-on-becoming-prime-minister> Londres, 2016 
MAY, T. Biography. Disponível em: <http://www.tmay.co.uk/biography>. Acessado em: 18/07/2016
SIZA, R. Negociações do “Brexit” só arrancam com acordo da Escócia, diz May. Disponível em: < https://www.publico.pt/mundo/noticia/negociacoes-do-brexit-so-arrancam-com-acordo-da-escocia-diz-may-1738436>. Acessado em: 18/07/2016

Mario Afonso Lima é doutorando em Economia Politica Internacional pela UFRJ. Possui Mestrado em Relações Internacionais pela UERJ (2013 – bolsista Capes) e graduação em Relações Internacionais pelo Centro Universitário La Salle – Niterói (2009) . Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Integração Internacional, Conflito, Guerra e Paz, atuando principalmente nos seguintes temas: União Europeia, teoria, ator unitário, entretenimento, novas formas de ensino e teorias de Integração Regional.

Diálogos Internacionais

Divulgação científica de Relações Internacionais, Defesa e Economia Política Internacional ISSN 2596 2353